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Covid: EUA veem aumento de rejeição à vacina e milhões de doses no estoque

Mais de 41% dos americanos já receberam pelo menos uma dose e 27% estão completamente imunizados - Reuters
Mais de 41% dos americanos já receberam pelo menos uma dose e 27% estão completamente imunizados Imagem: Reuters

Alessandra Corrêa

De Washington (EUA) para a BBC News Brasil

28/04/2021 09h28Atualizada em 28/04/2021 09h41

Depois de meses de restrições sobre quem poderia receber a vacina contra a covid-19, inicialmente reservada a grupos prioritários definidos por idade, comorbidades ou profissão, no último dia 19, os Estados Unidos anunciaram que todas as pessoas com 16 anos de idade ou mais já podem ser imunizadas.

Mas, se alguns meses atrás o problema era a escassez das doses, que obrigava muitos nos grupos prioritários a esperarem semanas até conseguirem ser imunizados, agora que a vacinação está disponível para todos, o país se prepara para enfrentar um novo desafio: a queda na demanda, principalmente entre os jovens.

Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), agência de pesquisa em saúde pública ligada ao Departamento de Saúde, mais de 222 milhões de doses já foram aplicadas no país. Isso significa que 41% da população (e mais de 52% dos adultos) já recebeu pelo menos uma dose, e 27% está completamente imunizada.

Das três vacinas autorizadas para uso emergencial nos Estados Unidos, somente a da Johnson & Johnson é administrada em dose única, enquanto a da Pfizer-BioNTech e a da Moderna exigem duas doses, com intervalo de algumas semanas.

Mas apesar da disponibilidade de vacinas para todos os adultos e de o governo calcular que 90% da população vive a menos de 10 km de um local de vacinação, o ritmo da campanha vem diminuindo em muitas áreas.

De acordo com o CDC, o número diário de doses aplicadas, que vinha aumentando gradualmente e chegou a ultrapassar 4,5 milhões, tem caído nos últimos dias e está em torno de 3 milhões.

"A campanha de vacinação nos Estados Unidos está perdendo ímpeto e é essencial recuperar isso", escreveu nesta semana, no Twitter, o médico Eric Topol, fundador do centro de estudos médicos Scripps Research Translational Institute, que vem acompanhando o ritmo da imunização.

"Há quase 60 milhões de doses não usadas. Não há limite de idade agora. A B.1.17 (variante inicialmente identificada no Reino Unido) continua ganhando (terreno), e nós precisamos acelerar", disse Topol.

Em estudo publicado no dia 20, a organização sem fins lucrativos Kaiser Family Foundation afirma que o ritmo da mudança no entusiasmo em relação à vacina varia de estado para estado, mas estima que o país inteiro deve atingir um ponto crítico dentro de duas a quatro semanas.

"Depois disso, os esforços para encorajar a vacinação vão se tornar muito mais difíceis, representando um desafio para atingir os níveis de imunidade de rebanho que se acredita serem necessários", diz o documento.

'Da noite para o dia'

Ainda há comunidades que enfrentam problemas de acesso às vacinas, que variam desde falta de transporte aos locais de vacinação até dificuldades em fazer o agendamento prévio online (que costuma ser exigido no país).

Mas muitos temem que a maioria dos americanos que pretendiam ser vacinados já conseguiu receber pelo menos a primeira dose e que, agora, o desafio será persuadir os que permanecem hesitantes.

Segundo pesquisa Axios-Ipsos feita entre 16 e 19 de abril, 30% dos adultos nos Estados Unidos dizem que não pretendem ser vacinados contra a covid-19.

Em alguns locais, ainda há maior procura do que disponibilidade de vacinas. Mas, em diversos estados, a oferta começa a superar a demanda.

Segundo o CDC, vários estados estão aplicando menos de 75% das doses que recebem. Em alguns deles, a vacinação foi aberta para a população geral há várias semanas, antes do resto do país, mas o percentual de imunizados continua baixo.

No Alabama, somente 19% da população está completamente vacinada. Na Geórgia, 20%. No Mississippi, 21%, e já há preocupação de que doses possam ser desperdiçadas caso as vagas para vacinação não sejam preenchidas.

Em outros estados, o problema se concentra em determinadas regiões. No Maine, onde mais de 50% da população já recebeu pelo menos uma dose, alguns postos de vacinação em zonas rurais estão fechando por falta de demanda.

O fenômeno não se restringe a cidades pequenas. Em Nova York, o prefeito Bill de Blasio disse que houve queda acentuada na demanda recentemente.

