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Recordista de viagens aos EUA, em 4ª visita Bolsonaro jantará com Trump e terá agenda militar e comercial

Bolsonaro desembarca de avião em Washington, em foto de março de 2019; ele já é o presidente brasileiro que, proporcionalmente, mais visitou os EUA - Alan Santos/Presidência da República
Bolsonaro desembarca de avião em Washington, em foto de março de 2019; ele já é o presidente brasileiro que, proporcionalmente, mais visitou os EUA Imagem: Alan Santos/Presidência da República

Mariana Sanches

Enviada da BBC News Brasil a Miami

07/03/2020 09h02

'Vamos jantar em Mar-a-Lago. Ele queria jantar na Flórida', anunciou o presidente americano; brasileiro também será recebido pelo prefeito de Miami, que elogiou sua disposição 'contra o comunismo'.

Quando o avião de Jair Bolsonaro pousar na Flórida, na tarde deste sábado (7), o presidente brasileiro se tornará um recordista: em sua quarta viagem aos EUA em menos de 15 meses de mandato, ele é o chefe de Estado brasileiro que mais visitou o país, proporcionalmente, nos últimos 35 anos.

Em números absolutos, curiosamente, quem mais esteve na América foi o principal rival do atual presidente. Em oito anos de mandato, o ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva esteve nos EUA 12 vezes.

A disposição de cruzar os sete mil quilômetros que separam Brasília da nação sob comando do presidente republicano Donald Trump é uma das políticas de Estado centrais da atual gestão. Desde que ascendeu ao Planalto, Bolsonaro determinou um realinhamento histórico da política externa brasileira. Os Estados Unidos passaram a ser o aliado brasileiro prioritário no mundo —acima dos vizinhos do Mercosul ou da China-, estratégia que rendeu frutos e reveses a Bolsonaro.

Para atrair a atenção e a simpatia de Trump, com quem compartilha a agenda ideológica e os métodos de fazer política, Bolsonaro fez uma série de movimentos unilaterais em favor dos americanos nos primeiros meses de seu mandato: isentou os cidadãos do país da exigência de visto de turismo; apoiou a posição americana quanto à Venezuela; determinou aumento na importação de etanol de milho dos EUA; e aumentou a cota de importação de trigo de produtores fora do Mercosul.

Além disso, o presidente brasileiro abdicou das vantagens de negociação por ser um país em desenvolvimento no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), endossou pela primeira vez na história o embargo econômico americano a Cuba e autorizou a deportação sumária de brasileiros que tenham ingressado ilegalmente nos EUA.

A coleção de agrados aos americanos gerou desgaste a Bolsonaro, acusado de adotar alinhamento automático à superpotência às expensas dos interesses nacionais, algo que o Itamaraty sempre se esforçou em negar.

Enquanto fazia concessões, ao longo do ano passado, Bolsonaro recebeu de Trump sinais trocados. Os EUA apoiaram a candidatura Argentina em detrimento da brasileira à OCDE, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, anunciaram sobretaxa ao aço brasileiro sob acusação de que o Brasil depreciava propositalmente o câmbio e negaram reiteradamente a entrada da carne bovina brasileira em seu mercado, mesmo sem razão técnica para tanto. O governo americano também não aceitou marcar data para uma visita de Trump ao Brasil.

Bolsonaro e Trump em encontro em março de 2019; os dois compartilham agenda ideológica e métodos de fazer política - Reuters/Carlos Barria - Reuters/Carlos Barria
Bolsonaro e Trump em encontro em março de 2019; os dois compartilham agenda ideológica e métodos de fazer política
Imagem: Reuters/Carlos Barria

Desde dezembro, no entanto, o cenário de reveses acumulados começou a desanuviar. Em dezembro, os EUA apoiaram publicamente o ingresso brasileiro na OCDE (o "clube dos países ricos") no lugar da Argentina, e desistiram da taxa extra sobre o aço —após um telefonema entre os dois líderes. Há algumas semanas, liberaram a exportação de carne do Brasil. Nesse meio tempo, negociaram ainda um gesto de deferência a Bolsonaro: um jantar com Trump em sua residência de veraneio, um resort em Mar-a-Lago, na Flórida. A visita de Bolsonaro ao país servirá, portanto, para que ele se sente à mesa com Trump e possa capitalizar politicamente os resultados recentes de suas opções de política externa.

"Vamos jantar em Mar-a-Lago. Ele queria jantar na Flórida", anunciou Trump em coletiva de imprensa na Casa Branca nesta sexta-feira.

Pouco depois, o governo americano enviou nota à imprensa em que dizia explicitamente que "o presidente (Trump) vai usar esse encontro como uma oportunidade para agradecer ao Brasil por sua forte aliança com os Estados Unidos". O Itamaraty comemorou o tom do comunicado.

