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Coronavírus: críticas de ministro à China podem prejudicar envio de máscaras e testes ao Brasil, dizem analistas

Ministro Weintraub fez postagens contra a China no Twitter - Agência Brasil via BBC
Ministro Weintraub fez postagens contra a China no Twitter Imagem: Agência Brasil via BBC

João Fellet

Da BBC News Brasil em São Paulo

06/04/2020 20h46

China é a maior fabricantes global de vários produtos usados no combate à covid-19 e tem doado os materiais a vários países.

As repetidas críticas de autoridades brasileiras à China por conta da pandemia do novo coronavírus podem fazer com que o país asiático restrinja o envio ao Brasil de produtos chineses usados no combate à covid-19, segundo analistas entrevistados pela BBC News Brasil.

Uma eventual retaliação dos chineses nesse campo, segundo os analistas, limitaria a oferta no Brasil de itens já escassos para o enfrentamento da pandemia, como máscaras cirúrgicas, respiradores hospitalares e kits de teste rápido.

A China é a maior fabricante global desses produtos e tem doado ou exportado os materiais para vários países.

Diante das recentes rusgas com autoridades brasileiras, porém, Pequim poderia deixar o Brasil em segundo plano ao decidir sobre futuras remessas, segundo os observadores.

As tensões entre autoridades brasileiras e chinesas se agravaram ontem, quando o ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicou no Twitter uma mensagem insinuando que a pandemia servia aos desejos da China de "dominar o mundo".

Na mensagem, posteriormente apagada, Weintraub imitou a fala do personagem Cebolinha, da Turma da Mônica, ridicularizando um estereótipo sobre o sotaque de chineses quando falam português.

Em resposta, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, afirmou que a fala do ministro era "racista" e disse aguardar "uma declaração oficial do lado brasileiro sobre as palavras feitas pelo ministro da Educação".

O embate ocorre duas semanas após a embaixada chinesa reagir incisivamente a críticas que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) fez à postura de Pequim no início da pandemia, levando membros do governo e do Congresso a tentar por panos quentes.

Vitrine natural para ajuda chinesa

Para Stephan Mothe, analista de mercado da consultoria Euromonitor com mestrado em Desenvolvimento Internacional pela Universidade Tsinghua, na China, "a dimensão e importância do Brasil o tornariam uma vitrine natural para a ajuda internacional chinesa" contra a covid-19.

Mas Mothe afirma que os embates recentes farão com que o Brasil seja preterido por autoridades chinesas. "Como os chineses não têm produtos para enviar para todo mundo, obviamente escolherão parceiros prioritários, com quem não tenham desavenças."

Na semana passada, o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, disse que negociava com a China formas de trazer ao Brasil equipamentos de proteção individual (EPI) e ventiladores doados pelo país asiático.

Se a missão prosperar, o Brasil será um dos vários países a receber itens médicos chineses contra a covid-19.

À Itália, país europeu mais afetado pela pandemia, os chineses mandaram mil ventiladores, dois milhões de máscaras, 100 mil respiradores, 20 mil aventais de proteção e 50 mil kits de exame.

A China também enviou ou se comprometeu a enviar itens médicos para o Irã, a Sérvia, os EUA e todos os países africanos, entre várias outras nações.

A estratégia chinesa vem sendo chamada de "diplomacia das máscaras" e é atribuída a uma tentativa de Pequim de mudar a narrativa acerca do novo coronavírus. Sendo os primeiros a sofrer com a doença - e acusados por certos setores de serem responsáveis pelo problema -, os chineses agora tentam se apresentar como uma fonte de soluções para a pandemia.

Sinofobia e risco aos negócios

Segundo Mothe, Pequim teme que declarações como as de Weintraub e Eduardo Bolsonaro ampliem a sinofobia (preconceito contra chineses) e dificultem a operação de empresas chinesas no Brasil.

As declarações de ambos insuflaram redes bolsonaristas, que passaram a pedir um boicote a produtos chineses no Brasil. Muitos também começaram a se referir ao novo coronavírus como "vírus chinês" - mesma expressão usada pelo presidente americano, Donald Trump, que vê Pequim como um adversário.

Médico com ampola na mão - Getty Images via BBC - Getty Images via BBC
Pequim teme que declarações como as de Weintraub e Eduardo Bolsonaro ampliem a sinofobia (preconceito contra chineses)
Imagem: Getty Images via BBC

Mothe lembra ocasiões em que a China retaliou outras nações por ter seus interesses feridos. Um dos últimos episódios ocorreu em 2014, quando autoridades japonesas reivindicaram soberania sobre as ilhas Senkaku, que os chineses chamam de Diaoyu e consideram parte de seu território.