Na Filadélfia, maior cidade da Pensilvânia, com 1,5 milhão de habitantes, a imprensa relata que "milhares de agendamentos não foram preenchidos" nos últimos dias. "Depois de meses de alta demanda (pelas vacinas) a situação mudou quase da noite para o dia", disse o jornal The Philadelphia Inquirer.

Em Pittsburgh, também na Pensilvânia, a imprensa tem reportado "redução dramática" na procura por vacinas. Vários locais de vacinação já deixaram de exigir agendamento prévio, mas ainda assim não conseguem administrar todas as doses disponíveis.

Há relatos semelhantes em vários Estados e cidades. Muitos departamentos de saúde dizem que as listas de espera para conseguir a vacina, comuns no início da campanha, desapareceram.

Os motivos da queda na procura

Autoridades e especialistas em saúde ressaltam que nem todos os que ainda não decidiram se vacinar são necessariamente contra a vacina e que muitas pessoas apenas têm dúvidas ou preferem esperar mais tempo até receber a sua dose.

Algumas pesquisas indicam que, nos Estados Unidos, a resistência às vacinas contra a covid-19 é maior entre eleitores do Partido Republicano e moradores de áreas rurais.

"É definitivamente mais comum em áreas rurais e em estados considerados conservadores", diz à BBC News Brasil a médica Maricela Castillo MacKenzie, especialista em medicina familiar e professora da Universidade de Michigan.

A médica salienta que vários fatores levam à hesitação em relação à vacina contra a covid-19.

"Em algumas áreas as pessoas ainda questionam a existência do vírus, o uso de medidas preventivas, de máscaras, de distanciamento social. Se já estão questionando esses pontos, certamente terão falta de confiança nas vacinas", afirma.

"Por outro lado, também há comunidades carentes em que, por causa de seu histórico, não há confiança em vacinas em geral ou no sistema de saúde", ressalta. "Nessas comunidades tem havido um grande problema de comunicação e acesso."

Outra parcela da população em que há menor interesse em se vacinar, segundo MacKenzie, são os mais jovens. A médica observa que, no Estado de Michigan, como grande parte da população mais velha e mais vulnerável já foi imunizada, atualmente muitos dos casos de covid-19 são em jovens na faixa dos 20 aos 29 anos de idade.

Na semana passada, o especialista em pesquisas Frank Luntz realizou uma discussão virtual com um grupo de 20 republicanos que se dizem hesitantes em receber a vacina.

"Muitas das dúvidas do grupo em relação à vacina contra a covid-19 vêm da politização da pandemia", escreveu Luntz no Twitter.

Segundo Luntz, vários dos participantes disseram ter dúvidas sobre possíveis efeitos de longo prazo. Muitos mencionaram a possibilidade de que seja necessário um reforço na imunização após alguns meses e afirmaram não estar convencidos de que, mesmo após vacinados, poderão voltar a uma vida normal.

"Autoridades de saúde devem fazer um trabalho melhor em esclarecer os números para se atingir esse objetivo (de voltar ao normal)", escreveu Luntz.

"A mensagem deveria ser a de que, quanto mais gente tomar a vacina, mais rápido poderemos voltar às nossas vidas", diz MacKenzie.

Enquanto a maior parte da população não é vacinada, a recomendação é de que medidas como uso de máscaras e distanciamento social sejam mantidas.

Autoridades de saúde ressaltam que as vacinas são efetivas e têm bom desempenho inclusive diante das novas variantes.

Na primeira semana de janeiro, quando a campanha de vacinação nos Estados Unidos ainda estava no início e avançava lentamente, com menos de 6 milhões de pessoas tendo recebido pelo menos uma dose, o país registrava recordes diários no número de mortos.

Na época, eram confirmados mais de 250 mil novos casos e mais de 4 mil mortes por dia, e o número diário de novas hospitalizações ultrapassava 135 mil.

Atualmente, o número de novos casos diários está em torno de 61 mil e as hospitalizações em torno 45 mil por dia. O número de mortes diárias está abaixo de 800.

Pausa na vacina J&J

Alguns críticos temem que a pausa na administração da vacina da Johnson & Johnson/Janssen (J&J) possa ter dificultado os esforços de imunização e aumentado a hesitação nos Estados Unidos.

O uso foi interrompido em 13 de abril, depois que seis mulheres com idades entre 18 e 48 anos apresentaram um tipo raro de coágulo sanguíneo aliado a baixo nível de plaquetas.

Na última sexta-feira (23), o comitê que aconselha o CDC sobre vacinas recomendou o fim da pausa e que a vacina volte a ser administrada na população geral, com a inclusão de um alerta sobre o risco raro.