Os anfitriões na Flórida

O anfitrião de Bolsonaro na Flórida será o prefeito de Miami, o republicano Francis Suarez, de quem partiu o convite da visita, endossado também pelo senador do mesmo partido Rick Scott, ex-governador do Estado e um dos congressistas mais leais a Trump. Ambos visitaram o Brasil no segundo semestre do ano passado. Na ocasião, Suarez chegou a dizer que o país estava de "braços abertos" para receber o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, como embaixador brasileiro no país —plano abandonado meses mais tarde.

Com a família Bolsonaro, tanto Suarez quanto Scott partilham um duplo interesse: ampliar os negócios entre Brasil e Flórida, e combater governos de esquerda na América Latina. Scott, inclusive, é um dos entusiastas de uma ação militar americana em território venezuelano. O governo de Nicolás Maduro, cujas ações levaram à fuga de mais de 4 milhões de venezuelanos do país, é um dos maiores alvos políticos de Bolsonaro, que acusa os governos petistas anteriores de tentarem converter o Brasil "em uma Venezuela".

"É uma grande honra ter um chefe de Estado visitando a nossa cidade. Particularmente, um presidente que partilha dos nossos valores de ser firmemente contra o comunismo e que entende que o comunismo é uma ideologia fraudulenta que destruiu tantos países e impactou muitos outros devido à crise dos imigrantes", afirmou o prefeito Suarez em entrevista à BBC News Brasil.

Miami é a capital da diáspora cubana, motivada pelo regime de Fidel Castro, e abriga parte dos 370 mil brasileiros que vivem na Flórida, do total de 1,3 milhão que compõem a comunidade nos Estados Unidos.

Se, por um lado, é crítico do processo migratório cubano, por outro, Suarez afirma ter se tornado defensor de uma facilitação de vistos para brasileiros junto à administração federal americana. Ele conta já ter discutido o assunto tanto com Bolsonaro quanto com Eduardo, além do embaixador americano em Brasília.

A ideia seria isentar de visto aqueles brasileiros que comprovem alta renda ou que já tenham viajado diversas vezes aos EUA sem nunca extrapolar o prazo legal de permanência em território americano.

"Obviamente, nosso objetivo quando eu viajo para lá e ele (Bolsonaro) viaja para cá é continuar a fortalecer os laços entre Miami e o Brasil. Agora que cidadãos americanos não precisam de visto para viajar para o Brasil, espero que possamos criar algo semelhante, se não idêntico, para brasileiros que querem vir para os Estados Unidos", disse Suarez.

A fala acontece na semana em que chegaram ao Brasil o sexto e o sétimo voos de brasileiros deportados expressamente dos EUA. Desde 2006, o Brasil não aceitava a expulsão sumária de cidadãos acusados de entrar ilegalmente nos Estados Unidos, política que foi alterada no fim do ano passado por Bolsonaro. O número de brasileiros indocumentados que entraram pela fronteira com o México no ano fiscal de 2019 deu um salto para quase 20 mil, um aumento de quase 5 vezes em relação a 2018. A onda de deportações e as acusações de maus-tratos de brasileiros detidos pelo serviço migratório americano representam desgaste ao governo brasileiro.

"O governo do Brasil não está fazendo o suficiente para proteger seus cidadãos. Preferiu atender aos interesses de Trump a cuidar de seu próprio povo", afirma Heloísa Maria Galvão, presidente do Grupo Mulher Brasileira, organização que atua no apoio a migrantes brasileiros no Estado de Massachussets, onde vivem 400 mil brasileiros.

O prefeito Suarez afirma que pretende apresentar a ideia ao próprio presidente Trump ainda em março. Ele reconhece que não tem nada para anunciar sobre o assunto no momento, até porque essa seria uma medida de esfera federal, e não municipal. Confrontado com a viabilidade real de sua ideia, o prefeito rebate: "Eu acho que o presidente Bolsonaro tem um bom relacionamento com o nosso presidente, então isso é sempre um bom começo".

Pautas econômicas, pautas militares

No âmbito comercial, não há expectativa de que novo anúncio de acordo seja feito em nova visita de Bolsonaro aos EUA - Getty Images - Getty Images
No âmbito comercial, não há expectativa de que novo anúncio de acordo seja feito em nova visita de Bolsonaro aos EUA
Imagem: Getty Images

Além do jantar com Trump e dos encontros com o prefeito Suarez e os senadores Scott e Marco Rubio, outro representante republicano da Flórida, a agenda de Bolsonaro no país mistura reuniões com empresários brasileiros e americanos e pautas militares.

No domingo, ele visitará o Comando Militar dos Sul dos EUA. O local, onde hoje atua um general brasileiro, é a sede da inteligência militar americana para segurança na América Latina, exceto México. Depois de assinar o acordo de salvaguardas tecnológicas de Alcântara e de se converter em um aliado militar extra-OTAN, a aliança militar ocidental, o Brasil firmará com os americanos um acordo chamado RDT&E (abreviação em inglês para pesquisa, desenvolvimento, testes e avaliação). O RDT&E possibilita que os dois Estados trabalhem juntos em projetos militares.

