Topo

Apesar de percepção contrária, Brasil melhora no combate à corrupção, diz ONG

Protesto contra corrupção no último dia 4, na avenida Paulista - Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo
Protesto contra corrupção no último dia 4, na avenida Paulista Imagem: Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo

Nathalia Tavolieri

09/12/2016 13h34

Leis melhores, mais transparência, maior engajamento popular e melhor atuação do Judiciário: pode não parecer, mas o Brasil tem avanços para mostrar. 

O Dia Internacional contra a Corrupção, comemorado em 9 de dezembro, foi criado em 2003 pelas Nações Unidas para lembrar aos países que a corrupção, assim como a pobreza, a fome e as doenças, é um mal que precisa ser combatido com seriedade e urgência.

No Brasil, os escândalos de desvios de dinheiro noticiados quase que diariamente reforçam a noção comum de que o país tem fracassado no combate à corrupção. O Brasil ocupa hoje o 76º lugar no IPC (Índice de Percepção de Corrupção) de 2015, a edição mais atual do ranking elaborado pela organização Transparência Internacional. O indicador, considerado um dos medidores de corrupção mais relevantes do mundo, reflete o grau de transparência do setor público de 168 países. No ano passado, o Brasil dividiu o posto amargo (76º) com Bósnia e Herzegovina, Burkina Faso, Índia, Tailândia, Tunísia e Zâmbia.

O Brasil piorou tanto sua posição quanto sua nota e teve o pior desempenho de um país no levantamento, na comparação de 2014 para 2015. No ano retrasado, havia ficado em 69º lugar, de um total de 175 nações avaliadas. Quanto à pontuação – que vai de 0 (muito corrupto) a 100 (muito transparente) – o Brasil somou 38 pontos em 2015, ante 43 pontos da média mundial.

Em 2014, a pontuação brasileira foi de 43.

Escândalos têm efeito positivo

Como já diz o nome, o IPC mede como a corrupção é percebida nos países – sem levar em conta dados quantitativos, como o montante de dinheiro desviado, e sem medir se de fato ela aumentou ou não.

De acordo com o diretor da Transparência Internacional para a América Latina, Alejandro Salas, a interpretação desses dados – ruim, num primeiro momento – pode ganhar um tom mais otimista no médio e longo prazo.

Segundo Salas, a repercussão da Operação Lava Jato, que investiga o escândalo milionário de desvios de recursos da Petrobras, foi a principal responsável pelo aumento da percepção de corrupção no Brasil em 2015. "No curto prazo, quanto mais se divulga casos de corrupção, pior fica a imagem do país. Mas com o passar do tempo, essa exposição impulsiona transformações e fortalece o combate à corrupção", afirma Salas.

"Historicamente, grandes escândalos de corrupção são capazes de surtir efeitos positivos para um país, pois estimulam a sociedade a clamar por mudanças nas leis", diz a coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas de Corrupção (Cepc) da Unesp, Rita de Cássia Biason.

Um exemplo recente é o projeto de lei anticorrupção, em tramitação no Congresso Nacional, que foi inspirado na campanha Dez Medidas contra a Corrupção, uma lista elaborada pelo Ministério Público Federal no início das investigações da Lava Jato. Apesar de ter sido desfigurado pela votação na Câmara, a proposta contou com o apoio de mais de 2,3 milhões de assinaturas e foi protocolado como projeto de iniciativa popular. Brasil trilha bom caminho De acordo com a coordenadora da Cepc, não é possível afirmar se a corrupção aumentou ou diminuiu nos últimos anos no país. "O que percebemos é que a imprensa está conseguindo divulgar mais casos de desvios, criando a falsa impressão de que o país é mais corrupto hoje do era no passado."

Além de uma imprensa livre para veicular notícias sobre escândalos de corrupção sem comprometimento com governos e do engajamento popular contínuo na democracia, há outros requisitos essenciais para que um país chegue ao topo da lista do ranking. Na Dinamarca, que lidera o IPC há dois anos, os poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) são independentes, a população tem acesso livre às informações sobre as contas dos governos (no sites dos órgãos públicos, por exemplo) e os cidadãos confiam no governo e em seus representantes. Já países do final da lista tendem a apresentar instituições públicas fracas e governabilidade ineficiente, além de censura à imprensa. É o que acontece na Coreia do Norte e na Somália, os últimos colocados do levantamento. De acordo com Salas, o Brasil não está nem lá nem cá e trilha um bom caminho. "É inegável que o país tem de resolver problemas graves relacionados à atuação de lobistas, às contas de campanhas eleitorais, às regras problemáticas de licitações e à demora dos julgamentos, mas não se pode deixar de olhar para as grandes conquistas." Na análise de Salas, o Brasil avançou no acesso à informação, no alcance das investigações, no engajamento popular (tanto nas manifestações de rua como via redes sociais) e no fortalecimento do poder Judiciário. "As descobertas da Lava Jato são prova disso."

Nos últimos anos, o Brasil também conquistou avanços importantes nas leis de combate a desvios de dinheiro e práticas ilícitas, como a Lei de Acesso à Informação (de 2012, que deu mais transparência ao acesso às informações do governo), a Lei da Ficha Limpa (de 2010, que tornou mais rigorosas as regras para candidaturas de políticos) e a Lei das Estatais (de 2016, que ajudará a evitar a interferência do governo e de partidos no gerenciamento das estatais). Para Rita de Cássia Biason, a legislação brasileira atual é "excelente" e atende às exigências internacionais para prevenir e punir a corrupção. Segundo a especialista, o grande problema da corrupção do país não está nas leis, que são "exemplares", mas na falta de controle, de fiscalização e de acompanhamento sistemáticos dos recursos públicos. "O dinheiro sai dos cofres e se perde antes de chegar ao destino final porque o monitoramento é ruim.

O escândalo de corrupção só explode bem depois", afirma. "Jeitinho" brasileiro A pesquisa Corrupção e Ética, divulgada em junho deste ano pelo instituto de opinião Ipsos, mostrou que três em cada quatro brasileiros já admitiu ter dado um "jeitinho" – os pequenos desvios cotidianos para levar vantagem, como fazer um "gato" na antena de TV ou passar a pontuação de uma multa para a carteira de habilitação de outra pessoa. Um dado curioso da pesquisa é que, para a maioria dos entrevistados, dar um jeitinho é algo errado, mas não configura corrupção.

Para a psicóloga Nanci Gomes, especializada em comportamento ético e moralidade na administração pública, é comum relativizar os desvios e não considerar graves aqueles que envolvem menos recursos. Para ela, o comportamento corrupto de políticos brasileiros é reflexo também dos próprios desvios cometidos no dia a dia pela população.

"O Congresso é nosso espelho", afirma Gomes. Na visão da psicóloga, além de leis sérias e mecanismos que garantam seu cumprimento, é necessária uma revisão de valores e um olhar mais crítico com as atitudes cotidianas. "O Brasil precisa investir melhor na formação ética dos cidadãos. A educação deve promover a autorreflexão crítica e de atitudes, para transformar a nossa conduta individual em sociedade."

Salas, que há anos acompanha a corrupção na América Latina, afirma que não existe uma fórmula mágica para erradicá-la. Segundo ele, o combate à corrupção tem de ser resultado de um esforço conjunto entre políticos, população e instituições. "Não adianta ficar jogando a culpa nos outros. Sozinho, ninguém vai resolver a corrupção brasileira."