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O que significa Trump declarar emergência nacional após avanço do coronavírus nos EUA

Presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Branca - POOL New
Presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Branca Imagem: POOL New

Mariana Sanches

Da BBC News Brasil em Washington

13/03/2020 19h45

Com mais de 1,8 mil casos confirmados de coronavírus, metade deles nas últimas 72 horas, o governo dos Estados Unidos declarou hoje (13) estado de emergência nacional para tentar conter a epidemia.

Graças à medida, o governo poderá usar um fundo para alívio de desastres de até US$50 bilhões (cerca de R$250 milhões), e não precisará de aprovação do Congresso para empregar a verba.

A medida, tomada pelo presidente americano, Donald Trump, acontece após uma série de críticas à maneira como o republicano administrou a crise de saúde até o momento.

"Esforços precisam ser feitos agora para promover distanciamento social, aumentar a capacidade de testes e dar uma mensagem clara para o público. Doenças não param em fronteiras, por isso é fundamental ter consistência e transparência" defendeu à BBC News Brasil Rachael Piltch-Loeb, pesquisadora de saude pública global da New York University.

Até o começo dessa semana, Trump fazia o oposto disso. "Fiquem calmos, isso vai desaparecer", disse recentemente, depois de acusar reiteradamente seus rivais democratas de exagerar a importância da epidemia e de repetir que os casos de coronavírus estavam reduzindo no país, enquanto, na verdade, eles estavam aumentando.

"A decretação do estado de emergência é uma rara admissão de erro por Trump. É também uma medida mais correta pra lidar com a situação do que o banimento de viagens de europeus aos EUA, que tende a ser inócuo", afirma Carlos Gustavo Poggio, professor especialista em política americana da FAAP.

Trump não fará exame por ter estado com Bolsonaro

Em uma coletiva de imprensa nesta sexta, Trump afirmou que não fará exames depois que os resultados do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, retornaram negativos para a doença, nesta manhã. Trump e Bolsonaro jantaram juntos no sábado, dia 7.

"Eu não tenho nenhum sintoma até agora. Não queremos pessoas sem sintomas fazendo exames", disse.

O prefeito de Miami, Francis Suarez, que também se encontrou com Bolsonaro, foi diagnosticado nesta sexta com o vírus. Já o senador republicano Rick Scott optou por decretar sua autoquarentena após encontro com o brasileiro.

Questionado sobre se cogitaria adotar medida semelhante após se aproximar do secretário de comunicação de Bolsonaro, Fabio Wajngarten — que teve diagnóstico positivo para o vírus —, Trump minimizou os riscos.

"Havia alguém (no jantar) que eles dizem (que está contaminado), não tenho ideia de quem ele é. Mas eu tiro fotos e isso dura literalmente segundos. Não conheço os senhores de quem estamos falando. Eu não tenho ideia de quem ele é. Eu não vi a foto, eles dizem que há uma foto de alguém, mas às vezes eu tiro centenas de fotos por dia, e naquela noite eu estava tirando centenas de fotos, então não sei. Agora eu sentei com o presidente por provavelmente duas horas, mas ele deu negativo, então isso é bom", afirmou

1,4 milhão de testes a mais na próxima semana

Com casos em 46 dos 50 estados americanos, especialistas têm alertado que faz pouco sentido supor que a essa altura o "inimigo" seja externo, como afirmou Trump em um pronunciamento na Casa Branca há dois dias, ao falar em "vírus estrangeiro" e interromper o fluxo entre seu país e a União Europeia.

O desafio principal para o republicano é coordenar com os Estados afetados uma resposta que acelere, por exemplo, a velocidade da testagem para novos casos — hoje, a resposta para um exame de coronavírus leva cerca de sete dias, enquanto no Brasil o prazo é de dois dias.

Ao declarar estado de emergência, Trump anunciou que chegarão aos hospitais 1,4 milhão de novos kits de testagem no começo da semana que vem. Até o fim do mês, 5 milhões estarão disponíveis no serviço de saúde.

"Mais do que isso não será necessário", assegurou o presidente, que também garantiu facilitação de aprovação burocrática dos testes de laboratórios privados, um gargalo que impediu que os exames estivessem disponíveis ao redor do país durante as primeiras semanas da crise.

O presidente americano também liberou médicos, cuja licença restringe ao exercício em apenas alguns Estados, para atuar nacionalmente, onde for necessário.

De acordo com Trump, os novos testes e adaptações nos hospitais permitirão inclusive uma espécie de "drive-thru" de exames: pacientes poderão ser testados sem sequer descer do carro, em estacionamentos, por exemplo, para evitar risco de contaminação em ambientes hospitalares. "Os hospitais podem fazer o que tiverem que fazer", disse.

A medida do "drive-thru" foi adotada, por exemplo, na Coreia do Sul.

"Não queremos todo mundo correndo para fazer testes. É só se tiver um conjunto de sintomas e condições. É totalmente desnecessário", disse Trump, tentando tranquilizar a população.

Sem licença médica remunerada

Conhecida como Stafford Act, a lei de emergência americana tomou a forma atual na década de 1980, durante a gestão Ronald Reagan.

A decretação de estado de emergência não é tão rara: desde sua criação ele foi adotado em algum momento por todos os governos. No entanto, a medida costuma ter efeitos meramente locais: o instrumento foi usado nos anos 1990, na gestão Bill Clinton, para responder ao surto causado pelo vírus do Nilo Ocidental em Nova York e Nova Jersey, e por George W. Bush, quando o furacão Katrina devastou a cidade de Nova Orleans.

A única vez em que foi adotada nacionalmente foi durante a crise da gripe suína, no governo Barack Obama.

A medida amplia os poderes do presidente para tomar decisões rápidas em diferentes níveis. No mais abrangente deles, Trump poderia aumentar os gastos públicos com seguro desemprego, subsídios a trabalhadores (como licenças médicas remuneradas) ou mesmo distribuição de vouchers para alimentação e realocação de pessoas.

Nada nesse sentido, no entanto, foi anunciado ainda. Um pacote de medidas está em discussão no Congresso, entre republicanos e democratas, para garantir licença remunerada e a gratuidade dos testes de coronavírus no país.

De acordo com o Escritório de Estatísticas Laborais americano, um quarto dos trabalhadores do país não têm direito a se ausentar do trabalho por motivos médicos sem que seu salário seja descontado.

"O darwinismo social do ambiente de emprego americano deixa milhões de trabalhadores incapazes ou dispostos a ficar em casa longe do trabalho, mesmo quando estão doentes. Isso prejudica os pedidos de 'distanciamento social' e promove a disseminação do novo coronavírus que causa a doença COVID-19", escreveu Michael Hiltzik, especialista em negócios do jornal Los Angeles Times, denunciando um dos pontos mais falhos na estratégia americana de combate à epidemia.

Atualmente, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão americano responsável pela saúde pública, recomenda que qualquer pessoa que tenha tido contato com alguém que testou positivo para o vírus entre automaticamente em quarentena em casa.

Sem garantias de que receberão seus salários e não poderão ser demitidos por uma ausência de ao menos duas semanas no posto de trabalho, os trabalhadores americanos preferem correr o risco de se contaminar e disseminar a doença.

Em termos econômicos, Trump afirmou que cortaria juros sobre empréstimos estudantis e que sua administração pretende comprar a maior quantidade possível de petróleo para aproveitar que o preço do barril caiu em 30% de seu valor.