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Desmatamento: Amazônia perdeu área sete vezes a cidade de São Paulo até novembro

Sobrevoo do Greenpeace em fazenda na Amazônia em 2020 mostra gado sendo colocado em área recém queimada - Christian Braga/Greenpeace
Sobrevoo do Greenpeace em fazenda na Amazônia em 2020 mostra gado sendo colocado em área recém queimada Imagem: Christian Braga/Greenpeace

Laís Modelli - De São Paulo para a BBC News Brasil

20/12/2021 19h02

Caos fundiário, falta de fiscalização e invasão de terras públicas sem uso da União ajudam a explicar destruição da floresta.

A Amazônia Legal perdeu 10.222 km² de floresta entre janeiro e novembro de 2021, o equivalente a sete vezes o tamanho da cidade de São Paulo.

É o maior acumulado dos últimos 10 anos para o período, segundo dados do Sistema de Alerta de Desmatamento, do Imazon, publicados nesta segunda-feira (20/12).

Apenas em novembro, foram 480 km² desmatados na região, a segunda pior taxa para o mês em dez anos (o recorde foi registrado em 2020, com 484 km²).

Mais da metade do desmatamento mensal, 54%, está concentrada em uma categoria chamada pelo Imazon de "áreas privadas ou terras públicas sob diversos estágios de posse", que compreendem: terras públicas não destinadas; terras públicas inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR); imóveis privados cadastrados no Incra. Elas não estão indiscriminadas no levantamento.

"Não conseguimos separar o desmatamento mensal ocorrido em áreas privadas das áreas públicas em diferentes estágios de posse por causa da falta de dados sobre a posse de terras na Amazônia, que são defasados", explica a pesquisadora do Imazon responsável pelo levantamento, Larissa Amorim.

Já dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) obtidos pela BBC News Brasil mostram que 54% do desmatamento registrado entre janeiro e outubro de 2021 ocorreram somente em terras públicas da Amazônia, sendo 32% em terras públicas não destinadas.

Diferentemente do Imazon, o Ipam usa dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), do governo federal, e consegue fazer a distinção de onde ocorreu exatamente o desmatamento de acordo com o cadastro rural da área.

Ainda de acordo com o Ipam, considerando o período entre agosto de 2020 e julho de 2021 - meses em que se mede a temporada do desmatamento na Amazônia - o principal responsável pelo desmatamento foi a invasão de terras públicas não destinadas (28%), seguido pelo desmatamento em imóveis rurais (áreas privadas; 26%) e, em terceiro, em assentamentos (23%).

O caos fundiário e o desmatamento

A pesquisadora do Imazon responsável pelo levantamento desta segunda-feira, Larissa Amorim, explica que o desmatamento avança por terras públicas sem destinação na Amazônia com uma finalidade central: apropriação e privatização de terras públicas.

Para isso, os invasores se valem de uma brecha no Cadastro Ambiental Rural (CAR), um cadastro online do governo federal em que qualquer pessoa, mesmo sem matrícula nem registro de um determinado imóvel rural, pode requerer a posse da área.

"O CAR é autodeclaratório. Cabe às secretarias ambientais dos Estados e aos órgãos de fiscalização checar essas áreas requeridas via CAR, mas muitas dessas terras públicas conseguem ser legalizadas pelo invasor", adverte Amorim.

Um levantamento do Ipam de 2020 mostrou que mais de 23% das terras públicas não destinadas da região estão registradas ilegalmente como propriedade privada.

"Primeiro, os invasores invadem terras públicas e extraem ilegalmente a madeira. Depois, eles queimam a área para limpar o terreno. Para não deixarem outros invasores entrarem na terra já desmatada, eles colocam gado e transformam em pasto", descreve a pesquisadora do Imazon.

Outro estudo do Ipam, publicado em outubro, mostrou que 44% do desmatamento registrado em 2019 e 2020 ocorreu em terras públicas, sendo que 75% do que foi desmatado nas terras públicas não destinadas foi transformado em pastos.

