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Vacinação contra covid: Por que municípios não aplicam toda vacina enviada por governo federal?

Atualmente, é possível encontrar pelo menos cinco números diferentes sobre o andamento da vacinação em cada estado brasileiro sem que nenhuma dessas fontes de informação esteja exatamente correta por causa de atrasos no registro e na transmissão dos dados - Getty Images
Atualmente, é possível encontrar pelo menos cinco números diferentes sobre o andamento da vacinação em cada estado brasileiro sem que nenhuma dessas fontes de informação esteja exatamente correta por causa de atrasos no registro e na transmissão dos dados Imagem: Getty Images

Matheus Magenta - Da BBC News Brasil em Londres

Da BBC News Brasil em Londres

26/04/2021 06h28

Entre as explicações estão: reserva de vacinas para segunda dose, demora na aplicação das vacinas nos municípios, gargalos na distribuição para as cidades e números desatualizados.

O vacinômetro do governo federal apresentava dois números na manhã de 21 de abril: 53,7 milhões de doses distribuídas e 33,8 milhões aplicadas, sendo 24,8 milhões de primeira dose e 9 milhões de segunda dose.

Mesmo tendo em vista que 15 milhões de pessoas ainda precisam receber a segunda injeção, a diferença de 20,3 milhões de doses entre doses distribuídas e aplicadas alimentou rixas políticas e acusações sobre supostas vacinas estocadas.

"Sabe onde o RS está estocando vacinas? Nos braços dos gaúchos! Somos o Estado com o maior percentual da população vacinada com a primeira dose", rebateu Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, em uma postagem no Twitter.

A proporção de doses aplicadas varia bastante de um Estado para outro, de 48% no Rio de Janeiro a 96% em Roraima, segundo dados do Ministério da Saúde.

A discrepância levou a Procuradoria-Geral da República a pedir oficialmente explicações aos 27 governadores.

A BBC News Brasil procurou todos os Estados e o Distrito Federal para esclarecer a diferença numérica entre doses distribuídas aos governos estaduais e aplicadas pelos municípios.

Há diversas explicações, entre elas:

  • Doses reservadas para a segunda aplicação, mesmo com a mudança de orientação do Ministério da Saúde para não realizar mais reservas
  • Demora no trânsito da vacina, do envio do governo federal, passando pela distribuição dos Estados e até chegar a unidades de saúde dos 5.570 municípios
  • Demora na aplicação das vacinas nos municípios
  • Números desatualizados de cidades que aplicaram as doses, mas ainda não inseriram os dados no sistema
  • Vacinas reservadas para eventuais perdas em caso de acidentes ou falta de energia elétrica, por exemplo

Há Estados, inclusive, que adotaram medidas para acelerar a vacinação, como a Bahia. Segundo a Secretaria de Saúde do estado, os municípios só recebem novas remessas de vacina caso tenham aplicado 85% das doses entregues antes. "Isto foi fundamental para estimular os gestores municipais a vacinarem rapidamente, tendo em vista o receio de ficarem sem acesso às doses das novas remessas."

O governo do Rio de Janeiro, por outro lado, fala em atraso na notificação das vacinas aplicadas e diz que não adota medidas punitivas contra municípios para estimular a aceleração da vacinação ou o registro das aplicações.

O Paraná lançou duas campanhas para incentivar os municípios, uma de vacinação inclusive aos finais de semana e outra até meia-noite. No Maranhão, o governo estadual ampliou as equipes de vacinação em municípios com menos de 50 mil habitantes.

Minas Gerais, por outro lado, decidiu abrir mão da reserva de 5% das doses para casos de perdas e ampliar a oferta nos municípios.

Reserva para segunda dose

No fim de fevereiro, ainda na gestão Pazuello, o Ministério da Saúde divulgou uma orientação para Estados e municípios reservarem as doses referentes à segunda aplicação do imunizante Coronavac. O objetivo era evitar problemas em caso de atrasos na produção pelo Instituto Butantan, feita a partir de insumos importados da China.

Um mês depois, a pasta decidiu mudar a orientação e liberou a aplicação de todas as doses distribuídas, sem necessidade de reserva para a segunda aplicação. A mudança ocorreu por causa de uma "garantia da estabilidade na entrega semanal de doses produzidas no Brasil".

Mas nem todos os Estados seguiram a nova orientação.

O governador do Piauí e presidente do Fórum de Governadores do Nordeste, Wellington Dias (PT), tem afirmado que os gestores temem a falta de imunizantes para a segunda aplicação, dado que o número de doses previstas para abril é menor do que o de março.

