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Espermatozoide mais antigo é revelado por paleontólogos: 'gigante' e com 100 milhões de anos

Ilustração da reprodução dos ostracodes; após acasalamento, fêmea ficou presa em gota de âmbar, guardando o espermatozoide que foi revelado cerca de 100 milhões de anos depois - Divulgação/Dinghua Yang
Ilustração da reprodução dos ostracodes; após acasalamento, fêmea ficou presa em gota de âmbar, guardando o espermatozoide que foi revelado cerca de 100 milhões de anos depois Imagem: Divulgação/Dinghua Yang

16/09/2020 08h53Atualizada em 16/09/2020 09h53

Dentro da conchinha de um crustáceo cujo fóssil ficou escondido por 100 milhões de anos em um âmbar no território de Mianmar, paleontólogos encontraram o que, segundo eles, seriam os espermatozoides animais mais antigos de que se tem notícia.

Além de serem do período Cretáceo, as células reprodutivas masculinas encontradas se destacam por seu tamanho "gigante" em comparação com as de outras espécies — como os próprios seres humanos —, trazendo novas informações sobre diferentes estratégias de reprodução animal.

Os espermatozoides foram encontrados dentro do fóssil de um ostracode (classe de crustáceos) fêmea, que possivelmente acasalou antes de ser capturada pela resina de uma árvore (que forma o âmbar). O fóssil estava muito bem preservado, então foi possível, com a ajuda de raio-X 3D, reconstruir a anatomia do seu sistema reprodutivo. Os espermatozoides estavam armazenados em receptáculos, prontos para serem liberados quando os óvulos da fêmea amadurecessem.

A partir deste ostracode, a equipe internacional revelou também uma nova espécie, denominada Myanmarcypris hui.

As descobertas foram publicadas hoje em artigo no periódico Proceedings of the Royal Society B.

Os ostracodes existem há pelo menos 500 milhões de anos, e milhares de espécies vivas hoje já foram descritas. Eles costumam ser encontrados nos oceanos, em lagos e rios.

Durante o Cretáceo e no território do que é hoje Mianmar, os ostracodes provavelmente viviam na costa e também na água doce, rodeados por florestas cujas árvores produziam grandes quantidades de resina. A nova espécie descrita foi um dos muitos organismos envoltos — e preservados — por gotas desta substância pegajosa.

Tanto que a província de Kachin tem revelado um impressionante conjunto de fósseis, incluindo sapos, cobras e um ser que cientistas ainda estão tentando concluir se era um dinossauro ou um lagarto. Nos últimos cinco anos, diversas novas espécies foram reveladas a partir de achados feitos ali.

Aposta em espermatozoides gigantes

Segundo os paleontólogos, a descoberta sobre a intimidade da fêmea de Myanmarcypris hui contribui para o entendimento da evolução de espécies ao longo de centenas de milhões de anos, e também para o conhecimento de diferentes "apostas" reprodutivas.

Os machos da maioria das espécies animais, incluindo a humana, produzem um grande número de espermatozoides muito pequenos. Alguns pouco animais, como as moscas de frutas e, claro, os ostracodes, evoluíram com uma estratégia diferente: produzem um número relativamente pequeno de espermatozoides "gigantes", cujas caudas móveis podem ser mais longas que o próprio animal.

Os espermatozoides encontrados em Mianmar mediam até 4,6 vezes o corpo do macho.

"Seria o equivalente a cerca de 7,3 metros para um corpo humano de 1,7 m, isso requer muita energia para sua produção", disse a geobióloga Renate Matzke-Karasz, da Universidade de Munique Ludwig-Maximilians, na Alemanha, à agência AFP.

"A complexidade do sistema reprodutivo encontrada nessas amostras levanta a pergunta se o investimento em espermatozoides gigantes é uma estratégia evolutiva consistente", explicou ela.

Presos em resinas, fósseis contam a história da evolução das espécies por milhões de anos - Getty Images - Getty Images
Presos em resinas, fósseis contam a história da evolução das espécies por milhões de anos
Imagem: Getty Images

"Para provar que espermatozoides gigantes não são um capricho extravagante da evolução, mas sim uma estratégia viável que pode conferir uma vantagem (evolutiva) duradoura, fazendo com que espécies sobrevivam por um longo tempo, devemos definir quando esse modo de reprodução apareceu pela primeira vez."

Exemplares de espermatozoides fossilizados são extremamente raros — até então, o mais antigo era de uma espécie de verme de 50 milhões de anos. Para os ostracodes, o espermatozoide mais antigo tinha 17 milhões de anos.

A nova descoberta em Mianmar multiplica por ao menos duas vezes essa linha do tempo, o que indica que a estratégia reprodutiva pode ter sido realmente bem sucedida por milhões de anos.

"Esse é um registro bastante impressionante para uma característica que requer um investimento considerável de machos e fêmeas da espécie. Do ponto de vista evolutivo, a reprodução sexuada com espermatozoides gigantes deve, portanto, ser uma estratégia totalmente vantajosa", afirma Matzke-Karasz.