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'Referência a Goebbels é impensável mesmo para extrema direita na Alemanha', diz historiador alemão

Roberto Alvim, secretário especial da Cultura do governo Bolsonaro Imagem: Clara Angeleas/Divulgação/Secretaria Especial da Cultura

17/01/2020 12h19

Fazer referência "aberta ao nazismo ou a políticos como Goebbels" é "impensável politicamente, mesmo para políticos da extrema direita (na Alemanha)", na opinião do historiador alemão André Postert, em entrevista por email à BBC News Brasil.

Postert é pesquisador-associado do Instituto Hannah Arendt para Pesquisa em Totalitarismo, em Dresden, na Alemanha, e estuda a República de Weimar e o Nacional-Socialismo.

Segundo ele, existem "tentativas de revisionismo histórico na Alemanha, por parte de novos partidos, grupos e movimentos de direita, que se tornaram mais fortes nos últimos anos", mas "uma referência aberta ao nazismo ou a políticos como Goebbels é mais ou menos impensável politicamente, mesmo para políticos da extrema direita, pelo menos por enquanto".

Na quinta-feira (16), o secretário da Cultura, Roberto Alvim, publicou um vídeo em suas redes sociais em que parafraseia fala de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda na Alemanha Nazista. O pronunciamento causou polêmica e foi alvo de críticas tanto de expoentes da esquerda quanto da direita, que pediram sua demissão.

"A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo, ou então não será nada", disse Alvim no vídeo.

Posteriormente, disse se tratar de uma "coincidência retórica". E afirmou que "a frase em si é perfeita".

Para André Postert, do Instituto Hannah Arendt, fala de Roberto Alvim indica 'compreensão de cultura altamente antiliberal, antidemocrática e antipluralista - um espírito totalitário' Imagem: DTV.DE

Segundo Postert, "é preocupante que alguém possa sequer pensar em usar essa citação. Isso indica uma compreensão de cultura altamente antiliberal, antidemocrática e antipluralista — um espírito totalitário".

A frase de Alvim foi comparada a um discurso de Goebbels reproduzido no livro Goebbels: a Biography, de Peter Longerich: "A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada".

"A citação vem de um discurso para diretores artísticos. Não foi um discurso público. No entanto, Goebbels menciona esse discurso em seus diários. Ele escreve que teve 'grande sucesso' e estava 'em excelente forma'. Goebbels mais tarde voltou à idéia de 'romantismo de aço' — um termo típico no contexto nacional-socialista. Por exemplo, em 15 de novembro de 1933, na abertura da Câmara de Cultura do Reich (Reichskulturkammer)", explica Postert.

Ele diz que a fala de Alvim não constituiria um crime na Alemanha, mas "aceitar esta citação, sem críticas e contexto, ou representar tais posições, significaria violar o consenso político".

A música utilizada no vídeo de Alvim é a ópera Lohengrin, de Richard Wagner. Hitler era um amante de óperas e fã de Wagner. Na autobriografia 'Minha luta', ele descreve como assistir à obra wagneriana Lohengrin pela primeira vez, aos 12 anos de idade, foi uma experiência que mudaria sua vida.

Durante o nazismo, obras de compositores judeus como Mendelssohn e Mahler foram banidos, e obras do compositor alemão Wagner foram promovidas —o que lhe rendeu grande popularidade.

Em seu perfil pessoal no Facebook, Alvim escreveu na manhã desta sexta-feira (17) o que chamou de "um breve esclarecimento". No texto, ele diz que "foi apenas uma frase do meu discurso na qual havia uma coincidência retórica" e diz que não citou Goebbels e "jamais o faria".

"Foi, como eu disse, uma coincidência retórica. Mas a frase em si é perfeita: heroísmo e aspirações do povo é o que queremos ver na Arte nacional", escreveu.

Alvim diz que "o que a esquerda está fazendo é uma falácia de associação remota" e que "é típico dessa corja".

No entanto, a associação foi vista com desconfiança inclusive por Olavo de Carvalho, considerado guru de parte dos integrantes do governo Bolsonaro. Ele escreveu: "É cedo para julgar, mas o Roberto Alvim talvez não esteja muito bem da cabeça. Veremos."

Horas depois, Olavo de Carvalho escreveu: "Ou o Alvim pirou, ou algum assessor petista enxertou a frase do Goebbels no discurso dele para assassinar sua reputação."

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pediu o afastamento de Alvim e disse que o secretário "passou de todos os limites".

"O secretário da Cultura passou de todos os limites. É inaceitável. O governo brasileiro deveria afastá-lo urgente do cargo", escreveu em sua conta no Twitter.

A Confederação Israelita do Brasil (Conib) informou, por meio de nota, que considera "inaceitável" o uso de discurso nazista por Roberto Alvim e pediu seu afastamento imediato.

"Emular a visão do ministro da Propaganda nazista de Hitler, Joseph Goebbels, é um sinal assustador da sua visão de cultura, que deve ser combatida e contida. Goebbels foi um dos principais líderes do regime nazista, que empregou a propaganda e a cultura para deturpar corações e mentes dos alemães e dos aliados nazistas a ponto de cometerem o Holocausto, o extermínio de 6 milhões de judeus na Europa, entre tantas outras vítimas. O Brasil, que enviou bravos soldados para combater o nazismo em solo europeu, não merece isso. Uma pessoa com esse pensamento não pode comandar a cultura do nosso país e deve ser afastada do cargo imediatamente."

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