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Campanha contra "detetives da previdência" mobiliza suíços

Rebecca Staudenmaier

21/04/2018 07h46

Rastreamento de automóveis por GPS, detetives particulares seguindo suspeitos até a quitanda, fotos sorrateiras de cidadãos almoçando com amigos: o que parece cenas de um filme de espionagem são na verdade operações dos assim chamados "detetives da previdência" da Suíça.

Numa tentativa de coibir supostas fraudes ao sistema de bem-estar social suíço, sobretudo por beneficiários que se alegam portadores de deficiência, o Parlamento aprovou em março uma lei autorizando vigilância abrangente em casos de suspeita.

Na opinião de Dimitri Rougy, contudo, "isso é uma afronta ao Estado de Direito na Suíça". Ele integra um pequeno comitê de cidadãos que, após tomar conhecimento da lei, se reuniu para desenvolver uma campanha exigindo que a legislação seja submetida ao voto popular.

O grupo tem até o começo de julho para reunir as 50 mil assinaturas necessárias à realização de um referendo. Uma tarefa hercúlea, mas que eles estão dispostos a encarar com a ajuda da internet.

"A coleta de assinaturas para iniciativas e referendos muda as regras do jogo para a democracia direta", afirma o ativista digital Daniel Graf. Além de ter fundado a plataforma de iniciativa política Wecollect, que abriga a campanha, ele é um dos cabeças do movimento antiespionagem estatal.

Defesa do contribuinte ou violação de privacidade?

A lei que Rougy e Graf querem combater permite tanto à previdência social quanto às seguradoras privadas contratarem detetives particulares para investigar casos de suspeita de fraude. Estes teriam permissão legal para filmar, gravar ou fotografar o investigado, sem necessitar de ordem judicial.

Dentro dos limites da lei, seria permitido até mesmo o emprego de drones – igualmente sem o aval de um tribunal. Este é necessário, por outro lado, para seguradoras poderem instalar sistemas de rastreamento por GPS nos carros dos investigados.

Segundo o jornal suíço Tageswoche, o seguro público para deficientes do país emprega os "detetives da previdência" com mais frequência que as seguradoras privadas. Em 2016, com a intervenção deles, constatou-se abuso em dois terços dos 270 casos investigados na Suíça.

Os partidários da lei alegam que ela resulta na economia de milhões de francos por ano ao coibir abusos do sistema; além disso, seriam exageradas as apreensões com uma vigilância abrangente. Seus oponentes rebatem que ela resulta em invasão de privacidade em larga escala.

Vida numa sociedade de desconfiança

A campanha pró-referendo tem como diferencial o fato de não ter sido lançada por um partido político, sindicato ou ONG, como usual, mas por um pequeno grupo de cidadãos que teme as consequências de tal legislação.

O ativista Rougy e o fundador da Wecollect, Graf, contam com o apoio da autora Sibylle Berg, do especialista em TI Hernani Marques e do advogado Philip Stolkin. Esses parceiros aparentemente díspares são unidos por dois fatores: sua oposição à lei de vigilância e a rede social Twitter.

"Nós fizemos um plano e estabelecemos uma meta: se 5 mil pessoas nos prometessem que coletariam assinaturas, lançaríamos oficialmente a campanha pelo referendo. Fomos inundados de aprovação e respaldo", conta Rougy.

Além dos beneficiários deficientes, a nova lei também abarca seguros-desemprego, de saúde e contra acidentes. Como praticamente todos os cidadãos da Suíça contribuem para o sistema e recebem algum tipo de benefício, a totalidade da população estaria atingida. "No fim das contas, a questão é se queremos viver numa sociedade de desconfiança", resume o ativista político.

Guinada na política suíça

Com o apoio pelos grandes partidos políticos começando a se manifestar, os iniciadores da campanha de cidadania já sinalizam uma guinada significativa na política suíça. Nas três semanas desde o lançamento, mais de 10 mil cidadãos anunciaram sua adesão online, baixando o formulário necessário, imprimindo-o e enviando-o pelo correio.

"Acho que é importante a Suíça ver que é possível um grupo pequeno, sem dinheiro nem nada mais, impulsionar uma mudança na política do país", diz Rougy.

Ele não crê que o sucesso das campanhas online signifique que de repente haverá mais referendos lançados por cidadãos comuns, pois eles ainda requerem uma ampla mobilização popular e financiamento substancial. Mas o sucesso da atual iniciativa representa um sinal de esperança de que o sistema democrático funciona na Suíça.

"O referendo foi introduzido para que minorias e grupos subrepresentados pudessem se defender de decisões tomadas no Parlamento. Caso isso venha a acontecer com maior frequência, uma coisa fica comprovada: que a democracia suíça vive. E isso é bom."