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Kamala Harris: o que Joe Biden pode ganhar ou perder com a escolha da senadora pela Califórnia como candidata a vice

Kamala Harris, senadora pela Califórnia (EUA), foi anunciada pelo candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, como sua companheira de chapa contra Donald Trump - AFP
Kamala Harris, senadora pela Califórnia (EUA), foi anunciada pelo candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, como sua companheira de chapa contra Donald Trump Imagem: AFP

Anthony Zurcher

Correspondente na América do Norte

12/08/2020 11h28

Às vezes, a escolha óbvia é óbvia por um motivo.

Kamala Harris era apontada como favorita para compor a chapa de Joe Biden desde o momento em que o então provável candidato democrata anunciou, em março, que escolheria uma mulher como candidata a vice.

Harris era uma escolha segura e prática. Ela também está agora, aparentemente, na posição de ser a herdeira do Partido Democrata — seja daqui quatro anos porque Biden perdeu em 2020 ou não concorreu à reeleição, ou em oito anos se Biden cumprir dois mandatos completos.

Pode ser por isso que houve tantas tentativas de derrubar Harris ou apresentar candidatos alternativos no mês passado.

Na realidade, essa foi a primeira luta da próxima batalha de indicação presidencial, e Harris — cujas ambições são claras — agora dá um passo na competição.

Mas determinar a futura indicação democrata é uma batalha para outro momento. Agora a preocupação urgente para o partido é como Harris pode ajudar Biden a conquistar a Casa Branca.

A seguir, veja pontos fortes que ela traz para a chapa e algumas preocupações que os democratas podem ter.

Ponto forte: diversidade

O Partido Democrata de hoje não se parece com Joe Biden. É jovem e é etnicamente diverso. Assim, para ter uma chapa que refletisse as pessoas que votariam nele, estava cada vez mais óbvio que Biden precisava encontrar alguém mais jovem e menos branco que ele.

Pai de Harris era jamaicano e mãe dela veio da Índia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Pai de Harris era jamaicano e mãe dela veio da Índia
Imagem: Arquivo pessoal

Harris, cujo pai era jamaicano e mãe veio da Índia, preenche essa necessidade específica. Ela se torna a primeira mulher negra e a primeira asiática a concorrer em uma chapa presidencial de um grande partido. E embora aos 55 anos ela não seja exatamente jovem, quando comparada a Joe Biden, de 77 anos, ela é totalmente ágil.

Na tarde de terça-feira (13/08), antes de ser anunciada como a escolha de Biden, Harris tuitou sobre a necessidade de diversidade na liderança do partido.

"Mulheres negras e mulheres de cor há muito tempo estão sub-representadas em cargos eletivos e em novembro temos a oportunidade de mudar isso", escreveu.

Harris pode ser a responsável direta por algumas dessas mudanças.

Ponto forte: combate

Um dos papéis tradicionais de um candidato a vice na chapa presidencial é enfrentar a oposição. Enquanto o candidato no topo da chapa segue o caminho retórico, o número dois parte para o ataque contra a oposição.

Em 2008, Sarah Palin, vice da chapa de John McCain, mais do que fez jus ao apelido, "Sarah the Barracuda" (um tipo de peixe conhecido por ser agressivo), por exemplo.

Cartaz da campanha de Kamala Harris - Getty Images - Getty Images
Cartaz da campanha de Kamala Harris
Imagem: Getty Images

Se esta é uma tarefa que recai sobre Harris, a história sugere que ela estará à altura da função. Biden certamente se lembra que foi Harris quem foi atrás dele com gosto durante o primeiro debate das primárias democratas em julho de 2019, criticando a oposição dele a um programa de ônibus escolares.

Harris também demonstrou ser uma interrogadora muito determinada e combativa durante seu mandato no Senado dos Estados Unidos. Donald Trump se lembra claramente disso, ao comentar na noite de terça-feira que achava que Harris foi "extraordinariamente desagradável" com seu segundo candidato à Suprema Corte, Brett Kavanaugh.

Trump pode não gostar, mas "desagradável" pode ser exatamente o que Biden está procurando.

Ponto forte: estabilidade

Uma coisa que os políticos que concorreram a cargos nacionais disseram repetidas vezes é que é impossível ter dimensão da intensa pressão que essas campanhas criam até que se tenha realmente participado de uma.

