Topo

Esse conteúdo é antigo

Cinco razões que explicam a vitória de Biden

O presidente eleito dos EUA, Joe Biden, durante discurso em Wilmington, Delaware - Tasos Katopodis/Getty Images
O presidente eleito dos EUA, Joe Biden, durante discurso em Wilmington, Delaware Imagem: Tasos Katopodis/Getty Images

Anthony Zurcher - BBC

08/11/2020 13h34

Como Joe Biden conseguiu derrotar Donald Trump e se tornar o novo presidente dos EUA

Após quase 50 anos em cargos públicos e uma vida inteira de ambições presidenciais, o democrata Joe Biden conquistou a Casa Branca.

Não foi uma campanha que correu em condições normais, mas em meio à maior pandemia da história recente e uma agitação social sem precedentes. Seu rival na disputa, Donald Trump, era também um candidato não convencional.

Em sua terceira tentativa de chegar à presidência, Biden e sua equipe encontraram uma maneira de contornar os obstáculos políticos e reivindicar uma vitória que, embora estreita na contagem do colégio eleitoral, deve ultrapassar o total nacional geral de Trump em milhões de votos.

A seguir, cinco razões pelas quais o filho de um vendedor de carros de Delaware chegou à presidência dos Estados Unidos.

1. Covid, covid, covid

Talvez o maior motivo de Biden ter conquistado a presidência tenha sido algo totalmente fora de seu controle.

A pandemia de coronavírus, além de ceifar mais de 230 mil vidas, também transformou a vida e a política americana em 2020. E nos dias finais da campanha para as eleições gerais, o próprio Donald Trump parecia reconhecer isso.

"Com as notícias falsas, tudo é covid, covid, covid, covid", disse o presidente em um comício na semana passada no Estado americano de Wisconsin, onde os casos aumentaram nos últimos dias.

O foco da mídia no coronavírus, no entanto, foi um reflexo e não um impulsionador da preocupação do público com a pandemia — que se traduziu em pesquisas de boca de urna desfavoráveis sobre a forma como o presidente lidou com a crise.

Uma delas, realizada no mês passado pela Pew Research, sugeriu que Biden tinha uma vantagem de 17 pontos percentuais sobre Trump no que se refere à confiança sobre como lidar com a pandemia de covid-19.

A pandemia e o subsequente declínio econômico ofuscaram a mensagem da campanha de Trump sobre crescimento e prosperidade.

Biden também aproveitou para destacar as preocupações que muitos americanos tinham sobre a presidência de Trump, sobre sua ocasional falta de foco, tendência para questionar a ciência, gerenciamento desordenado de políticas de pequena e larga escalas e priorização do sectarismo.

A pandemia teve um peso importante nos índices de aprovação de Trump, que, de acordo com a Gallup, outro instituto de pesquisa, caiu para 38% em determinado momento no verão — algo que a campanha de Biden soube explorar.

2. Campanha discreta

Ao longo de sua carreira política, Biden estabeleceu uma reputação bem merecida por se meter em apuros. Sua propensão para gafes descarrilou sua primeira campanha presidencial em 1987 e ajudou a garantir que ele nunca tivesse muitas chances quando concorreu novamente em 2007.

Em sua terceira tentativa para conquistar a Casa Branca, Biden ainda teve sua cota de tropeços verbais, mas foram tão raros que nunca se tornaram mais do que um problema de curto prazo.

Parte da explicação para isso, é claro, é que Trump foi uma fonte implacável de turbulência no ciclo de notícias. Outro fator foi que havia histórias maiores — a pandemia de coronavírus, protestos após a morte de George Floyd (homem negro asfixiado por um policial branco) e a crise econômica — dominando a atenção nacional.

Mas pelo menos algum crédito deve ser dado a uma estratégia combinada da campanha de Biden para limitar a exposição de seu candidato, mantendo um ritmo moderado na campanha e minimizando as chances de que o cansaço ou o descuido criassem problemas.

Talvez em uma eleição normal, quando a maioria dos americanos não estaria preocupada em limitar sua própria exposição a um vírus, essa estratégia teria saído pela culatra. Talvez então as zombarias de Trump de que Biden estaria se escondendo teriam cobrado seu preço.

A campanha do democrata procurou, então, deixá-lo fora do circo armado por Trump e deixar o republicano ser traído pela própria língua — estratégia que, no final, valeu a pena.