O comitê também atualizou os números e disse que, até 21 de abril, foram confirmados 15 casos, todos em mulheres, em um universo de 8 milhões de doses da J&J aplicadas no país. Desses, três pacientes morreram e sete estão hospitalizadas.

Muitos argumentam que, em vez de aumentar a hesitação, o fato de o uso da vacina ter sido pausado na verdade teve efeito positivo, mostrando que as autoridades regulatórias estão monitorando e investigando qualquer problema, mesmo que raríssimo, para garantir a segurança das vacinas.

O governo federal cita uma pesquisa recente segundo a qual a maioria dos americanos concordou com a pausa no uso da vacina da J&J e 76% disseram que a interrupção não reduziu a probabilidade de que sejam imunizados.

"Na verdade, estamos vendo uma redução na hesitação, e um aumento na confiança (nas vacinas) em muitas comunidades", afirmou a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, em entrevista coletiva no dia 21.

"Em algumas pesquisas, 40% dos entrevistados disseram que estão mais propensos a receber a vacina contra covid-19 (agora) do que estavam um mês atrás".

Mas a redução do ritmo de vacinação é preocupante em um momento em que novas variantes, mais contagiosas e possivelmente mais letais, se espalham pelo país, e em que alguns Estados começam a relaxar restrições.

Desde o início da pandemia, a covid-19 já matou mais de 572 mil pessoas nos Estados Unidos, o país com o maior número de óbitos por covid-19 no mundo.

Caso o ritmo da vacinação continue diminuindo, especialistas afirmam que poderá demorar muito até que o país consiga atingir imunidade de rebanho, dando mais tempo para que as novas variantes se propaguem.

Os cálculos sobre o percentual da população que precisaria ser protegida para que o coronavírus deixe de circular variam, mas a maioria dos especialistas concorda que é de pelo menos 70%, e isso inclui as crianças, que por enquanto não são vacinadas.

Folga remunerada

No dia 21, o presidente Joe Biden comemorou o progresso no combate à pandemia e a aplicação de 200 milhões de doses desde que assumiu o governo, em 20 de janeiro. O restante havia sido administrado ainda no mandato de seu antecessor, Donald Trump.

Em um sinal de que a Casa Branca já começa a focar na queda na demanda, Biden aproveitou o discurso para incentivar as empresas do país a oferecerem folga remunerada aos funcionários para que se vacinem e, em caso de reação, se recuperem em casa.

"Nenhum trabalhador americano deve perder um único dólar em seu pagamento porque escolheu cumprir seu dever patriótico de ser vacinado", disse o presidente, ressaltando que o governo vai ajudar empresas com menos de 500 funcionários a cobrir parte dessas despesas.

Muitas empresas e governos estaduais e locais têm buscado medidas para facilitar o acesso às vacinas e estão cientes de que serão necessárias novas estratégias para encorajar os que permanecem hesitantes.

Nesta nova fase, o foco principal passa a ser não tanto em grandes postos de vacinação em massa, mas sim em levar as doses até as pessoas, oferecendo imunização em locais menores e até mesmo de casa em casa.

"É preciso ouvir as preocupações de cada comunidade. E fazer com que recebam respostas de pessoas em que confiam, como seus médicos", ressalta MacKenzie.

O governo federal criou um grupo de voluntários que devem levar às suas comunidades específicas a mensagem de que as vacinas são seguras e eficazes.

Vários estados estão planejando que médicos comunitários e clínicos gerais assumam um papel maior em esclarecer dúvidas dos pacientes sobre a vacina, incentivar a vacinação e até mesmo aplicar as doses.

Em partes do Alasca, equipes estão levando vacinas a residências e estabelecimentos comerciais onde há pelo menos três pessoas. Alguns Estados, como Dakota do Norte, estão incentivando empresas a oferecer as vacinas a seus funcionários no próprio local de trabalho.

Há casos de empresas no país que oferecem até recompensa em dinheiro para os empregados que se vacinarem.

Na Louisiana, onde a vacinação está aberta a todos os adultos desde março e 40% já receberam pelo menos uma dose, autoridades de saúde têm levado a vacina a centros comunitários, igrejas e templos religiosos, abrigos para sem-teto e outros locais onde moradores costumam se reunir em pequenos grupos.

Em Nova Orleans, cidade conhecida pela vida noturna, bares estão oferecendo drinks a quem se vacinar.

"As vacinas têm de chegar às comunidades, em lugares que os moradores conhecem e confiam, e pelas pessoas em quem confiam", resume MacKenzie. "As vacinas são seguras e estão salvando vidas. Esta é a mensagem para as comunidades".