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De divisão por gênero à violência policial: as inusitadas medidas tomadas no mundo para impor quarentena

Mulher passeava com seu cachorro durante um toque de recolher imposto para impedir a propagação da doença por coronavírus em Belgrado. - Reuters
Mulher passeava com seu cachorro durante um toque de recolher imposto para impedir a propagação da doença por coronavírus em Belgrado. Imagem: Reuters

01/04/2020 11h35

Países vêm tomando medidas para impedir a propagação do novo vírus, algumas extremas e outras curiosas; relatos de brutalidade das forças de segurança vêm crescendo, assim como temores sobre ampliação de poderes de governos

Vários países estão tomando medidas sem precedentes para impedir a propagação do coronavírus, algumas extremas, outras, curiosas. Alguns até preferem continuar negando a crise da pandemia.

Também há relatos de aumento da violência policial, uma vez que forças de segurança foram incumbidas de assegurar o cumprimento dessas medidas.

Isso sem falar nos temores de que os governos estejam usando preocupações com coronavírus para aumentar seus próprios poderes e, como resultado, possivelmente reprimir vozes críticas.

Na última segunda-feira (30), por exemplo, o Parlamento da Hungria aprovou um novo conjunto de medidas, incluindo penas de prisão para quem espalhar desinformação e permitindo que o primeiro-ministro de extrema-direita, Viktor Orbán, governe por decreto sob um estado de emergência sem prazo determinado.

Já nas Filipinas e na Tailândia, também foram declarados estados de emergência, concedendo aos governos maiores poderes por um período temporário.

Em um relatório recente, a ONG Human Rights Watch disse que a liberdade de expressão e o acesso a informação devem ser protegidas pelos governos. Embora algumas restrições a direitos, como as que limitam a liberdade de movimento, possam ser justificadas, a entidade pediu transparência e "respeito à dignidade humana".

Confira algumas medidas inusitadas impostas por alguns países nessa crise global do coronavírus:

1) Panamá

O país da América Central, que já teve quase mil casos confirmados, anunciou medidas rigorosas de quarentena que separam as pessoas por gênero, em um esforço para impedir a disseminação do coronavírus.

A partir desta quarta-feira (1), homens e mulheres poderão deixar suas casas por apenas duas horas por dia e em dias diferentes.

Ninguém poderá sair aos domingos.

"Essa quarentena é para salvar sua vida", disse o ministro da Segurança, Juan Pino, em entrevista a jornalistas.

Homem usando máscara na rua - AFP - AFP
No Panamá, as restrições de movimento agora se baseiam em gênero.
Imagem: AFP

2) Colômbia

Em algumas cidades colombianas, as pessoas são autorizadas a sair com base no último dígito de seu número de identificação nacional — em uma espécie de "rodízio".

Por exemplo, pessoas em Barrancabermeja com um número de identificação que termina em 0, 7 ou 4 podem sair de casa na segunda-feira, enquanto aquelas com um número de identificação que termina em 1, 8 ou 5 podem sair na terça-feira.

A vizinha Bolívia propõe uma abordagem semelhante.

3) Sérvia

A certa altura, o governo da Sérvia introduziu uma "hora de passear com os cães" das 20h às 21h para quem está em quarentena. Mas isso agora foi descartado, após protestos dos donos de cães.

Um veterinário disse que pular a caminhada noturna poderia piorar a condição dos cães com problemas urinários e "agravar as condições básicas de higiene nas casas das pessoas".

4) Belarus

O distanciamento social pode ser a regra atual em muitos países, mas não em Belarus.

O presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, causou espanto com sua atitude em relação aos perigos do coronavírus.

Ele riu da sugestão de que seu país deveria tentar conter a disseminação do coronavírus, porque não conseguia ver o vírus "voando por aí".

Conversando com um repórter de TV em uma partida de hóquei no gelo em recinto fechado, ele também afirmou que as multidões estavam bem porque o frio do estádio impediria a propagação do vírus.

Não há evidências de que o frio extremo evitaria a infecção e o coronavírus não pode ser visto a olho nu.

Ao contrário da maior parte da Europa, Belarus não impôs restrições a eventos esportivos.

"Não há vírus aqui", disse Lukashenko. "Você não os viu voando, viu? Eu também não os vejo! Isso é uma geladeira. Esporte, principalmente o gelo, essa geladeira aqui, essa é a melhor cura antiviral!"

Ele também citou beber vodca e frequentar regularmente a sauna como formas de evitar o vírus - o que destoa das recomendações dos médicos.

