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Um ano após desabamento em Bangladesh, vítimas lutam por indenização: 'Querem que eu me suicide?'

Shila Begum (à direita), sobrevivente do desabamento que matou mais de mil pessoas em Bangladesh há um ano, cobra indenização  - J. Kabir/DW/Reprodução
Shila Begum (à direita), sobrevivente do desabamento que matou mais de mil pessoas em Bangladesh há um ano, cobra indenização Imagem: J. Kabir/DW/Reprodução

24/04/2014 13h02

Shila Begum é uma das sobreviventes do desabamento do edifício Rana Plaza, ocorrido há exato um ano em Bangladesh. Apesar dos ferimentos graves, ela conseguiu ser resgatada após mais de 16 horas dos escombros. Mais de 1.100 funcionários morreram na ocasião.

Já Safia Parvin é secretária-geral da Associação Nacional de Trabalhadores da Indústria Têxtil, um sindicato que luta em prol dos direitos dos trabalhadores têxteis em Bangladesh. Junto com Shila, ela viajou até a Alemanha para defender a indenização para os trabalhadores. "Os consumidores alemães têm responsabilidade", afirmam em entrevista conjunta à DW.

DW: Qual é o propósito de sua visita à Alemanha?

Safia Parvin: Queremos fazer com que comerciantes e intermediários alemães e internacionais de marcas de roupas, que fizeram encomendas no complexo industrial no edifício Rana Plaza, paguem indenizações às vítimas da tragédia de 24 de abril de 2013.

O que aconteceu na ocasião?

Shila Begum: Eu era inspetora na Ether Tex, uma firma têxtil que produzia principalmente camisetas e calças para clientes estrangeiros. Nossa empresa ficava no quinto andar do edifício de oito pavimentos Rana Plaza. No dia 23 de abril, alguns funcionários descobriram rachaduras nas paredes. Dirigimo-nos ao gerente e queríamos abandonar o prédio. Então os chefes fecharam a fábrica, mas disseram que teríamos que vir trabalhar no dia seguinte. Caso contrário, passaríamos dois meses sem receber nossos salários.

No dia 24 de abril, às 8h, por volta de 5 mil trabalhadores entraram no prédio. Depois de meia hora, faltou energia elétrica e os geradores de emergência foram acionados. Eu senti como o prédio tremia. Então a laje desabou sobre mim. Minha mão direita ficou presa entre os escombros, um pilar de concreto se apoiava sobre o meu ventre. O Todo-Poderoso me salvou, provavelmente, por causa da minha filha de dez anos Nipu Moni.

Como foi o resgate?

As equipes de resgate chegaram após 16 horas e me retiraram do prédio. Depois de uma operação de emergência, fui levada para o Hospital Universitário de Daca, onde meu útero foi retirado.

Atualmente, estou sendo tratada num centro de reabilitação para deficientes motores em Savar. Mesmo depois de um ano, eu ainda não posso movimentar o meu braço direito. Eu não posso usá-lo para comer ou para trabalhar em casa. A minha filha Nipu Moni é a melhor da turma, mas talvez ela não possa continuar a escola, porque eu não estou em condições de pagar as mensalidades. Minha irmã mais nova me ajuda, para que eu possa ser tratada. Eu também recebo apoio da Associação de Trabalhadores da Indústria Têxtil. Mas nós trabalhadores do Rana Plaza temos esperança de receber atendimento médico e indenização. Queremos um salário justo e uma vida melhor, mas nada disso aconteceu.

Você já recebeu alguma indenização?

Shila Begum: Eu recebi 45 mil taka (1.300 reais) de empresas como a Primark. Outras pessoas também deram alguma coisa. No total, recebi cerca de 70 mil taka (2 mil reais). Há dois meses uma trabalhadora têxtil cometeu suicídio, para escapar de um destino semelhante. O que esperam as 29 firmas estrangeiras que compravam vestuário no Rana Plaza? Que eu me suicide? Eles não têm nem um pouco de compaixão? Espero conseguir indenizações para que continuemos a viver e possamos enviar nossos filhos à escola.

O que você espera dos consumidores alemães e empresas internacionais que cooperam com a indústria têxtil em Bangladesh?

Safia Parvin: Marcas internacionais compram produtos têxteis baratos em Bangladesh, gerando milhões de dólares em lucros com as vendas para o mercado externo. Eles não podem ignorar a responsabilidade que têm perante os trabalhadores bengalis. Elas deveriam usar a sua influência para levar os proprietários das fábricas a melhorar as condições de trabalho. Por sua vez, os consumidores alemães deveriam fazer pressão sobre os comerciantes internacionais, para que eles não possam escapar de sua responsabilidade.

Que influência os sindicatos têm sobre o setor têxtil em Bangladesh?

Safia Parvin: Os sindicatos não estão em posição forte. Menos de 3% dos trabalhadores têxteis pertencem a um sindicato. Você pode imaginar a situação. Mesmo assim, a Associação dos Trabalhadores da Indústria Têxtil continua trabalhando pelos direitos dos funcionários. O sindicato tenta discutir questões trabalhistas com os produtores têxteis, com a associação de exportadores (BGMEA) e com o governo. Nós também organizamos os trabalhadores para que eles deem voz às suas necessidades. Quando há atrasos no pagamento ou cortes de emprego, por exemplo, os sindicatos protestam.

Que dificuldades enfrentam os sindicatos para melhorar as condições de trabalho dos funcionários?

Safia Parvin: Em Bangladesh, os sindicalistas lutam contra muitos problemas. Às vezes, temos que enfrentar bandidos contratados pelos proprietários de fábricas para impedir a entrada dos sindicatos nas fábricas. Por vezes, o governo apoia os industriais, em vez de ficar do lado dos trabalhadores. Mas a situação melhorou um pouco. O atual governo parece se preocupar um pouco mais com a situação dos trabalhadores

O que os sindicatos conseguiram até agora?

Safia Parvin: Na década de 1980, não havia férias regulares para os trabalhadores da indústria têxtil. Eles trabalhavam até mesmo no Dia do Trabalho, no 1° de maio. Não havia adicional para o trabalho em feriados nem licença maternidade para as mulheres. Depois de uma longa luta, os trabalhadores bengalis conquistaram esses direitos. Hoje também é mais fácil fundar um sindicato no país.