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Plano Nacional de Segurança é "mais do mesmo", dizem especialistas

Jean-Philip Struck

06/01/2017 19h06

Após a morte de dezenas de presos em uma semana, ministro da Justiça anuncia investimento em mais presídios e inteligência. Analistas criticam falta de propostas inovadoras para sistemas carcerário e de Justiça.Após duas matanças em presídios que deixaram ao menos 89 mortos nesta semana, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, apresentou detalhes do Plano Nacional de Segurança, uma iniciativa que começou a ser gestada no governo Dilma.A ideia original do governo era anunciar a íntegra do plano somente no final do mês, junto com secretários de segurança estaduais, mas as dezenas de mortes no massacre que ocorreram em presídios do Amazonas e de Roraima e as críticas à forma como presidente Michel Temer lidou com o primeiro episódio acabaram antecipando o lançamento.Em cerca de duas horas de explicação, Moraes usou palavras-chave como "integração", "cooperação" e "colaboração" para sintetizar o plano, que contém 62 páginas, todas organizadas como uma apresentação de PowerPoint. O ministro também afirmou que o plano pretende reduzir homicídios e a violência contra mulheres; combater o crime organizado; e modernizar sistema penitenciário.A ideia é começar a implementar alguns pontos do plano, como uma meta para a redução de homicídios, já a partir de fevereiro nas cidades de Natal, Porto Alegre e Aracaju.Leia mais: Aprisionamento em massa fortalece facções criminosasEm relação a ações específicas, Moraes disse que o governo vai investir na construção de mais presídios estaduais e cinco federais e na modernização de outro; no aumento do efetivo da Força Nacional de Segurança; e na criação de unidades de inteligência integradas em todos os estados brasileiros (com representantes das polícias Federal, Rodoviária Federal, Militar, Civil e da Força Nacional de cada estado).O ministro citou ainda a realização de novos mutirões carcerários para tentar diminuir nas penitenciárias a quantidade de presos provisórios (pessoas detidas sem julgamento). O governo também afirmou que pretende aumentar a cooperação com países vizinhos para reforçar o controle de fronteiras.O plano, no entanto, não apresenta prazos definidos para implementação de várias medidas. O ministro também disse que os Estados que devem receber os novos presídios federais ainda não foram escolhidos. Tampouco se falou quanto eles vão custar. Não há detalhamento de como será feita a colaboração com outros países.Várias medidas também já constavam em planos anteriores apresentados nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2010-2016), que pouco fizeram para frear o crescimento de homicídios e outros crimes no país.O incentivo a mutirões de audiências de custódia em presídios também já foi posto em prática no passado com a ajuda do Conselho Nacional de Justiça, mas a iniciativa perdeu força quando os tribunais de Justiça estaduais assumiram a responsabilidade. Atualmente, 42% da população carcerária do país é formada por presos provisórios."Cortina de fumaça"Para especialistas ouvidos pela DW Brasil, o plano apresentado pelo governo Temer é "mais do mesmo" do que já vem sendo feito há décadas no Brasil, sem resultados construtivos. Eles também criticaram a forma como o documento foi divulgado – a apresentação ocorreu um dia após o presidente Temer ter provocado reprovação ao classificar o massacre no Amazonas como um "acidente pavoroso"."Ampliar vagas e construir presídios sem pensar em reformar todo o sistema de Justiça é ineficaz. Esses planos sempre apresentam objetivos ambiciosos, mas não passam de cartas de intenção. É mais do mesmo", afirma Pedro Bodê, coordenador do Grupo de Estudos da Violência da Universidade Federal do Paraná. "Claro que alocar mais recursos para a segurança é positivo, mas os estados já gastam bastante na área e não conseguem ser eficientes. Não é uma questão quantitativa, mas qualitativa. Planos mais ambiciosos como as UPPs no Rio de Janeiro fracassaram."O especialista também duvida da força do governo Temer para implementar o plano. "Se governos como o de Dilma e Lula fracassaram nessa área, por que um governo encarado como provisório, que tem problemas de legitimidade, vai ser bem-sucedido?", questiona.O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, Martim Sampaio, concorda que o plano parece mais uma ação midiática. "O anúncio tem apenas um efeito pirotécnico, que ajuda a criar uma cortina de fumaça. Muitas dessas coisas já foram anunciadas ou já existem, como as agências de inteligência, que na prática acabam servindo para espionar cidadãos, e não combater o crime."Sampaio também critica outras medidas do plano. "Todos os governos anunciam a criação de novos presídios, o aumento de efetivo e o endurecimento de penas. Estamos criando um país de encarcerados. Os governos não levam em consideração as questões sociais que resultam em tanta criminalidade", diz. "Já o mutirão carcerário, apesar de útil, e também uma admissão do fracasso do sistema penal. Eles não seriam necessários se não ocorressem tantas distorções.""Guerra às drogas"Para Juana Kweitel, diretora-executiva da ONG de direitos humanos Conectas, o plano do governo Temer também falha ao não apresentar uma nova abordagem para o problema do encarceramento em massa provocado pelo combate ao tráfico."O ministro apresentou tudo isso como uma nova filosofia, mas não há nada inovador. Não foi falado de soluções novas para a falida 'guerra às drogas', uma das causas da explosão do sistema carcerário. A principal medida parece ser a construção de novos presídios", critica."Também se falou da criação de um laboratório nacional, mas não se discutiu retirar os institutos médicos legais da alçada das secretarias de segurança, tornando-os independentes, o que poderia ajudar a combater a ocultação de violência policial", conclui.