Os torcedores aplaudem, enquanto assistem à partida de futebol da Bielorrússia na Premier League entre FC Minsk e FC Dinamo-Minsk em Minsk, em 28 de março. - EPA - EPA
Belarus não tomou nenhuma medida para combater coronavírus
Imagem: EPA

5) Suécia

Ao contrário de seus vizinhos, a Suécia adotou uma abordagem menos rigorosa em relação ao coronavírus, apesar de seus quase 4,5 mil casos confirmados. Bares e restaurantes continuam a funcionar normalmente e nenhuma quarentena foi decretada. O governo espera que as pessoas se comportem de maneira sensata e confia nelas para impedir a propagação do vírus.

Aglomerações com mais de 50 pessoas foram proibidas no domingo (29), mas escolas para crianças menores de 16 anos permanecem abertas.

A estratégia está dividindo opiniões internamente e no exterior, mas apenas o tempo dirá se a abordagem descontraída dos suecos será um tiro pela culatra.

6) Malásia

As orientações das autoridades da Malásia não são menos controversas.

O governo foi forçado a pedir desculpas depois que o ministério das mulheres publicou cartuns online dizendo às esposas para se vestirem, usar maquiagem e evitar incomodar seus maridos durante o bloqueio parcial do país.

Nas redes sociais, usuários foram rápidos em criticar os pôsteres, que acabaram retirados de circulação.

Mesquita Turkmenbashi Ruhy em Ashgabad - Getty Images - Getty Images
Turcomenistão não registrou nenhum caso até agora, apesar de proximidade com Irã, um dos países mais atingidos.
Imagem: Getty Images

7) Turcomenistão

Enquanto isso, o Turcomenistão adotou uma abordagem completamente diferente para lidar com a pandemia... e proibiu a palavra "coronavírus".

De acordo com o site independente de notícias, The Turkmenistan Chronicle — que é proibido no país da Ásia Central — o governo removeu a palavra de seus folhetos de informações sobre saúde. Jornalistas que trabalham na Rádio Azatlyk disseram que pessoas que falam sobre o vírus ou usam máscaras em público podem ser presas.

As autoridades dizem que nenhum caso de coronavírus foi registrado no Turcomenistão, que faz fronteira com um dos países mais atingidos do mundo, o Irã.

8) Quênia

No Quênia, um menino de 13 anos teria sido morto por policiais na noite de segunda-feira (30) durante o toque de recolher imposto pelo governo do país.

Ele brincava na varanda da casa dos pais em uma favela da capital queniana, Nairóbi, quando a polícia invadiu o local atirando para dispersar pessoas, segundo relatos de testemunhas.

O menino foi alvejado no estômago. Ele chegou a ser levado a um hospital, mas não resistiu aos ferimentos e morreu.

O comandante da polícia do Quênia abriu uma investigação para apurar as circunstâncias da morte.

O toque de recolher no país foi determinado na noite da última sexta-feira (27) para tentar conter a propagação do vírus.

Desde então, aumentam os relatos de pessoas sendo alvos de bombas de gás lacrimogêneo e vítimas de agressão policial por não permanecerem dentro de casa a partir das 19h — na hora local.

Clientes usam máscaras protetoras em supermercado em Viena - Getty Images - Getty Images
Clientes usam máscaras protetoras em supermercado em Viena
Imagem: Getty Images

9) Índia

Vídeos que circulam nas redes sociais mostram migrantes na Índia sentados no meio-fio enquanto são "desinfetados" com jatos de produtos químicos por homens usando máscaras e proteção.

A Índia está passando por um êxodo gigantesco de trabalhadores retornando a seus vilarejos porque não tem como se sustentar após a quarentena imposta pelo governo.

Segundo a mídia local, grupos inteiros de migrantes estariam sendo desinfetados ao deixarem algumas cidades, rumo à sua província-natal.

O jornal Indian Express diz que os migrantes teriam sido borrifados de uma substância parecida à água sanitária, o hipoclorito de sódio, que pode causar danos à pele, olhos e pulmões.

No Punjab, outra província do país, pessoas acusadas de violar as regras da quarentena foram obrigadas a fazer agachamentos enquanto gritavam: "Somos inimigos da sociedade. Não conseguimos ficar em casa".

10) Paraguai

Situação semelhante à da Índia ocorreu no Paraguai.

Vídeos que circulam nas redes sociais mostram pessoas que violaram as regras de quarentena fazendo polichinelos sob ameaça de um taser. Outras foram obrigadas a dizer a policiais: "Não vou sair da minha casa de novo, senhor" enquanto mantinham o rosto voltado para o chão.

As imagens, registradas e compartilhadas pelos próprios policiais, foram motivo de elogio do ministro do Interior do país, Euclides Acevedo, que disse: "Parabenizo esses policiais. Não tenho a mesma criatividade dos que fizeram esses vídeos".