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Prefeito de uma cidade sem habitantes tem muitos desafios

Memorial de Verdun fica no vilarejo de Fleury-devant-Douaumont, oeste da França, que foi completamente destruído pela batalha Batalha de Verdun, em 1916, travada por alemães e franceses por dez meses e considerada uma das mais importantes da Primeira Guerra Mundial - Jean-Christophe Verhaegen/AFP
Memorial de Verdun fica no vilarejo de Fleury-devant-Douaumont, oeste da França, que foi completamente destruído pela batalha Batalha de Verdun, em 1916, travada por alemães e franceses por dez meses e considerada uma das mais importantes da Primeira Guerra Mundial Imagem: Jean-Christophe Verhaegen/AFP

Andreas Noll

21/02/2016 10h56

Em Fleury-devant-Douaumont, não há mais habitantes - a vida no vilarejo foi extinta há cem anos, na Batalha de Verdun. Um idoso francês ajuda a manter viva a memória de um dos mais sangrentos combates da história.

Jean-Pierre Laparra tem pressa. Antes do anoitecer, o prefeito ainda quer mostrar aos visitantes um lugar especial. O francês de 63 anos ajusta o seu boné preto e parte em marcha. Poucos metros adiante, o para diante de um caminho estreito. "Aqui encontramos no ano passado o soldado bávaro", diz, apontando um pedaço de terra aparentemente sem grande importância. "Ainda não instalamos uma placa memorial, mas deve estar por vir."

Enquanto outros prefeitos franceses se ocupam de registros de casamento e defendem a construção de escolas e estradas nas câmaras municipais, Jean-Pierre Lamarra tem de organizar a exumação de soldados mortos quando são descobertos na floresta.

Em Fleury-devant-Douaumont não existem mais habitantes vivos - o vilarejo é somente uma carcaça vazia. A vida ali foi extinta há 100 anos. A cidadezinha se encontrava na chamada Zona Vermelha, em que se localizava a principal área de combate de Verdun - onde eclodiu uma das batalhas mais sangrentas da história da humanidade.

Ataque contra a Alemanha

Quando os soldados alemães partiram para cima dos franceses, na manhã de 21 de fevereiro de 1916, com uma cortina de chamas lançada por mais de 1.200 canhões, os moradores de Fleury fugiram.

Eles sabiam o que significava o ataque alemão ao vilarejo. A batalha sangrenta, que os soldados envolvidos vivenciaram como uma "bomba de sucção sanguínea" ou um "triturador de ossos", se tornou um evento mítico.

Somente no primeiro dia, foram lançadas um milhão de granadas sobre os franceses, que organizaram a resistência sob grandes perdas. Ao alcançarem Fleury, os alemães não sabiam que não conseguiriam ir além daquele vilarejo de 450 habitantes nos arredores de Verdun.

Durante as lutas, Fleury mudou de dono 16 vezes - no final, as bombas de ambos os lados pulverizaram todos os edifícios, transformando a cidadezinha num mar de lama. "Este é o único vilarejo do qual nada sobrou", afirma Jean-Pierre Laparra. Uma reconstrução após a guerra era impossível. Até hoje há um número enorme de soldados enterrados na área - e também muita munição.

Imediatamente após o fim da Primeira Guerra Mundial, o Estado francês decidiu, no entanto, que Fleury e outras cidades destruídas nas colinas em torno de Verdun precisariam de um prefeito. "Para preservar o espírito dos vilarejos", explica Laparra.

Os seus antecessores partiram em busca de antigos moradores, cuidaram de indenizações e ergueram memoriais. Em 1934, foi erguido o único edifício em Fleury: uma pequena capela, onde antes se encontrava uma igreja. Os antigos habitantes assim desejaram.

Prefeito de uma cidade sem moradores

Como hoje não vive ali mais nenhum francês nascido em Fleury, resta apenas o prefeito para preservar o legado do vilarejo. Quase diariamente, o aposentado viaja os oito quilômetros de sua casa em Verdun até as colinas de Maas. Com um orçamento anual de cerca de 22 mil euros, ele organiza a manutenção das vias e instala placas memoriais no vilarejo. Assim os visitantes podem ver o antigo lugar de uma pequena escola ou um bistrô onde os habitantes da cidade se encontravam para conversar.

Além dos caminhos estreitos, da pequena capela e de alguns memoriais, Fleury se manteve como a guerra a deixou, depois que a batalha em torno de Verdun terminou, em dezembro de 1916, após 300 dias e noites. Uma parte da cidadezinha foi retomada pela floresta, os antigos buracos provocados pelas bombas ainda podem ser vistos em muitos lugares. E regularmente o subsolo libera ossadas - há três anos, por exemplo, os restos de 27 soldados franceses num único ponto.

Embora o passado sangrento seja ainda onipresente, o futuro desempenha um papel especial. Quando tinha 30 anos de idade, Laparra acompanhou altamente emocionado o aperto de mão entre o então presidente francês François Mitterrand e o então chanceler federal alemão, Helmut Kohl. Quando, no final de maio, François Hollande e Angela Merkel chegarem a Verdun, o prefeito estará na primeira fila.

Assim como o memorial central, o Ossuário de Douaumont, o Memorial de Verdun também se encontra no solo de sua comunidade. Reaberto em 2015 após ser reformado, o museu em Verdun foi construído para lembrar a memória dos combatentes franceses. A nova exposição, no entanto, se dedica também aos soldados alemães. "

Consideramos agora ambos os pontos de vista. Muitas vezes, os soldados de ambos os lados descreveram as mesmas impressões do campo de batalha", conta a curadora Edith Desrousseaux de Medrano.

Protesto de veteranos

No entanto, mesmo após 100 anos da batalha que contabilizou 700 mil vítimas francesas e alemãs (entre mortos, feridos e desaparecidos), nem todas as feridas estão curadas - o que foi constatado em 2014 pelo prefeito Laparra.

Junto à cidade parceira alemã, o francês trabalhou para que o Ossário de Douamont recebesse a primeira placa memorial para um soldado alemão. A princípio, não houve resistência. "Mas quando a placa foi inaugurada, os veteranos da região protestaram: 'Por que estão fazendo isso?', indagaram alguns. 'Os avós vão se revirar nos túmulos'."

O próprio prefeito está otimista sobre o futuro. As relações com as cidades parceiras na Baviera e no Sarre são estreitas e amigáveis - regularmente, delegações alemãs vêm até Fleury. Juntos, alemães e franceses prestam homenagem aos seus mortos e celebram a reconciliação dos antigos arqui-inimigos.

Há dois anos, um bebê de um casal binacional franco-alemão foi batizado em Fleury. "Talvez um dia o pequeno Otto será meu sucessor em Fleury", diz o prefeito sorrindo, antes de deixar a paisagem esburacada do vilarejo abandonado e voltar para Verdun.