Topo

Esse conteúdo é antigo

Covid-19: como França vai reabrir bares e cinemas depois de 3 lockdowns

Homem caminha em frente a café fechado com as cadeiras empilhadas em Paris - EPA
Homem caminha em frente a café fechado com as cadeiras empilhadas em Paris Imagem: EPA

Daniela Fernandes

De Paris para a BBC News Brasil

19/05/2021 09h12Atualizada em 19/05/2021 09h12

Após quase sete meses ininterruptos fechados por conta da pandemia de covid-19, um dos períodos de lockdown mais longos do mundo, restaurantes, bares, museus, cinemas e teatros retomam progressivamente as atividades nesta quarta-feira (19/05) na França, ainda com uma série de limitações de funcionamento.

O mesmo ocorre com lojas de produtos não essenciais proibidas de abrir há quase dois meses. O fim progressivo do terceiro lockdown no país é um teste para a economia francesa a menos de um ano das eleições presidenciais.

Milhares de empresas, além de estabelecimentos culturais, puderam sobreviver até o momento graças à política do "custe o que custar", nas palavras do presidente francês, Emmanuel Macron, para manter o distanciamento social e tentar garantir, ao mesmo tempo, os empregos na França.

As ajudas do governo vão desde o pagamento de salários (84% do montante líquido) e de parte de outros custos fixos, exoneração de encargos, além de um "fundo de solidariedade" para todas as empresas e autônomos proibidos de funcionar ou que registram perdas de receita. Eles podem optar entre receber até 10 mil euros por mês (cerca de R$ 64,3 mil) ou 20% do faturamento, dentro de um limite.

Isso já custou ao governo francês 168 bilhões de euros (mais de R$ 1 trilhão) apenas em 2020, valor que inclui ainda a perda de receitas do Estado com impostos e encargos em razão do fechamento das atividades.

No total, o custo da crise da covid-19 na França deverá ser astronômico, estimado em 424 bilhões de euros (R$ 2,7 trilhões), o equivalente a 20% do PIB francês no ano passado. Isso inclui ajudas às empresas e empréstimos a grandes grupos, impostos e taxas que deixaram de ser recolhidos, despesas de saúde (hospitalizações, além de testes gratuitos e ilimitados) e 100 bilhões de euros do plano de investimentos para a retomada da economia que se estenderá por dois anos.

Para o ministro da Economia, Bruno Le Maire, a estratégia do "custe o que custar" permitiu dividir quase pela metade o número previsto de demissões em 2020, marcado por dois lockdowns. Mesmo assim, a França perdeu 360 mil postos de trabalho no ano passado.

Segundo ele, a proteção do governo às empresas e aos trabalhadores é o que permitirá que a economia seja relançada rapidamente. "Se tivéssemos de recriar qualificações profissionais nas fábricas e nas companhias, estaríamos em uma situação econômica calamitosa", afirma Le Maire.

Com a crise da covid-19, o déficit público da França atingiu 9,2% do PIB, o nível mais alto desde 1949. O total da dívida pública passou de 97,6% para 115,7% do PIB. Neste ano, o governo prevê que o déficit deverá cair para 8,5% do PIB, mas o estoque da dívida deverá aumentar e se situar em cerca de 118% do PIB.

Com a reabertura progressiva das atividades a partir de quarta-feira e o avanço recente da campanha de vacinação, que passou a deslanchar, o governo francês espera uma forte retomada econômica neste ano. "A partir de 19 de maio, as etapas sucessivas (do fim do lockdown) vão nos levar a definir um novo modelo de crescimento e prosperidade", declarou o presidente Macron.

"A retomada econômica já está ocorrendo", garante o ministro da Economia, Bruno Le Maire, acrescentando que a expansão já é observada em alguns setores, como o da construção.

"Minha convicção profunda é que a partir do fim das restrições sanitárias a França surpreenderá pelo vigor de seu crescimento" disse Le Marie, reiterando a previsão de aumento de 5% do PIB francês neste ano, após uma queda de 8,3% em 2020, jamais vista fora de períodos de guerras.

A Comissão Europeia é mais otimista do que o governo francês e prevê um crescimento de 5,7% do PIB da França neste ano, acima da média da zona do euro, de 4%. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima, por sua vez, expansão de 5,9% da economia francesa em 2021.

