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Opinião: Críticas vagas do papa Francisco não mudam nada

Gabriel Bouys/AP
Imagem: Gabriel Bouys/AP

Uta Thofern

18/02/2016 12h28

Mais uma vez, o papa encantou multidões. Milhares o aplaudiram em todas as paradas de sua viagem pelo México. Ele não deixou nada de fora, colocando o dedo em todas as feridas: a violência, a pobreza, a indiferença dos ricos, o desrespeito pelos indígenas, os desaparecidos, as péssimas condições nas prisões, a miséria da migração, a fronteira com os Estados Unidos. Houve até mesmo tempo para dizer algumas palavras de advertência à própria igreja.

Ele recebeu os aplausos das multidões, assim como o entusiasmo da maior parte da imprensa mundo afora. E mesmo assim, há reclamações.

O papa não deveria ter criticado mais claramente o presidente mexicano? Por que ele não se encontrou com os familiares dos 43 estudantes de Ayotzinapa desaparecidos? Ele falou muito pouco sobre os inúmeros assassinados não esclarecidos de mulheres e não abordou de forma alguma os casos de abuso na Igreja Católica do México. E, com essa viagem, ele não acabou legitimando o governo odiado por muitos, dando-lhe, ainda por cima, a oportunidade de produzir belas imagens coloridas?

Sim, isso aconteceu. O papa também deu prestígio ao governo cubano, ao passar por lá, apesar das contínuas violações dos direitos humanos no país insular. Em plena campanha eleitoral argentina, ele proporcionou diversas vezes à ex-presidente Cristina Kirchner um palco para grandes performances, apesar de ela tê-lo combatido duramente na época em que ainda era arcebispo de Buenos Aires. E, na Bolívia e no Equador, ele mostrou pouca resistência às tentativas de persuasão dos dois presidentes e, na melhor das hipóteses, exerceu críticas decentes aos seus estilos de governo autoritário.

Isso é realpolitik. Não é preciso achar isso bonito, mas com mão de ferro se chega raramente a acordos. É claro que tudo que um papa faz também é político. O único problema é que este papa não é um político e, obviamente, também não quer ser. Por isso, os efeitos de suas palavras e atos são repetidamente confusos e, algumas vezes, contraproducentes. Ou apenas aparentes.

Sim, Francisco pôs o dedo na ferida até doer. Mas, como alívio, ele ofereceu apenas uma pomada branda. As críticas do papa foram em grande parte apoiadas até por aqueles que estavam sendo criticados, não importa se ele estava censurando o capitalismo ou o consumo de drogas nos EUA. Um pouco de autoflagelo não faz mal a ninguém. Em seguida, a pessoa se sente melhor, para, então, voltar à rotina.

Um papa que não diferencia deixa espaço demais para interpretações para fazer algo realmente acontecer. Ao mesmo tempo, ele desperta expectativas que ninguém pode cumprir. Em Ciudad Juárez, na fronteira fortemente vigiada entre os EUA e o México, Francisco falou de "migração forçada". Um sinônimo para o terrível conceito de limpeza étnica, para a expulsão de pessoas por sua nacionalidade ou religião. Mas aqueles que querem sair do México para os EUA não fogem da perseguição política, mas da miséria. Não esclarecer essa diferença significa esconder as responsabilidades, não podendo assim combater as causas.

Com uma crítica do sistema tão vaga e abrangente, o próprio papa se sobrecarrega com a responsabilidade de encontrar uma forma para se sair da miséria. Não é de admirar que, apesar da abnegada afabilidade de Francisco, tantos ainda se sentiram negligenciados e decepcionados. Não é de admirar que não somente as famílias de Ayotzinapa quiseram se sentar literalmente na primeira fila durante sua visita. Ao jovem que queria a qualquer custo receber uma bênção papal e, por esse motivo, puxou Francisco pela manga, o papa pediu: "Não seja egoísta!"

As pessoas, no entanto, são egoístas, e a política consiste de um trabalhoso equilíbrio desses interesses individuais. Seria ingênuo sugerir o contrário. Ou simplesmente populista. Ingenuidade ainda pode passar por algo simpático. Populismo certamente não. Por essa razão, um papa também sempre tem que ser um defensor da realpolitik.