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Após campanha contrária de apoiadores de Bolsonaro, Renato Feder diz ter recusado convite para o MEC

Na secretaria de Educação do Paraná, Renato Feder tem investido em programa de aulas não presenciais durante a pandemia - Agência Estadual de Notícias Paraná
Na secretaria de Educação do Paraná, Renato Feder tem investido em programa de aulas não presenciais durante a pandemia Imagem: Agência Estadual de Notícias Paraná

Ligia Guimarães

Da BBC News Brasil, em São Paulo

03/07/2020 14h44

O secretário de Educação do Paraná era o principal nome cotado para o cargo, após Carlos Alberto Decotelli pedir demissão em meio a uma série de polêmicas envolvendo seu currículo. Mas seu nome foi alvo de forte objeção de integrantes da base do governo.

O secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, disse neste domingo ter recusado um convite do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para assumir o Ministério da Educação (MEC).

O empresário era o principal nome cotado para o cargo, após Carlos Alberto Decotelli pedir demissão em meio a uma série de polêmicas envolvendo seu currículo acadêmico e profissional, mas seu nome foi alvo de uma campanha contrária por parte de apoiadores do presidente.

Feder disse neste domingo em sua conta no Twitter ter recebido na noite da última quinta-feira uma ligação do presidente no qual foi convidado para ser ministro da Educação e ter ficado honrado com isso, porque tal gesto "coroa o bom trabalho feito por 90 mil profissionais da Educação do Paraná".

Em seguida, afirmou: "Agradeço ao presidente Jair Bolsonaro, por quem tenho grande apreço, mas declino do convite recebido. Sigo com o projeto no Paraná, desejo sorte ao presidente e uma boa gestão no Ministério da Educação".

Feder chegou a ser cogitado para assumir a pasta após a saída de Abraham Weintraub, em meados de junho.

Mas, em publicação no dia 25 de junho, o Blog do Camarotti, do portal G1, afirmou que a indicação não foi adiante na época por causa da relação próxima que ele teve com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), adversário político de Bolsonaro. Em 2016, Feder doou R$ 120 mil para a campanha de Doria à prefeitura da capital paulista.

Bolsonaro acabou anunciando Decotelli como novo ministro da Educação, decisão que teve o aval da ala militar do governo. Ele pediu demissão após revelações de que havia incluído uma série de informações falsas no currículo.

Com a queda de Decotelli, o nome de Feder voltou a ganhar força. Mas a proximidade com Dória e algumas posições defendidas por ele em um livro, entre elas a legalização das drogas, como mostrou a BBC News Brasil, levaram a uma campanha contra sua nomeação.

"Renato Feder defende legalização de drogas?", questionou Bernardo Küster, diretor de opinião do Brasil Sem Medo, que se descreve como o "maior jornal conservador do Brasil". "Já deu né?"

Küster é um seguidor do filósofo Olavo de Carvalho, que atua como um guru intelectual de Bolsonaro, de seus filhos e de integrantes do governo que fazem parte da chamada "ala ideológica" do Planalto.

Por sua vez, Olavo de Carvalho negou que tivesse alguma objeção a Feder. "Não conheço o novo ministro da Educação. Não escrevi nem disse uma palavra a favor ou contra ele. Se me atribuem alguma, é mentira grossa", disse o filósofo.

Segundo o jornal O Globo, evangélicos que estão na base de apoio do presidente, entre eles o pastor Silas Malafaia, também fizeram objeção ao nome de Feder.

Em uma sequência de tuítes, antes de anunciar que não assumiria o MEC, o secretário disse que muitas informações falsas foram divulgadas sobre ele nos últimos dias e se defendeu.

"Não sou vinculado a qualquer instituição educacional privada e a nenhuma ONG. É falso que tenha havido divulgação de livros com ideologia de gênero no Paraná. Não existe nenhum material com esse conteúdo aprovado ou distribuído pela Secretaria. Não sou, nem nunca fui filiado a partido político, mas respeito à política como instituição legítima de discussão e resolução das questões da sociedade", afirmou.

Feder também disse que a obra publicada por ele não reflete suas opiniões atuais. "Escrevi um livro quando tinha 26 anos de idade. Hoje, mais maduro e experiente, mudei de opinião sobre as ideias contidas nele. Acredito que todos podem e devem evoluir em relação ao que pensavam na juventude. Gostaria de ser avaliado pelo que eu penso e faço hoje, como um gestor público, ao invés de um livro escrito quinze anos atrás."

Horas depois, ele disse que não aceitaria o cargo.

Quem é Renato Feder?

O empresário Renato Feder, paulista de Mogi das Cruzes, ocupa desde janeiro de 2019 o cargo de secretário de Educação do Paraná, a convite do governador Ratinho Junior (PSD).

Mestre em Economia pela Universidade de São Paulo (USP) e graduado em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), segundo currículo informado no site do governo do Paraná, Feder fez carreira no setor de tecnologia.

Destacou-se como executivo depois de assumir, nos anos 2000, a sociedade na Multilaser, à época uma pequena empresa de reciclagem de cartuchos para impressoras herdada pelo amigo de infância de Feder, Alexandre Ostrowiecki.