No primeiro trimestre deste ano, ainda marcado pelas restrições por conta da pandemia, houve um leve crescimento do PIB francês, de 0,4% em relação ao trimestre anterior.

Poupança gigantesca

Um dos elementos fundamentais para a retomada econômica é o nível de consumo. O poder de compra foi praticamente preservado durante a crise devido às medidas de ajuda, como o pagamento de salários.

Sem restaurantes, viagens e teatros, muitos franceses, sobretudo de classes mais altas, contribuíram para que o nível de poupança acumulada aumentasse em cerca de 160 bilhões de euros.

A questão agora é saber se esse dinheiro será injetado na economia e em qual proporção. "Se 20% dessa soma for gasta até 2022, isso representará uma alta de 1,7% do PIB e quase um ponto a menos no índice de desemprego, ou seja, é por si só um plano de retomada econômica", afirma Xavier Ragot, presidente do Observatório Francês de Conjuntura Econômica (OFCE).

O presidente Macron recebeu críticas por ter demorado a decretar um novo confinamento para enfrentar a terceira onda de covid-19, anunciado em algumas regiões em março e estendido todo o país no começo de abril, embora a situação já estivesse se agravando desde meados de janeiro. Além de questões econômicas, também pesou na decisão do governo um possível descontentamento popular.

Médicos e alguns especialistas estimam que a reabertura das atividades a partir desta quarta seria precipitada, já que a situação sanitária continua preocupante. Os números de novos casos diários, com uma média de cerca de 14 mil, e hospitalizações vêm recuando nas últimas semanas, mas ainda permanecem em patamares mais elevados do que os anteriormente fixados por Macron no final do ano passado como necessários para a reabertura das atividades.

A campanha de vacinação, que permaneceu em ritmo lento no primeiro trimestre do ano, ganhou impulso e deve acelerar nas próximas semanas, nas previsões do governo. Atualmente, cerca de 31% dos franceses receberam a primeira dose e mais de 14% a segunda.

A pandemia de covid-19 não afetou todos os setores da mesma forma. Os mais penalizados são os bares e restaurantes, que desde outubro do ano passado podem apenas funcionar nos sistemas "para viagem" ou de entrega em domicílio e, por isso, muitos preferiram não abrir, além do turismo, academias de ginástica, organizadores de eventos e estabelecimentos culturais.

Grandes lojas, como as famosas Galeries Lafayette e a Printemps, foram fechadas no final de janeiro passado, antes do início da terceira onda.

A reabertura dos comércios e lugares culturais nesta quarta-feira ainda terá uma série de restrições: os bares e restaurantes poderão, por enquanto, abrir apenas terraços nas ruas, com 50% da capacidade. Nas lojas e museus, é possível apenas uma pessoa a cada 8 m2. Os cinemas poderão receber 35% do público normal. O toque de recolher, atualmente às 19h, passará para 21h.

Uma nova etapa de flexibilização ocorrerá em 9 de junho, mas será necessário aguardar até 30 de junho para o fim das limitações e do toque de recolher.

Por esse motivo, as companhias poderão continuar recebendo ajudas do governo mesmo após a reabertura progressiva, garante o ministério da Economia. "Não vamos deixar ninguém no chão. Seria totalmente incoerente desligar o apoio às empresas nesse período de convalescença", afirma Le Maire.

Especialistas afirmam que há o risco, no entanto, de uma onda de falências após o fim gradativo dos auxílios do governo, o que representaria um problema para Macron nas eleições presidenciais de abril do próximo ano.

Também há a questão de quem irá reembolsar essa dívida gigantesca provocada pelos gastos com a pandemia e se haverá um eventual aumento de impostos.

O governo estabeleceu um plano para reembolsar essas despesas baseado na retomada da atividade econômica, na melhor gestão das finanças públicas e na continuidade de reformas após a crise, como a da aposentadoria. Resta saber se haverá clima social para isso em um período pré-eleitoral.

Há um consenso em relação ao cenário de expansão econômica: a necessidade de controlar a epidemia graças à vacinação em massa e evitar um novo lockdown, o que poderia comprometer a credibilidade do governo, além, claro, de não surgir uma nova variante do vírus resistente às vacinas.