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Após usarem até fumaça de escapamento, cientistas buscam testes menos cruéis em animais

Bernhard Jank/Hospital Geral de Massachusetts
Imagem: Bernhard Jank/Hospital Geral de Massachusetts

Vijay Shankar Balakrishnan

Da Deutsche Welle

12/02/2018 22h38

O dia de trabalho de Jo Neill não termina sem que ela faça uma visita aos seus ratos de laboratório. Professora de psicofarmacologia na Universidade de Manchester, no Reino Unido, Neill acredita que seu campo de pesquisas depende desses ratos.

Ela injeta químicos em seus animais e observa seus comportamentos de aprendizado e memória. A britânica recebe aprovação de autoridades regulatórias para testar as substâncias em seres humanos apenas se elas beneficiarem seus ratos, que estão sofrendo com os efeitos de sua imitação experimental de uma forma de esquizofrenia humana.

"Na psiquiatria, é impossível pensar em encontrar um substituto para os ratos para realizar esse tipo de experimento comportamental", disse Neill à DW.

A ciência tem tradição de realizar testes com animais como chimpanzés, ratos, porquinhos-da-índia e moscas-da-fruta para entender como a vida funciona e como químicos alteram qualquer função de forma positiva (com medicamentos) ou negativa (toxinas).

Mas muitos cientistas do Reino Unido, da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos vêm alterando de maneira significativa as suas práticas científicas devido ao próprio compromisso que têm com o bem-estar dos animais – ou por causa da pressão da opinião pública.

Testes "humanizados" em animais

Há mais de 50 anos, cientistas britânicos criaram o chamado princípio dos 3R's, definido pelos conceitos replacement, refinement and reduction (substituição, refinamento e redução, em inglês) para o uso "humanizado" de animais de laboratório.

Em 2010, a Comissão Europeia incluiu esse princípio em suadiretriz para o bem-estar dos animais usados com fins científicos. Para atender às exigências desse regulamento, cientistas na UE e no Reino Unido precisam trabalhar respeitando o princípio dos 3R's.

Neill explica que reutiliza os animais após uma sequência de experimentos. Depois de deixar os animais se recuperarem por uma semana dos testes anteriores, e após uma avaliação feita por veterinários sobre a saúde desses animais, ela inicia o experimento seguinte.

"Essa é a nossa maneira de reduzir o uso de animais no laboratório", explica a professora.

A britânica também considera o manuseio dos animais, incluindo a sua acomodação, como parte do bem-estar deles. Ratos, por exemplo, são animais muito sociais, e amontoá-los em jaulas frequentemente acarreta estresse. Assim, dá-se mais espaço aos ratos.

Pesquisadores também descobriram que pegar um rato pelo rabo é muito mais estressante para o animal do que pegá-lo com as mãos em concha. Assim, mais pesquisadores usam a posição côncava das mãos atualmente.

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Pesquisadores descobriram que pegar ratos com a mão em posição côncava é menos estressante
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Afinal, o bem-estar dos animais não é apenas uma construção abstrata. "O bem-estar dos animais é indispensável – se o animal não está bem, o resultado de seus testes será insignificante", destaca Neill.

Apesar de os ratos no laboratório da professora de psicofarmacologia acabarem morrendo, pesquisadores como Michael Emerson, do Imperial College de Londres, estão refinando os seus métodos para evitar que os bichos morram.

Sem padrão internacional

O compromisso com o bem-estar dos animais vem com a transparência na divulgação e na fundamentação do uso do animal em pesquisas, diz Judy MacArthur Clark, diretora executiva da consultoria JMC – uma empresa criada por ela que busca estabelecer regulamentações sobre a realização de testes em animais.

Clark representa o governo britânico para veicular exemplos internacionais de práticas para o bem-estar animal para países como o Brasil e a China, e estabelece programas de cooperação entre o Reino Unido e esses países para ajudá-los a desenvolver e controlar a ratificação de padrões regulatórios sobre o bem-estar dos animais de laboratório.

"Tenho trabalhado com o governo chinês pelos últimos quatro anos para desenvolver os padrões de pesquisa sobre o bem-estar de animais, que eles estão prestes a publicar", contou Clark à DW.

Nos Estados Unidos, a pressão pública e o ativismo da Academia Nacional de Ciências do país impulsionaram o tema, abrindo caminho para melhorar a regulamentação.

Atualmente, o Instituto Nacional de Saúde dos EUA planeja aposentar chimpanzés de laboratório, enviando-os para um santuário. O Programa Nacional de Toxicologia, por sua vez, criou uma agenda colaborativa para promover o princípio dos 3R's em testes toxicológicos em animais em todos os locais onde for possível.

Países como China, Brasil e Índia ainda estão atrasados em relação aos patamares internacionais sobre o bem-estar dos animais usados para fins científicos. Além disso, Clark afirma que não é possível contabilizar números disponíveis sobre o uso de animais em laboratório de vários países devido a diferenças nas medidas e nos padrões.

Mesmo assim, a tendência global é que o uso de animais para fins científicos está aumentando, já que animais de laboratório geneticamente modificados estão ficando mais comuns.

Clark pondera, no entanto, que, "apesar de o número de animais usados em laboratório estar aumentando, a qualidade dos testes em animais também".

O futuro dos testes científicos em animais... - Veja mais em http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/deutschewelle/2018/02/11/o-futuro-dos-testes-cientificos-em-animais.htm?cmpid=copiaecola

Cobaia 4 - Reprodução/BBC - Reprodução/BBC
Instituto americano planeja aposentar chimpanzés de laboratório e enviá-los a santuário
Imagem: Reprodução/BBC

Alternativas ao sacrifício animal

Muitas vezes, experimentos em animais – como os realizados recentemente pela indústria automobilística testando gases de diesel em macacos – não são justificáveis nem do ponto de vista ético, nem científico, segundo especialistas em ética.

Os testes com fumaça de escapamentos de carros em macacos são duvidosos cientificamente por seu pequeno significado estatístico, diz Thomas Hartung, diretor do Centro para Alternativas a Testes em Animais (Caat, na sigla em inglês), da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, nos EUA.

"Se você sente que precisa conduzir um estudo em animais, você precisa de um argumento convincente que justifique esse uso diante do Comitê Institucional de Proteção e Uso de Animais. E você precisa realizar esse teste com o menor número possível de animais, causando o menor sofrimento possível", argumenta.

Hartung também pede uma reprodutibilidade melhor de testes em animais para justificar o uso científico de forma satisfatória. Métodos alternativos como a utilização de células-tronco poderiam ajudar a reduzir testes laboratoriais em animais no futuro, afirma.

Mas muitos pesquisadores acham que os testes em animais não podem ser completamente evitados. "Eu realmente acredito que ainda não estamos numa posição de sermos capazes de eliminar testes em animais", afirma Judy MacArthur Clark.