Sob o comando dos dois, de acordo com reportagem publicada em março de 2018 pela revista IstoÉ Dinheiro, a companhia tornou-se uma bilionária da tecnologia, com faturamento superior a R$ 2 bilhões e escritório na Brigadeiro Faria Lima. Antes, Feder havia passado pela construtora Promon e pela consultoria de crédito Serasa.

Foi também em parceria autoral com Ostrowiecki que Feder publicou, em 2007, o livro Carregando o Elefante - Como Livrar-se do Peso que Impede os Brasileiros de Decolar, em que os dois autores defendem um plano detalhado de "desconstrução do Estado", que definem como um processo profundo de eliminação do Estado "em todas as atividades que hoje ele faz mas que poderiam ser repassadas à iniciativa privada, como a educação", mantendo o princípio de governo pequeno.

O livro defende que a iniciativa privada é "intrinsecamente mais eficiente na gestão de qualquer coisa".

Ao assumir o cargo no Paraná, Feder trouxe consigo para o primeiro escalão da Secretaria nomes que vieram da iniciativa privada, especialmente da área de tecnologia, voltados a acelerar a transformação digital na educação pública, de acordo com o site da Secretaria do Estado.

O governo do Paraná também informa que ele foi professor da Educação de Jovens e Adultos, lecionou matemática por dez anos, além de ter sido diretor de escola por oito anos. Também foi assessor voluntário da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

"Assim como é melhor que uma empresa privada frite hambúrgueres do que o governo, o mesmo ocorre no caso de uma escola", afirma o livro de Feder e Ostrowieck.

No caso da proteção às pessoas contra a miséria absoluta, por exemplo, o livro defende que o ideal é passar o máximo dessa tarefa para organizações não governamentais e "deixar para o governo apenas casos emergenciais".

Na saúde, o livro também defende privatizar todos hospitais e postos de saúde, cabendo à assistência social pagar planos de famílias que comprovarem incapacidade de fazê-lo.

Para a Previdência, a proposta é "abolir completamente a previdência, tanto do setor público quanto do setor privado. Cada pessoa decide se quer ou não realizar plano privado de previdência social".

Cita como exemplo positivo o Chile, apontado como "nação com uma série de características semelhantes com as do Brasil e que está rapidamente se livrando do status de país pobre".

Educação privada e mais ricos nas melhores escolas

No capítulo do livro sobre Educação, Feder cita problemas atuais, como o mau desempenho dos alunos brasileiros em português e matemática e a ineficiência dos gastos, e questiona: "É o Estado a entidade certa para operar dezenas de milhares de escolas? Será que o controle público é a melhor forma de gerir um colégio, escolher material didático, pagar professores e cuidar da manutenção? No caso da maioria das nações do planeta, a resposta ainda é sim, apesar de que esse quadro pode estar mudando".

"Em quase todos os países", prossegue o texto, "o governo opera um sistema público e gratuito de educação. No entanto, uma série de casos de sucesso inquestionável está mudando a visão dos especialistas a respeito da melhor estrutura educacional e apontando as vantagens dos sistemas de vouchers", afirma, referindo-se ao sistema em que "o Estado paga, os pais escolhem, as escolas competem, o nível de ensino sobe e todos saem ganhando".

O texto, no entanto, pondera que os vouchers são controversos e malvistos pelo "establishment do ensino", porque, de modo geral, "contorna o poder dos sindicatos dos professores".

Entre as propostas para a educação apresentadas no livro estão "privatizar todas as escolas e universidades públicas, implantando o sistema de vouchers. Para cada aluno matriculado o governo paga uma bolsa diretamente à escola. Cada escola pode optar se receberá apenas a verba do governo ou se cobrará uma taxa extra", resume.

"À primeira vista, a questão do preço pode parecer um pouco cruel, uma vez que, na prática, deixará as famílias mais carentes de fora das melhores escolas. No entanto, não podemos nos esquecer que isso já ocorre hoje em dia, com o agravante de que as escolas de base hoje são de péssima qualidade". O foco da proposta, defende, é permitir que "todos tenham acesso a escolas de nível pelo menos aceitável".

A proposta dos vouchers também tem a simpatia do ministro da Economia, Paulo Guedes. No Chile, onde o programa de vouchers foi implementado nacionalmente durante os anos 80, a principal crítica é de que o modelo aumentou a desigualdade.

No modelo de governo mínimo previsto no livro, o papel do Ministério da Educação, pasta que agora Feder poderá passar a comandar, seria chefiar o programa nacional de vouchers e o sistema de testes e ranqueamento das escolas e universidades.

É responsável por garantir que toda família tenha um voucher adequado e que as crianças estejam na escola. Cuida também de tornar pública e transparente a qualidade dos cursos no Brasil.

O livro também defende bandeiras que conflitam com a agenda do presidente Jair Bolsonaro, como a legalização das drogas ("legalizar todas as drogas hoje proibidas, desde que consumidas em locais pré-determinados e que seja proibido fazer propaganda") e reduzir fortemente as Forças Armadas.


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O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.