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"Com a Coreia do Norte não há alternativa, senão o diálogo", diz analista

6.mar.2017 - Teste de mísseis norte-coreanos - AP
6.mar.2017 - Teste de mísseis norte-coreanos Imagem: AP

Esther Felden

31/05/2017 13h00

É ilusório esperar que o regime de Kim Jong-un renuncie ao seu programa atômico por enquanto. Mas há uma boa chance para negociações, afirma o especialista Eric Ballbach.

Chefe do grupo de pesquisa Coreia do Norte e Segurança Internacional do Instituto de Estudos Coreanos na Universidade Livre de Berlim, Eric J. Ballbach afirma que o testes de mísseis e armas nucleares por parte dos norte-coreanos seguem a velha lógica da deterrência, ou dissuasão, e ainda uma lógica interna que atende a conceitos de legitimidade. Em entrevista à DW, ele diz que a vitória de Moon Jae-in na Coreia do Sul pode inaugurar uma nova era de diálogo.

DW - A Coreia do Norte voltou a disparar um míssil balístico, pela terceira vez desde o início do mês, mesmo com todas as advertências feitas pela comunidade internacional. Qual é o cálculo que explica a atitude da Coreia do Norte?

Eric J. Ballbach - Por trás do armamento nuclear da Coreia do Norte está uma lógica dupla. É ainda a velha conhecida lógica da deterrência: o regime se sente particularmente ameaçado militarmente pelos EUA, desse modo, uma arma nuclear, por assim dizer, serve como a maior garantia de soberania do Estado neste contexto.

Esta lógica, é claro, só funciona se outros países também acreditarem que os norte-coreanos desenvolveram sua infraestrutura nuclear até um certo estágio. Isto não tem nada a ver com irracionalidade. Muito pelo contrário: é parte inerente da lógica da dissuasão que você teste esses sistemas de armas regularmente e também demonstre o que você tem a seu dispor.

No caso da Coreia do Norte, especialmente nos últimos meses, é bastante óbvio que existe um esforço de juntar as duas tecnologias principais – a arma nuclear e a tecnologia de mísseis. Esta etapa tecnológica é mais complicada, e testes regulares são necessários.

DW - E qual seria a "segunda lógica" do programa nuclear norte-coreano?

Eric J. Ballbach - Temos que entender a segunda lógica para compreender por que a Coreia do Norte tem tomado decisões que envolvem uma escalada, como estes testes de mísseis, mesmo que estes não sejam tão vantajosos para seus próprios interesses de segurança. Neste caso, envolve questões de identidade e legitimidade.

Enquanto a lógica da dissuasão segue considerações políticas, especialmente as internacionais, esta lógica de escalada atende objetivos internos. O regime precisa de um discurso amplo e existencial de ameaça para impor seus objetivos. Pois é perfeitamente concebível que, mesmo em um país totalitário como a Coreia do Norte, um projeto tão caro e intensivo como um programa nuclear não pode ser mantido sem uma ameaça externa.

Ou seja, o regime envia com esses testes regulares um sinal de força militar e um sinal de que as decisões do caso não ocorrem em Washington, mas apenas em Pyongyang.

DW - As circunstâncias para uma reaproximação parecem favoráveis: o novo presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, expressou que estaria disposto a reunir-se em determinadas circunstâncias. Também dos Estados Unidos, há sinais de que negociações, por ora, não estão excluídas. Exatamente o que Coreia do Norte realmente quer. Por que então essas provocações repetidas?

Eric J. Ballbach - A questão não é entre testes de mísseis ou diálogo para os norte-coreanos. Não é uma contradição. Pyongyang sabe que a comunidade internacional está diante de um problema, um problema de falta de alternativas. Sanções sozinhas não alcançam o objetivo desejado. Ações militares não são realmente realistas, não politicamente e não militarmente, já que a maioria da infraestrutura nuclear da Coreia do Norte é subterrânea e não sabemos exatamente onde está a maior parte. Ou seja, um ataque militar não faria muito sentido.

Não fazer nada, a estratégia de esperar pelo colapso, como ocorreu sob Barack Obama, também não alcançou a meta.

Assim, em última análise, a falta de alternativas leva ao diálogo, e os norte-coreanos também sabem disso. Isto significa que testes repetidos de mísseis ou testes nucleares não são diametralmente opostos a um diálogo. Experimentamos isso no passado. Após o primeiro teste nuclear em 2006, demorou menos de um mês até que as "negociações de seis partes" fossem retomadas. Ou seja, provocações trabalharam no passado várias vezes como uma espécie de catalisador diplomático que deu início a novas iniciativas diplomáticas.

Mas ainda é verdade que para a Coreia do Norte, nas condições atuais, o programa nuclear não é negociável.

DW - O que é necessário acontecer para que um novo diálogo prospere?

Eric J. Ballbach - Uma grande vontade política da comunidade internacional seria necessária para avançar na questão do programa atômico norte-coreano por meio do diálogo. Os requisitos básicos mudaram drasticamente nos últimos dez anos. A Coreia do Norte agora considera-se uma potência nuclear e já não é tão fácil desistir desse status, a menos por preço político alto o suficiente. Isso envolveria, por exemplo, garantias de não agressão e de segurança, que atualmente são inimagináveis com um presidente como Donald Trump na Casa Branca.

No entanto, vejo uma oportunidade com a presidência de Moon Jae-in.

Como um dos cofundadores da "Sunshine Policy", ele sabe que a médio prazo um diálogo com a Coreia do Norte só pode ter sucesso se a questão nuclear não nortear todas as dimensões das relações inter-coreanas. Isto é, se ele for capaz de dissociar o debate sobre a questão nuclear da cooperação sociocultural e econômica, um passo a passo para a confiança poderia ser construído, algo que é um fundamento absoluto para um diálogo bem-sucedido com a Coreia do Norte.

De qualquer forma, é estimulante que chegou ao fim a dinâmica de três governos conservadores nos Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão. Com um presidente sul-coreano liberal, que manifestou repetidamente a importância do diálogo com a Coreia do Norte, há uma chance de que canais de diálogo estejam abertos novamente após vários anos de silêncio.