3. Qualquer um, exceto Trump

Na semana anterior ao dia das eleições, a campanha de Biden revelou seus anúncios finais na televisão com uma mensagem notavelmente semelhante à oferecida em sua campanha inicial no ano passado, e seu discurso de aceitação da indicação à corrida presidencial em agosto.

A eleição foi uma "batalha pela alma da América", disse ele, e uma chance para o país deixar para trás o que ele caracterizou como a divisão e o caos dos últimos quatro anos.

Por trás desse slogan, no entanto, havia um cálculo simples. Biden apostou sua sorte política na afirmação de que Trump era muito polarizador e inflamado, e o que o povo americano queria era uma liderança mais calma e estável.

"Estou exausto com a atitude de Trump como pessoa", disse Thierry Adams, francês que, após 18 anos morando na Flórida, votou pela primeira vez em uma eleição presidencial em Miami na semana passada.

Os democratas conseguiram fazer desta eleição um plebiscito sobre Trump, não uma escolha binária entre os dois candidatos.

A mensagem vencedora de Biden foi simplesmente que ele "não era Trump". Um refrão comum dos democratas era que uma vitória de Biden significava que os americanos poderiam passar semanas sem pensar em política. Era uma piada, mas continha um cerne de verdade.

4. Manter-se no centro

Durante a campanha para ser o candidato democrata, a competição de Biden veio de sua esquerda, com Bernie Sanders e Elizabeth Warren, que dirigiram campanhas bem financiadas e organizadas que mobilizaram multidões.

Apesar da pressão de seu flanco liberal, Biden manteve uma estratégia centrista, recusando-se a apoiar a saúde pública subvencionada pelo Estado, a educação universitária gratuita ou um imposto sobre grandes fortunas. Isso lhe permitiu maximizar seu apelo aos moderados e republicanos insatisfeitos durante a campanha para as eleições gerais.

Essa estratégia se refletiu na escolha de Kamala Harris por Biden como sua companheira de chapa, quando ele poderia ter optado por alguém com maior apoio da ala esquerda do partido.

O único tema em que Biden se aproximou de Sanders e Warren foi no meio ambiente e nas mudanças climáticas — talvez calculando que os benefícios de atrair eleitores mais jovens para os quais a questão é uma prioridade valiam o risco de afastar-se dos eleitores em Estados-pêndulo com indústrias dependentes de fontes de energia tradicionais. Mas foi a exceção que confirmou a regra.

"Não é segredo que criticamos os planos e compromissos do vice-presidente Biden no passado", disse Varshini Prakash, cofundador do grupo de ativistas ambientais Movimento Sunrise em julho. "Ele respondeu a muitas dessas críticas: aumentando drasticamente a escala e a urgência dos investimentos, fornecendo detalhes sobre como alcançaria a justiça ambiental e criaria bons empregos sindicais, e prometendo ação imediata."

5. Mais dinheiro, menos problemas

No início deste ano, os cofres da campanha de Biden estavam vazios. Ele entrou na campanha para as eleições gerais em desvantagem decisiva para Trump, que havia passado praticamente toda a sua presidência acumulando um baú de guerra de campanha que se aproximou de 1 bilhão de dólares.

De abril em diante, no entanto, a campanha de Biden se transformou em um rolo compressor de arrecadação de fundos e — em parte por causa da extravagância por parte da campanha de Trump — acabou em uma posição financeira muito mais forte do que seu oponente.

No início de outubro, a campanha de Biden tinha US$ 144 milhões a mais em dinheiro em mãos do que a de Trump, o que permitiu enterrar os republicanos em uma torrente de propaganda na televisão em quase todos os principais Estados onde a batalha seria decisiva.

O dinheiro não é tudo, é claro. Quatro anos atrás, a campanha de Clinton tinha uma vantagem monetária considerável sobre a operação apertada de Trump. Mas em 2020, quando a campanha de porta em porta foi restringida pelo coronavírus e os americanos em todo o país gastaram consideravelmente mais tempo consumindo mídia em suas casas, a vantagem financeira de Biden lhe permitiu alcançar os eleitores e divulgar sua mensagem até o final.

Isso fez com que ele expandisse o mapa eleitoral, colocando dinheiro no que antes pareciam estados longínquos, como Texas, Geórgia, Ohio e Iowa. A maioria dessas apostas não valeu a pena, mas ele colocou Trump na defesa, derrubando o que antes era o confiável conservador Arizona e permanecendo altamente competitivo na Geórgia.

O dinheiro dá opções e iniciativas de campanha — e Biden fez bom uso de sua vantagem.