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Julia 'Butterfly' Hill, a ambientalista que viveu 2 anos em cima de árvore milenar para evitar sua derrubada

"O cheiro da floresta é extraordinário. O ar é tão doce que dá para sentir seu gosto", relata Julia - Getty Images
"O cheiro da floresta é extraordinário. O ar é tão doce que dá para sentir seu gosto", relata Julia Imagem: Getty Images

Redação

BBC News Mundo

16/08/2020 20h08Atualizada em 16/08/2020 22h07

O que você faria para evitar que uma majestosa árvore de 1.500 anos fosse derrubada pelas serras de uma madeireira?

Arriscaria a sua vida, vivendo em um pequeno espaço nas alturas, quase do tamanho de uma cama, sob intempéries, frios, fome, dor e isolamento? Se sim, quanto aguentaria?

Julia "Butterly" Hill, ativista ambiental, viveu em cima de uma sequoia milenar no norte da Califórnia por 738 dias para evitar sua derrubada. Ela só aceitou encerrar seu protesto depois de ganhar sua batalha para proteger a sequoia e a área ao seu redor. Diversos ativistas ocupam árvores, mas acredita-se que o protesto de Julia tenha sido o mais longo de todos.

"Acho que quem quer cortar uma dessas árvores deveria ser obrigado viver nela por dois anos", disse ela ao programa Witness, do Serviço Mundial da BBC, sobre sua façanha.

'Belas e sagradas'

As sequoias são árvores monumentais, oriundas do estado da Califórnia, nos Estados Unidos. Podem alcançar até 75 metros de altura, ter troncos com nove metros de diâmetro e viver milhares de anos.

"Quando vim para a Califórnia pela primeira vez e entrei na primeira floresta ancestral, fiquei muito tocada e chocada com o quão bonitas e sagradas elas são", disse Julia à BBC.

Infelizmente, desde a colonização do território californiano pelas culturas ocidentais, o contínuo desmatamento desse recurso natural dizimou as florestas com essas árvores.

"No início do meu ativismo, percebi que 97% das florestas dessas antigas sequoias já haviam sido destruídas."

Na Califórnia, uma forma de protesto começou no final dos anos 1970, conhecida como sentar-se nas árvores, morando nelas para protegê-las de serem derrubadas.

Julia Hill, apelidada de Butterfly aos sete anos, vivia com ambientalistas no condado de Humboldt, no norte da Califórnia. O grupo estava enfrentando uma empresa madeireira que cortava as sequoias da região.

Eles precisavam de alguém para ocupar uma árvore para chamar a atenção para a causa. Julia se ofereceu, pensando que só teria que subir na árvore por cerca de duas semanas, talvez um mês.

A complicada vida em uma árvore

Julia Hill - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Em 10 de dezembro de 1997, ela subiu em uma árvore de 55 metros de altura a qual batizou de Luna. Foi ali que se deu conta no que havia se metido.

"Estava amarrada a uma corda de escalada e usei as mãos e os pés para subir lentamente na árvore. Com cerca de 25 metros de altura, cometi o erro de olhar para baixo. Entrei em pânico e congelei. Quando abri os olhos novamente, mantive meus olhos fixos em Luna enquanto subia. "

No entanto, os arredores também lhe reservavam agradáveis surpresas. "O cheiro da floresta é extraordinário. O ar é tão doce que dá para sentir seu gosto."

A casa de Julia na árvore era uma plataforma de 2,5 metros por um e meio. Do tamanho de uma cama de solteiro.

Depois de passar um ano ali, conseguiu montar uma segunda plataforma, protegida por uma lona plástica. Sua cama era um saco de dormir, e sua comida, puxada por uma corda.

Durante esse tempo ela manteve contato social com amigos, e concedeu entrevistas por meio de um telefone que funcionava com energia solar. Mas na hora de enfrentar o mau tempo, ela estava completamente sozinha.

"Era muito úmido e frio. Mesmo com a lona plástica que servia de teto e paredes, até a neblina penetrava e a chuva encontrava pequenos buracos pelos quais pingava dos galhos", disse.

Ela teve que suportar tempestades com ventos de até 150 quilômetros por hora, chuva congelante, granizo e neve que destruíram seu abrigo, deixando-a completamente exposta.

As condições climáticas eram tão intensas que ela sofreu queimaduras severas porque não conseguiu se secar ou se esquentar por semanas.