Em ofício enviado ao ministro da Saúde em 08/04, ele afirma que pretendia "expor preocupação" sobre o cronograma de entregas. "Estaremos juntos por mais vacinas para a primeira dose, mas é importante completar a imunização com aplicação da segunda dose." Estudo divulgado recentemente no Chile apontou que a eficácia da primeira dose da Coronavac contra mortes por covid é de 40%. Com as duas doses, passa a 80%.

O intervalo entre a aplicação das duas doses da Coronavac pode variar de 14 a 28 dias, e da AstraZeneca-Oxford, de 4 a 12 semanas.

No caso do Espírito Santo, o governo estadual decidiu só enviar os imunizantes pouco antes de cada aplicação correspondente. A estratégia visa "garantir tempo oportuno da imunização da população e a organização das ações de vacinação das cidades", enviando aos 78 municípios capixabas o quantitativo referente à segunda dose na terceira semana para a Coronavac e na 11ª semana, para Covishield (AstraZeneca-Oxford). O Pará adota estratégia semelhante.

Para o governo baiano, o risco de aplicar o que tiver disponível sem fazer reservas é ter que começar tudo de novo. Com a mudança, "o Ministério da Saúde tem a obrigação de garantir a segunda dose em tempo hábil, sob risco de reduzir ou anular o efeito da primeira dose e ter que imunizar novamente o mesmo público."

O Rio Grande do Sul afirmou seguir à risca as orientações do Ministério da Saúde, que determina a cada envio de vacinas para os Estados a quantidade que deve ser aplicada como primeira dose e reservada para segunda dose.

Dados diferentes e desatualizados

Atualmente, é possível encontrar pelo menos cinco números diferentes sobre o andamento da vacinação em cada Estado brasileiro sem que nenhuma dessas fontes de informação esteja exatamente correta por causa de atrasos no registro e na transmissão dos dados.

Como afirma a secretaria estadual de saúde de Mato Grosso, "existe um descompasso entre a realidade da aplicação da vacina e a alimentação do sistema de vacinação com os registros oficiais".

Peguemos o exemplo do Paraná.

O boletim do governo do estado apontava na manhã de 20/04 o montante de 2.433.979 doses distribuídas para os municípios e 1.984.273 doses aplicadas (81,5% do total).

No mesmo horário, o painel de vacinas do Ministério da Saúde informava 2.840.551 doses distribuídas aos municípios e 1.785.042 aplicadas (62,8% do total).

O consórcio de veículos jornalísticos, criado em 2020 quando o governo federal mudou a divulgação de dados da pandemia, indicava 1.911.296 vacinados no Paraná (sem informar o total distribuído).

O projeto independente Covid-19 no Brasil, coordenado por Wesley Cota, físico e pesquisador da Universidade Federal de Viçosa (UFV), falava em 1.911.510 doses aplicadas no Estado (também sem informar o total distribuído).

Por fim, a Secretaria de Saúde do Paraná informou à reportagem da BBC News Brasil em 19/04 ter recebido até agora 2.858.690 doses de vacinas do governo federal.

E quando eu vou ser vacinado?

No papel, o cronograma atual do Ministério da Saúde prevê 563 milhões de doses, e a entrega de 154 milhões delas no primeiro semestre de 2021, considerando apenas vacinas aprovadas pela Anvisa: Coronavac, AstraZeneca-Oxford e Pfizer.

Isso seria suficiente para imunizar o grupo prioritário inteiro, mas não significa que todas essas 78 milhões de pessoas estariam vacinadas antes de julho.

Mas os constantes atrasos em importações de insumos e vacinas, além de problemas na produção em território nacional e a não aprovação de outros imunizantes por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) fazem com que esse cronograma seja cada vez mais difícil de ser atingido.

Um estudo recente da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) apontou que que Brasil precisa vacinar 2 milhões por dia para controlar a pandemia em até um ano. E atualmente o país mal tem conseguido passar de 1 milhão por dia.

Se essa proporção de vacinas distribuídas/aplicadas se mantiver ao longo do ano, a imunização dos grupos prioritários pode se estender até setembro de 2021 no Brasil.

A tendência, até o momento, é que o início da vacinação dos adultos não prioritários deva acontecer pelo menos em meados do segundo semestre de 2021, enquanto a de jovens com menos de 25 anos deve acontecer só em 2022.

A situação dos menores de idade é ainda mais incerta.

Para tentar contornar tanta incerteza, um grupo de voluntários montou o site chamado Quando Vou Ser Vacinado, que tenta calcular, a partir dos dados atuais de vacinação, quando diferentes faixas etárias devem ser vacinadas no país. Por essa estimativa que vai sendo atualizada constantemente, um morador de São Paulo de 18 anos que não pertence a nenhum grupo prioritário deve receber sua primeira dose em maio de 2022.

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