O desenvolvimento de tais projetos dependeria das empresas privadas de cada um dos países, financiadas com dinheiro de um fundo para cooperação militar cujo valor chega a quase US$ 100 bilhões.

Uma das candidatas a se beneficiar do novo pacto é a Embraer. Bolsonaro vai visitar a fábrica da empresa em Jacksonville, a 500 quilômetros de Miami, na próxima terça, dia 10, antes do retorno ao Brasil. Ali, a Embraer produz o A-29 Super Tucano, um monomotor militar de ataque leve usado pela FAB e por mais uma dezena de forças aéreas de outros países.

Nos últimos 2 anos, a Embraer investiu em experimentos com aeronaves de ataque leve junto à Força Aérea americana, que, no fim do ano passado anunciaram a intenção de comprar entre dois e três A-29 para aprofundar os testes e definir, então, a compra de algumas dezenas de aeronaves. O avião da Embraer disputa com o AT-6 Wolverine da americana Textron Aviation a preferência da aeronáutica dos EUA.

Há a expectativa no governo americano de que presença de Bolsonaro não apenas na empresa, como voando em um jato da Embraer em território americano, poderia colaborar para um desfecho positivo para a empresa na negociação.

No âmbito comercial, não há expectativa de que nenhum novo anúncio de acordo seja feito.

O Brasil é o principal parceiro comercial da Flórida. Em 2018, o comércio entre o país e o Estado americano superou os US$ 20 bilhões. O montante equivale a quase 30% de todo o fluxo comercial entre Brasil e EUA. Os dois presidentes já declararam interesse em alinhavar um acordo de livre comércio entre os países, mas não se espera que algo nesse sentido possa ser anunciado nos próximos dois ou três anos.

O Itamaraty tem trabalhado com o Departamento de Estado Americano para implementar medidas de facilitação de negócios que não inclua tarifas. A expectativa é iniciar nas próximas semanas a segunda fase de implantação do programa Global Entry —que pretende agilizar a entrada de empresários brasileiros nos EUA e está, por enquanto, em fase de testes.

Tesla

Em fevereiro, ao anunciar via Twitter sua viagem aos EUA, o presidente Bolsonaro criou uma expectativa de que estaria negociando a vinda da fabricante de carros elétricos Tesla para o país. "Em março estarei nos Estados Unidos. Em nossa extensa agenda a possibilidade da Tesla no Brasil", escreveu ele. Embora tenha havido tentativa de marcar um encontro entre o presidente e os executivos da companhia, não há confirmação de que isso ocorrerá. A BBC News Brasil consultou a Tesla sobre o assunto, mas não obteve resposta.

Por enquanto, a agenda do presidente prevê participação em um evento de "networking de alto nível" promovido pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), no dia 9, e uma conferência internacional de investimentos entre Brasil e Flórida, organizada pelo Fórum das Américas, presidido pelo empresário brasileiro Mário Garnero. No seminário da Apex, haverá apresentações da Secretaria da Pesca e da Empresa Brasileira de Turismo (Embratur) para atrair investimentos.

"Fomos convidados há apenas uma semana e me parece ser mais uma reunião para contatos mesmo com a comunidade do que um evento com pauta específica e anúncios", afirmou à BBC News Brasil Carlos Osório, vice-presidente da Câmara de Comércio Americana-Brasileira da Flórida Central e CEO do time de futebol Orlando City.

Ainda no dia 9, Bolsonaro será recebido na Miami Dade College, onde será cumprimentado por pastores evangélicos e por integrantes da comunidade brasileira da cidade —que apoiou maciçamente sua candidatura presidencial e garantiu a ele 80,64% dos votos válidos de brasileiros em Miami.

Bolsonaro contará com uma grande delegação. Com o presidente viajam o ministro do Gabinete de Segurança Institucional General Augusto Heleno, o General Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, o astronauta Marcos Pontes, da pasta de Ciência e Tecnologia, o ministro da Defesa General Fernando Azevedo e Silva, o Almirante Bento Albuquerque, chefe de Minas e Energia e o chanceler Ernesto Araújo. Para o jantar com Trump, é esperado que Bolsonaro conte com a companhia do recém-empossado embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster.

O prefeito Suarez, que se encontrará com Bolsonaro em ao menos duas ocasiões, se mostra entusiasmado com o patamar das relações entre sua cidade e o Brasil e antevê melhorias comerciais após a visita.

"Quando ele (Bolsonaro) se tornou presidente, ele estava lidando com duas grandes crises: uma de corrupção e outra de criminalidade. É muito difícil querer que as pessoas venham visitar um país que tem esses problemas. E acho que Bolsonaro realmente tentou mudar essa narrativa e tornar o Brasil um lugar onde as pessoas podem se sentir seguras e onde sabem que podem fazer negócios com segurança", afirma.