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O que há de concreto contra Flávio Bolsonaro, segundo investigadores

MP aponta que o ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, operava um esquema milionário na Alerj - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
MP aponta que o ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, operava um esquema milionário na Alerj Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

02/09/2020 06h44

As investigações do Ministério Público fluminense sobre o suposto esquema de rachadinha no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro foram concluídas após quase dois anos de apuração.

Segundo os investigadores, o então assessor Fabrício Queiroz operava um esquema milionário no qual outros funcionários do gabinete devolvem parte do salário, tendo Flávio como beneficiário final dos repasses.

Por meio da quebra de sigilo de Queiroz, o Ministério Público do Rio identificou que o ex-funcionário recebeu R$ 2 milhões por meio de 483 depósitos de dinheiro em espécie feitos por 13 assessores ligados ao gabinete do filho do presidente da República na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

A investigação aponta que a lavagem desses recursos era feita por meio de uma franquia de loja de chocolate, da qual Flávio é sócio. Passaram por ali quase R$ 1,6 milhão, segundo os investigadores.

Com a conclusão da etapa investigativa, cabe agora à cúpula da Promotoria do Rio de Janeiro decidir se apresenta ou arquiva a denúncia à Justiça estadual. Investigadores apontam crimes como peculato, lavagem de dinheiro e constituição de organização criminosa.

Flávio e Queiroz negam todas as acusações. Para o filho do presidente da República, a investigação é completamente ilegal, se configura como perseguição política e não aponta nenhum crime cometido.

Além dos questionamentos feitos pela defesa sobre as acusações, corre em paralelo a estratégia jurídica dos advogados de Flávio sobre o processo judicial em si, que já contestou o uso de informações financeiras sem aval judicial e agora luta para garantir a prerrogativa de foro privilegiado do hoje senador.

Veja abaixo os dois principais pontos concretos da investigação contra Flávio Bolsonaro e o que o filho do presidente diz sobre elas.

Queiroz pagava despesas pessoais de Flávio Bolsonaro

Ao longo da investigação, membros do Ministério Público identificaram que Queiroz transferia dinheiro do esquema de rachadinha por meio de depósitos bancários e pagamentos de despesas pessoais de Flávio Bolsonaro e sua família.

Em outubro de 2018, por exemplo, o ex-assessor fez dois pagamentos em dinheiro de boletos referentes a mensalidades das filhas de Flávio, que somavam quase R$ 7 mil.

Os investigadores cruzaram o horário dos pagamentos com imagens do sistema de câmeras da agência bancária da Alerj, que registrou Queiroz realizando essas duas transações.

Segundo o Ministério Público, entre 2013 e 2018, quase 70% do plano de saúde e das mensalidades escolares foram pagos em dinheiro vivo, somando quase R$ 260 mil.

Ou seja, 63 boletos do plano de saúde da família do filho do presidente, que somavam R$ 108 mil, foram quitados na boca do caixa. A título de comparação, da conta de Flávio e da mulher, Fernanda, saíram apenas R$ 9 mil para esse fim ao longo de todos esses anos, de acordo com a investigação.

No caso das mensalidades escolares, quase R$ 153 mil foram pagos em dinheiro e outros R$ 95 mil saíram das contas do casal, segundo dados da quebra de sigilo analisados pelos investigadores.

Segundo reportagem da TV Globo, um relatório do antigo Coaf (responsável por monitorar transações financeiras) identificou, em um período de um mês, 48 depósitos em dinheiro que somam R$ 96 mil na conta de Flávio.

Todos eles foram feitos em um caixa eletrônico dentro da Alerj. O relatório foi pedido pelo Ministério Público do Rio.

Segundo o relatório, depósitos em valores idênticos na conta de Flávio, em um intervalo de poucos minutos, foram identificados em diversas datas distintas. Em uma das datas analisadas, teriam sido 10 depósitos de R$ 2 mil em um intervalo de cinco minutos.

Flávio negou qualquer irregularidade relacionada às transações.

"Pode ser que, por ventura, eu tenha mandado, sim, o Queiroz pagar uma conta minha. Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga para mim. Querer vincular isso a alguma espécie de esquema que eu tenha com o Queiroz é como criminalizar qualquer secretário que vá pagar a conta de um patrão no banco. Não posso mandar ninguém pagar uma conta para mim no banco?", disse em entrevista ao jornal O Globo.

Mas de acordo com o sigilo bancário do então deputado e de sua mulher, não houve saques de dinheiro vivo de suas contas antes dos pagamentos desses boletos.

"Não tem ilegalidade", acrescentou Flávio. "A origem dos recursos é toda lícita. Tenho uma vida simples para caramba. Não esbanjo nada. Meu modo de vida passa longe de uma pessoa rica. Tenho meu conforto e sempre trabalhei muito para isso."

Flávio fez retiradas da conta da loja do mesmo valor de depósitos em dinheiro

A investigação dos promotores apontou coincidências entre datas e depósitos feitos de maneira fracionada e em dinheiro vivo na conta da loja de chocolates da Kopenhagen da qual Flávio Bolsonaro é sócio e retiradas feitas pelo próprio parlamentar.

Segundo reportagem do "Jornal Nacional", da TV Globo, documentos do MP-RJ mostram que, ao menos três vezes, as transferências feitas por Flávio para sua conta pessoal envolveram valores redondos semelhantes ao valor que havia sido depositado na conta da loja na mesma data ou poucos dias antes.

Um dos exemplos apontados pelos investigadores: a conta da loja recebeu 12 depósitos totalizando R$ 25.559 em 25 e 26 de janeiro de 2016. No dia 27, Flávio movimentou R$ 25.555 para a própria conta.

A investigação identificou outras diversas irregularidades na movimentação financeira da loja, que já foi alvo de busca e apreensão do Ministério Público.

Segundo os investigadores, o ingresso de dinheiro vivo na conta da franquia não variou de forma proporcional durante o período de Páscoa, quando naturalmente há um aumento da demanda pelos produtos vendidos ali. Ou seja, a loja chegou a registrar a entrada de mais dinheiro vivo fora da Páscoa do que durante o período festivo.

Outro ponto é que o antigo dono da franquia afirmou em depoimento que o montante de dinheiro vivo girava em torno de 20% da receita na época em que a loja era sua. Quando passou às mãos de Flávio e do sócio Alexandre Santini, essa parcela subiu para quase 40%.

Questionado sobre a movimentação de dinheiro vivo na loja, Flávio afirmou em entrevista ao Globo que não há irregularidade nos repasses. "É um comércio. Se a pessoa chega com dinheiro para comprar, não vou aceitar? Se eu fosse fazer uma besteira, seria numa franquia, que tem monitoramento da matriz? Se quisesse fazer coisa errada, ia para qualquer outro ramo que é muito mais fácil."

O ex-proprietário disse também ter descoberto que a loja, sob o comando dos novos donos desde 2015, vendia produtos com desconto, mas emitia notas fiscais com o valor cheio. Em seguida, a denúncia foi feita à matriz e confirmada pela própria empresa, que multou a franquia.

Depois da punição, o ex-dono da franquia afirmou ter sido ameaçado pelo sócio de Flávio. Este chegou a ser contatado por jornalistas da Globo, mas não quis se pronunciar sobre a acusação.