Embora a candidatura presidencial de Harris para 2020 não tenha sido bem-sucedida e ela tenha desistido antes da maioria de seus concorrentes, ela sabe o que é estar sob tamanho escrutínio. Quando ela lançou sua campanha para dezenas de milhares de apoiadores em janeiro de 2019, ela foi tratada como uma candidata presidencial de primeira linha. Por algum tempo em julho, depois de sua forte participação no primeiro debate, ela subiu para o topo de algumas pesquisas primárias.

Joe Biden - Adam Schultz - Adam Schultz
Joe Biden diz a Harris (na tela) que ela será sua companheira de chapa
Imagem: Adam Schultz

Harris passou pelo fogo, pelo menos por um tempo, e sabe como é. Se houvesse grandes problemas em seu passado, eles já teriam aparecido. Dado que ela já participou de disputa democrata para a presidência (primárias), não é impossível para muitos americanos imaginá-la como presidente algum dia.

A senadora da Califórnia pode não ter sido a candidata mais dinâmica na campanha em 2019 e certamente não foi a mais bem-sucedida, mas neste momento ela é conhecida. E para Biden, que atualmente está em alta nas pesquisas, quanto menos surpresas no resto da campanha, melhor.

Desvantagem: "Harris é um policial"

Mais do que quase qualquer outro candidato ao posto de vice-presidente, Harris vem de um passado em cargos na área de aplicação da lei. Dadas as recentes manifestações contra a brutalidade policial e alegações de racismo institucional na aplicação da lei, o currículo de Harris pode fazer com que alguns progressistas dentro do Partido Democrata hesitem.

Certamente aconteceu durante a campanha presidencial de Harris, quando a frase "Harris é um policial" foi uma acusação irônica feita à senadora da Califórnia em mais de uma ocasião.

Mais do que quase qualquer outro candidato - Reuters - Reuters
Mais do que quase qualquer outro candidato ao posto de vice-presidente, Harris vem de um passado em cargos na área de aplicação da lei
Imagem: Reuters

Tanto como promotora distrital de São Francisco quanto como procuradora-geral da Califórnia, Harris se posicionou mais ao lado da polícia do que dos suspeitos, mesmo nos casos em que esses suspeitos possam ter sido condenados injustamente. Embora ela tenha expressado oposição pessoal à pena de morte, ela apoiou seu uso enquanto esteve no cargo.

Ser um combatente do crime obstinado pode ser um atributo atraente entre os eleitores independentes e de tendência conservadora nas eleições gerais, mas se esse apoio vier à custa do entusiasmo pela chapa Biden-Harris entre os eleitores da esquerda, então pode não ser positivo.

Desde a morte de George Floyd, Harris tem defendido abertamente a reforma da aplicação da lei, recebendo elogios de alguns progressistas. No entanto, é seguro dizer que eles ainda guardam algumas dúvidas.

Desvantagem: mudanças

O fato de Harris ter realizado uma campanha presidencial foi notado como um marco a seu favor. No entanto, há um outro lado nisso. A campanha dela, embora tenha começado com estrondo e tenha seus momentos, também teve algumas falhas graves (e algumas dessas falhas relacionadas à própria candidata).

Embora Harris tenha um histórico bastante moderado como senadora e procuradora-geral do estado, ela tentou virar à esquerda durante sua campanha presidencial. Ela se pronunciou a favor da educação universitária gratuita, do programa ambiental Green New Deal e da saúde universal, por exemplo, mas nunca soou muito convincente sobre isso.

Ela tropeçou particularmente na questão sobre se o seguro privado deveria ser banido — o que, embora seja bom para os progressistas, causa desconforto para muitos moderados.

"Vamos eliminar tudo isso", disse ela com certa desenvoltura durante uma entrevista. "Vamos continuar."

Nos dias de hoje, a sentença de morte para políticos é parecer muito político — serem percebidos como dispostos a mudar valores e crenças com base no que os eleitores desejam.

Sinceridade, ou pelo menos a aparência dela, é um prêmio de virtude para os eleitores — e parte da razão pela qual Donald Trump se tornou presidente. Embora seus apoiadores nem sempre concordassem com ele, eles sentiam que ele dizia o que pensava.

A mudança de Harris, de moderada, depois para a esquerda e agora de volta, talvez, para o centro de Biden, pode deixar alguns eleitores se perguntando onde estão seus valores fundamentais — ou se ela tem algum valor fundamental.