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'Ela tinha medo do coronavírus': exame confirma que mulher morreu por covid-19 após festa

Salete (sentada) junto com irmãs e outras familiares; em pé está a aniversariante, Vera - Arquivo pessoal
Salete (sentada) junto com irmãs e outras familiares; em pé está a aniversariante, Vera Imagem: Arquivo pessoal

Vinicius Lemos

Da BBC News Brasil em São Paulo

08/04/2020 15h45

Maria Salete Vieira começou a apresentar sintomas dias após participar de uma festa em família - depois do evento, outros convidados também ficaram doentes e dois irmãos dela morreram.

Um exame confirmou que a aposentada Maria Salete Vieira, de 60 anos, morreu em decorrência da covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus.

Ela começou a apresentar sintomas dias após participar de uma festa em família — depois do evento, outros convidados também ficaram doentes e dois irmãos dela faleceram.

Dias antes da morte da aposentada, os médicos haviam alertado a família que os sintomas dela eram semelhantes aos causados pelo Sars-Cov-2, nome oficial do novo coronavírus.

"Agora a gente tem certeza de que realmente foi o vírus que causou a morte da minha mãe. É uma tristeza muito grande. Isso só demonstra como essa doença é muito agressiva, porque mesmo ela tendo acesso ao hospital e a respiradores mecânicos, não conseguiu ser salva", diz à BBC News Brasil a zootecnista Rafaela Hanae, de 33 anos, única filha de Salete.

O exame de Salete ficou pronto somente nesta manhã. A família esperou duas semanas até receber a confirmação de que a mulher havia sido infectada pelo coronavírus. A demora dos resultados de mortes suspeitas de Sars-Cov-2 é frequente no país, em razão dos poucos testes disponíveis.

Os irmãos de Salete que também morreram após a festa tinham sintomas parecidos e os médicos que os acompanharam também associaram ao Sars-Cov-2. Os exames dos dois ainda não ficaram prontos.

A família acredita que a infecção dos parentes aconteceu durante uma festa, em 13 de março, em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo.

O evento, que comemorou o aniversário de 59 anos da servidora pública Vera Lúcia Pereira, reuniu 28 pessoas — metade delas apresentou algum sintoma relacionado à covid-19, como tosse, febre, falta de ar ou diarreia.

Na data da comemoração, a orientação para o isolamento social no Brasil ainda era incipiente e as medidas referentes ao vírus eram quase totalmente voltadas à higienização das mãos. Dias depois, os Estados passariam a adotar medidas mais rigorosas.

Maria Salete - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Maria Salete, de 60 anos, morreu por covid-19 em 1º de abril
Imagem: Arquivo pessoal

Em 13 de março, conforme dados do Ministério da Saúde, havia 98 casos do novo coronavírus confirmados no Brasil. Destes, 56 eram em São Paulo. Não havia nenhum caso confirmado em Itapecerica da Serra — atualmente há, ao menos, 12.

Os familiares chegaram a cogitar o cancelamento da festa, mas optaram por mantê-la por não haver recomendações sobre o isolamento social no país. Somente dias depois começaram as restrições e orientações de diversas autoridades para evitar qualquer tipo de evento.

O aniversário foi o último evento em família, antes de os parentes começarem a apresentar sintomas.

Dois dias depois da festa, segundo os relatos de familiares, Salete teve os primeiros sintomas. "Ela me disse que teve uma diarreia muito forte durante a madrugada", relata a aposentada Maria do Carmo Vieira, de 58 anos, uma das irmãs de Salete.

Uma pessoa feliz e encantadora

"Dona de um sorriso encantador. Por onde passava, deixava todos encantados, com uma alegria imensa e um coração incrível". Com essas palavras, um sobrinho descreveu Salete nas redes sociais, ao publicar um texto logo após a morte da tia.

Salete nasceu no pequeno município de Jupi (PE). Poucos anos depois, a família se mudou para Itapecerica da Serra, em busca de uma vida melhor. Ali, ela foi criada com outros seis irmãos.

Os parentes descrevem Salete como uma pessoa extremamente responsável e sempre preocupada com o próximo, desde a juventude. "Ela nunca parou de trabalhar. Mesmo depois de se aposentar, continuou trabalhando como supervisora de um centro clínico", relata Maria do Carmo.

