Topo

Esse conteúdo é antigo

Coronavírus: estudantes brasileiros na China ficam no 'limbo' em meio ao surto

Bruna Sebastiany (à dir.) precisou ficar em quarentena e agora não sabe quando suas aulas de mandarim vão recomeçar - Arquivo pessoal
Bruna Sebastiany (à dir.) precisou ficar em quarentena e agora não sabe quando suas aulas de mandarim vão recomeçar Imagem: Arquivo pessoal

Luiz Antônio Araujo - De Porto Alegre para a BBC Brasil

19/02/2020 16h04

Com reinício das aulas suspenso por tempo indeterminado, alguns passam os dias sem poder sair do alojamento estudantil e sem saber quando o ano letivo vai recomeçar.

Ao retornar ao alojamento estudantil do Instituto Politécnico de Macau (IPM) no dia 31 de janeiro, depois de passar o feriado do Ano Novo chinês em Hong Kong, a brasileira Bruna Sebastiany, de 24 anos, de Cruzeiro do Sul (RS), foi avisada de que não poderia entrar no local em razão da epidemia do novo coronavírus.

"Por determinação da administração da universidade, os estudantes que saíssem de Macau teriam de ficar em quarentena em um outro dormitório. Tive 15 minutos para pegar roupas e pertences e sair sem falar com ninguém", relata por telefone a brasileira de 24 anos, que estuda mandarim na China há três anos.

O episódio ilustra a realidade dos estudantes em toda a China, que a Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda considera como local de alto risco para a transmissão do coronavírus, oficialmente chamado de covid-19.

Foram registrados, no país, 73,3 mil casos da doença até 18 de fevereiro, com 1.870 mortes. No restante do mundo, o total de casos confirmados é de 804 (por enquanto, nenhum no Brasil), com três mortes até agora.

Inicialmente previstas para iniciarem em fevereiro, as aulas presenciais do primeiro semestre letivo estão suspensas por tempo indeterminado na China. Alunos que aproveitaram o feriado para viajar pelo país ou para o exterior enfrentaram restrições ao voltar ou preferiram aguardar a normalização da situação para retornar.

Alguns voltaram para seus países de origem. Os que ficaram nas moradias estudantis relatam um cotidiano de tédio e incerteza.

Por duas semanas, Bruna permaneceu em alojamento universitário na ilha de Taipa. Em razão das férias escolares, o local estava quase deserto. Duas vezes por dia, às 9h30 e às 21h30, seguranças mediam sua temperatura.

Na manhã do dia 4, ela foi notificada de que não poderia sair do prédio. Por e-mail, os estudantes protestaram dizendo que precisavam comprar mantimentos e se exercitar. A universidade acabou permitindo saídas por uma hora diária, mediante pedido por escrito no qual o estudante informava o motivo do deslocamento.

Embora soubesse da epidemia desde o dia 22 de janeiro, Bruna não havia notado alterações na rotina do país até chegar a Hong Kong. No dia 25, as comemorações públicas do Ano Novo foram canceladas em Hong Kong e Macau para evitar aglomerações.

"No domingo, meu namorado e eu fomos a um templo budista, como é costume. O local estava lotado, e os chineses, que eram a imensa maioria, usavam máscaras. Os que não usavam eram estrangeiros", relembra.

O uso de máscaras ajuda, segundo a OMS, a limitar o avanço de algumas doenças respiratórias, embora seja, por si só, uma medida insuficiente. A organização recomenda também lavar as mãos, cobrir a boca e nariz ao tossir e espirrar e manter uma distância mínima (um metro) das demais pessoas, sobretudo se elas tiverem sintomas de doenças respiratórias.

O covid-19 pode causar desde sintomas leves, como coriza, dor de garganta, tosse e febre, até problemas mais graves em alguns pacientes (particularmente idosos e pessoas com problemas médicos anteriores), como pneumonia e dificuldade em respirar. Em alguns casos extremos, a doença pode ser fatal.

A cerca de 3 mil quilômetros de distância dali, os estudantes Wesley Ranier Pereira Flores, 26 anos, e Bruno Farias, de 23, que cursam mandarim na Universidade de Línguas e Cultura de Pequim, também têm passado os dias com apreensão e pouco o que fazer.

Eles têm de ficar o tempo todo no dormitório do campus, sem uma definição sobre o início do semestre. "Lemos e navegamos na internet para passar o tempo, porque o alojamento está praticamente vazio", afirma Wesley.

Viagem cancelada

Brasileiros e o coronavírus - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Bruno Locatelli (foto acima), 22 anos, de Bom Retiro do Sul (RS), que também estuda mandarim no IPM, aguarda em Bali, na Indonésia, um momento propício para voltar à China. Ele passava férias com a namorada em outros países da Ásia quando ficou sabendo, pela internet, da epidemia do coronavírus.

O casal decidiu cancelar o voo de volta a Pequim, inicialmente previsto para 18 de fevereiro.

"Pretendemos ficar na Indonésia até receber de nossa universidade a notificação de volta às aulas presenciais. Cada um tem de se manter por conta própria. Nossos familiares e amigos estão naturalmente apreensivos com a situação. Embora estejamos numa área de baixa risco, ainda assim ficam preocupados", afirma Bruno por e-mail.

O novo coronavírus fez Stéfani Kummer, 22 anos, tomar uma medida mais radical: retornar ao Brasil. "Comprei minha passagem à tarde e fui embora à noite", relata a estudante de mandarim do IPM, de Roca Sales (RS), por telefone.

Ela embarcou em Pequim no dia 29 de janeiro e chegou a São Paulo no dia seguinte. No aeroporto, na capital chinesa, ficou preocupada ao ver estrangeiros sem máscara facial. O namorado de Stéfani, português, também retornou para seu país.

A perspectiva de aulas online preocupa Stéfani. "Estou esperando uma posição da universidade. Se isso se confirmar, terei aulas de madrugada. Tenho saudade da rotina na China", afirma.

Na pequena Roca Sales, de 12 mil habitantes, o retorno da estudante não passou despercebido. "Fiquei sabendo que alguns ligaram para a Secretaria Municipal de Saúde perguntando como permitiam a vinda de alguém que estava na China. Mesmo alguns parentes evitaram ter contato comigo", conta.