Contudo, há grileiros que não querem explorar a área desmatada.

"Existem invasores que só querem a madeira da área. Então, eles desmatam e depois ou vendem a terra já desmatada para o agronegócio, com documentos ilegais por meio da grilagem, ou simplesmente abandonam a terra", explica Amorin.

Terras públicas de assentamentos

O monitoramento do Imazon do desmatamento em novembro na Amazônia mostrou que a atividade ilegal também avança sobre outro tipo de terras: os assentamentos, que foram responsáveis por 40% dos 484 km² desmatados no mês.

Assentamentos rurais também são áreas públicas, mas destinadas aos assentados para a reforma agrária e que deveriam ser fiscalizados pelo governo para uso sustentável, como o extrativismo.

"Desmatamento em assentamento tem de tudo um pouco", diz o secretário executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini.

"Tem muita invasão e grilagem à força. Isso quer dizer que os grileiros entram no assentamento, colocam uma arma na cabeça do assentado e fazem um contrato de compra e venda a preço irrisório", descreve Astrini.

Além da falta de fiscalização, o secretário executivo do OC também aponta que o governo não tem dado assistência às famílias assentadas, que precisam de suporte para produzir na terra.

"Tem muito arrendamento de terra dentro dos assentamentos. Os assentados arrendam para soja ou outra produção. É muito comum também madeira ilegal em assentamento", completa.

O Pará, líder invicto

O levantamento do Imazon também destaca a concentração do desmatamento em apenas três dos nove Estados da Amazônia Legal: Pará, Mato Grosso e Rondônia foram responsáveis por 80% do desmatamento na região em novembro.

O caso mais grave é do Pará, que lidera o ranking de destruição da floresta há sete meses consecutivos. Apenas em novembro, o Estado registrou 290 km² de devastação. Além disso, das dez cidades que mais desmataram a Amazônia no período, oito são paraenses.

"O Pará está ligado à economia do desmatamento: agropecuária e exploração da madeira. Isso ajuda a explicar porque estão lá as cidades, os assentamentos e as unidades de conservação mais desmatadas da Amazônia", explica Amorim.

Onde ocorre e onde não ocorre o desmatamento

O levantamento do Imazon mostra que terras indígenas (TIs) e unidades de conservação (UCs) são as terras públicas menos desmatadas: em novembro, unidades de Conservação representaram 4% do desmatamento e Terras Indígenas, 2%.

Não é permitido nenhum tipo de desmatamento nem nenhuma forma de posse da terra em TIs e UCs. Com isso, estas são as únicas áreas na Amazônia que não podem ser requeridas por meio do Cadastro Ambiental Rural.

Segundo os ambientalistas, isso ajuda a explicar porque o desmatamento é muito menor nestas regiões.

"Quem invade e desmata TI e UC sabe que não poderá requerer a posse da terra, diferente do que ocorre em terras públicas não destinadas", diz Amorim.

Os dados também servem de embasamento para o argumento de que terras públicas sem destinação sejam transformadas em unidades de conservação.

"O maior problema da Amazônia não é a demarcação de terras e a criação de áreas de conservação, mas o desmatamento, que está muito alto e sem fiscalização", afirma Amorim.

A BBC News Brasil procurou o Incra e o Ministério do Meio Ambiente para comentar os dados, mas não teve retorno.

PLs podem piorar desmatamento

A situação do desmatamento em terra pública não destinada e em assentamentos pode piorar ainda mais se dois projetos de lei que tramitam no Senado forem aprovados.

Um deles é o PL 510, que prevê a anistia do crime de invasão de terra pública para quem ocupou entre o final de 2011 e 2014. Também prevê que áreas invadidas de até 2.500 hectares sejam regularizadas sem que passem por vistoria.

Outro é o PL 4348/2019, que permitirá que ocupações ilegais em assentamentos de até 2,5 mil hectares, ou seja, verdadeiros latifúndios, sejam regularizadas por posseiros irregulares, e não famílias assentadas pelo governo.