Em resposta, a China suspendeu suas vendas para o Japão de terras raras, componentes essenciais para a indústria eletrônica. "Com um único gesto, os chineses puseram um setor crucial da economia japonesa em xeque", diz Mothe.

'Perderam a paciência'

Um experiente diplomata brasileiro, que pediu para não ser identificado por temer represálias, disse à BBC News Brasil que as declarações anti-China por parte de autoridades nacionais fizeram com que Pequim "perdesse a paciência".

O diplomata afirma que a China é extremamente sensível ao debate em torno de sua postura perante a pandemia - e que discursos e teorias conspiratórias que atribuem aos chineses responsabilidade pela disseminação da doença são tratados por Pequim como "ofensas ao orgulho nacional".

Segundo ele, as rusgas ocorrem após a China fazer um "esforço enorme para seduzir o governo Bolsonaro", o que incluiu a participação de uma estatal chinesa no último leilão do pré-sal, rejeitado por grandes petrolíferas mundiais.

Vendas de soja seguem fortes

Se há temores quanto a possíveis retaliações ao Brasil no campo da "diplomacia das máscaras", os efeitos dos embates recentes para as trocas comerciais mais relevantes entre Brasil e China parecem mais incertos.

Analista de mercados da Ag Rural, consultoria especializada em grãos, Daniele Siqueira diz à BBC News Brasil que as trocas de farpas entre membros dos dois governos tiveram "impacto zero" até agora nas vendas da soja brasileira para a China.

A soja é o principal produto exportado pelo Brasil à China, o maior parceiro comercial do país. Em 2019, as vendas da oleaginosa à nação asiática renderam ao Brasil cerca de US$ 20,5 bilhões (R$ 108,4 bilhões, no câmbio atual).

Naquele ano, segundo a alfândega chinesa, o Brasil foi responsável por 57,7% de toda a soja importada pela China.

A soja brasileira é usada principalmente na alimentação de porcos, que são a principal fonte de proteína dos chineses. Segundo Siqueira, "a soja brasileira é absolutamente indispensável para a segurança alimentar da China".

Ela diz que, por mais que quisessem, os chineses não conseguiriam no curto e médio prazo substituir a soja brasileira pela que é cultivada pelos EUA e a Argentina, os outros dois grandes exportadores globais.

E a demanda chinesa pela oleaginosa brasileira se mantém forte mesmo durante a pandemia, diz ela.

Em março, as exportações brasileiras do item foram 40% maiores que as do mesmo mês do ano passado. "Não vejo nenhum perigo de vendermos menos soja. Se houver maior desavença, acredito que eles (chineses) devem resolver em outras esferas", afirma.

Os casos

O primeiro registro do coronavírus no Brasil foi em 24 de fevereiro. Um empresário de 61 anos, que mora em São Paulo (SP), foi infectado após retornar de uma viagem, entre 9 e 21 de fevereiro, à região italiana da Lombardia, a mais afetada do país europeu que tem mais casos fora da China.

De acordo com o Ministério da Saúde, o empresário de 61 anos tinha sintomas como febre, tosse seca, dor de garganta e coriza. Parentes dele passaram a ser monitorados. Dias depois, exames apontaram que uma pessoa ligada ao paciente também estava com o novo coronavírus e transmitiu o vírus para uma terceira pessoa. Todos permaneceram em quarentena em suas casas, pelo período de, ao menos, 14 dias.

Após o primeiro caso, outros diversos registros passaram a ser feitos no Brasil. Muitos vieram de países com inúmeros casos do novo coronavírus, mas depois foram registrados casos de transmissão local e, por fim, comunitária.

Duas semanas depois, foi anunciado que o empresário de 61 anos está curado da doença provocada pelo novo coronavírus.

A primeira morte no Brasil, de um idoso de 62 anos, foi confirmada em 17 de março. Ele morava em São Paulo (SP).

Cuidados

A principal recomendação de profissionais de saúde que acompanham o surto é simples, porém bastante eficiente: lavar as mãos com sabão após usar o banheiro, sempre que chegar em casa ou antes de manipular alimentos.

O ideal é esfregar as mãos por algo entre 15 e 20 segundos para garantir que os vírus e bactérias serão eliminados.

Se estiver em um ambiente público, por exemplo, ou com grande aglomeração, não toque a boca, o nariz ou olhos sem antes ter antes lavado as mãos ou pelo limpá-las com álcool. O vírus é transmitido por via aérea, mas também pelo contato.

Também é importante manter o ambiente limpo, higienizando com soluções desinfetantes as superfícies como, por exemplo, móveis e telefones celulares.

Para limpar o celular, pode-se usar uma solução com mais ou menos metade de água e metade de álcool, além de um pano limpo.