Na unidade de saúde em que trabalhava, ela tinha de seguir recomendações específicas para evitar a propagação do novo coronavírus, desde que o país começou a ter registros do Sars-Cov-2. "Ela tinha dito que esses protocolos precisavam ser seguidos por todos na clínica", comenta. Salete adotava em seu cotidiano, desde os primeiros casos no Brasil, medidas como a frequente higienização das mãos.

Ela não trabalhava diretamente com pacientes com o vírus. Mas por estar em uma unidade de saúde, demonstrava medo do novo coronavírus.

"Existia essa preocupação por parte dela, até porque ela trabalhava nessa área e sabia o quanto poderia ser perigoso para ela (em razão das comorbidades). Mas quando ela começou a ter os sintomas (depois da festa), a minha irmã não acreditava que pudesse ser o vírus", diz Carmo.

Os parentes não sabem quem pode ter sido a pessoa que poderia estar com o vírus antes da festa, pois dizem que ninguém apresentava sintomas anteriormente. "Descobrir isso não vai mudar nada. Ninguém tem culpa disso", pontua Carmo.

Depois dos primeiros sintomas de Salete, que logo passou a ter febre, tosse e dores no corpo, outros parentes também tiveram dificuldades. 11 pessoas, segundo avaliação da família, tiveram sintomas considerados mais leves e a maioria não conseguiu fazer testes ? em razão da ausência de testes no país, as unidades de saúde priorizam exames para covid-19 somente em casos mais graves.

Três irmãos Vieira tiveram quadro grave: Salete, Clóvis, de 62 anos, e Paulo, de 61.

No caso de Salete, a desconfiança inicial era de que ela pudesse ter infecção urinária ou dengue. No primeiro atendimento médico, dias após o início dos sintomas, ela recebeu medicamentos e foi liberada. Não cogitaram a possibilidade de ser covid-19.

Em casa, o quadro de saúde de Salete, que era diabética e hipertensa, piorou e ela foi novamente encaminhada a uma unidade de saúde, pertencente à rede na qual ela trabalhava, em 25 de março. Ela foi internada e encaminhada para o isolamento, em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Os exames apontaram a suspeita de covid-19.

Nos dias seguintes, Clóvis e Paulo também foram internados. Os casos deles também foram associados ao novo coronavírus, em razão de comprometimento dos pulmões.

Festa aconteceu em Itapecerica da Serra, em São Paulo, e reuniu 28 pessoas - Arquivo pessoal  - Arquivo pessoal
Festa aconteceu em Itapecerica da Serra, em São Paulo, e reuniu 28 pessoas
Imagem: Arquivo pessoal

As mortes dos irmãos

Salete morreu na manhã de 1º de abril. As últimas lembranças que Maria do Carmo tem da irmã são tristes. "Ela sofreu muito. Foi piorando a cada dia. Não aguentava mais comer nada, nem tomar água. Não desejo esse sofrimento para ninguém", lamenta.

A última imagem que Carmo guarda da irmã é Salete sendo levada para a UTI. "Eu disse para ela que ficaria tudo bem", diz a aposentada, em lágrimas.

Mas Carmo, que mesmo sem sintomas da covid-19 permanece em isolamento, prefere pensar nas imagens da irmã alegre durante a festa de 13 de março. "Ela estava feliz, falante e brincando com todos. Ela era muito querida", comenta.

Clóvis morreu em 2 de abril. No dia seguinte, Paulo, que era considerado o mais saudável entre os irmãos Vieira, também não resistiu. "Os médicos deles não tinham dúvidas de que era coronavírus", diz Carmo.

Para os parentes, os casos na família ressaltam a importância de manter o isolamento social. "Não é uma gripezinha. As pessoas precisam entender a importância de se cuidar, por isso é importante que conheçam o caso da minha mãe e dos meus tios", diz Rafaela.

"As pessoas veem na mídia a importância de se cuidar, mas não acreditam. É preciso entender que não é brincadeira. O vírus acomete a pessoa muito rápido e não há muito a ser feito para salvar. Infelizmente, muitas pessoas acham que só acontece com o vizinho", declara Rafaela.

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