"Suportar o pior inverno registrado na história a 18 andares de altura, em uma pequena plataforma no céu, me desafiou em todos os sentidos. Meu desejo era de me sentir quente e seca, meu medo era de morrer. Mas foi por meio dessa experiência que evoluí como ser humano.".

Oposição, dúvidas e novos alentos

Mas nem todo mundo estava impressionado.

Por realizar um ato de desobediência civil em território privado, a companhia madeireira se tornou sua inimiga. Ela estava determinada a sobreviver, embora houvesse algumas pessoas com igual determinação para derrubá-la.

"Eles tentaram várias maneiras de me forçar a descer: desde cortar meus suprimentos e comida, deixando-me com fome, até buzinas estridentes noite e dia, por muitos dias, para não me deixar dormir."

Houve momentos de dúvida em que ela quase desistiu."Eu sou um ser humano. Houve momentos em que eu disse 'não aguento mais'. Momentos em que me encolhi em posição fetal para chorar, 'não aguento mais, nem um minuto a mais'", relatou. Mas sempre que acontecia algo do tipo ela ganhava novo fôlego em seu protesto.

"Seja uma resposta da natureza, ou alguém chegando inesperadamente com algum tipo de presente, ou um urso passando pela floresta comendo frutas vermelhas. Aliás, é incrível ver um animal deste tamanho. Houve pequenos incidentes como esse, às vezes não aguentava mais, mas algo me dizia 'você pode aguentar'. Mais uma respiração, mais um momento."

Com o tempo, algumas coisas na vida da árvore se tornaram mais fáceis, outras mais difíceis.

"Depois das tempestades, eu pegava galhos e os tecia com os pedaços de lona rasgada e meu telhado se tornou algo como uma cesta de galhos, plástico e fita adesiva."

Ela constantemente tinha que reconstruir seu abrigo porque o mau tempo o abalava de vez em quando. Ainda assim, persistiu.

"Não desci porque tinha dado minha palavra de que não o faria antes de fazer tudo o que pudesse."

Vitória

Julia Hill 2 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

O impressionante protesto de dois anos de Julia atraiu atenção dentro e fora dos Estados Unidos. Tornou-se até tema de músicas. Em dezembro de 1999, o protesto de Julia finalmente chegou ao fim, depois de um acordo com a madeireira.

Julia e os outros ativistas conseguiram arrecadar US$ 50 mil e pagaram a madeireira para não derrubar a árvore e uma área de 12 mil metros quadrados no entorno.

As câmeras capturaram o momento dramático em que a ativista desceu, chorando.

"Foi uma sensação extraordinária quando toquei no solo. As pessoas pensaram que eu tinha caído no chão porque meus músculos não eram fortes o suficiente. Mas na verdade, eu caí no chão porque as emoções, a energia e todas as sensações eram muito profundas. Eu não conseguia ficar de pé."

Ativismo contínuo

Julia "Butterfly" Hill está convencida do impacto de sua ação na proteção de outros tesouros na Califórnia e no mundo.

"Como nada acontece no vazio, é cientificamente impossível não ter algum impacto."

Um ano depois de descer da árvore Luna, a sequoia foi atacada por um vândalo, que fez um corte de 80 cm com uma serra.

Após delicada intervenção de especialistas que conseguiram estabilizar a árvore, ela ainda está de pé, assim como as demais espécimes ao redor.

Para Julia, um dos momentos mais profundos de seu protesto foi quando "a névoa cobriu o vale completamente. Acordei de manhã cedo e vi que estava um pouco acima da névoa e quando o sol nasceu a névoa se transformou em uma lagoa dourada, rosa, laranja, azul muito claro. Uma lagoa de arco-íris."

Seu ativismo não se encerrou com o protesto na sequoia e as lembranças que carrega da experiência.

Ela é cofundadora da Circle of Life Foundation, que defende a transformação das interações humanas com a natureza. De sua experiência na ocupação de árvores, ele escreveu o livro "O legado de Luna: a história de uma árvore, uma mulher e a luta para salvar as sequoias".

Em 2002, foi deportada do Equador, onde havia participado de um protesto contra os planos da petroleira Occidental de construir um oleoduto que cruzaria territórios indígenas.

Seu trabalho em defesa do meio ambiente e do pequeno agricultor prossegue com palestras, simpósios e oficinas.