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Por que uma guerra com o Irã seria desafio para os EUA

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Imagem: Getty Images

Kersten Knipp (av)

24/06/2019 12h34

O porta-voz do Ministério iraniano do Exterior, Abbas Mussawi, mostra-se seguro de si: seu país se defenderá de qualquer ofensiva por parte dos Estados Unidos. "Não admitiremos nenhuma violação das fronteiras do Irã. O Irã enfrentará de forma decidida toda agressão ou ameaça da América", afirmou, segundo a agência de notícias semiestatal iraniana Tasnim.

Essas palavras foram pronunciadas poucas horas depois de o presidente americano, Donald Trump, suspender um ataque militar contra o país asiático, alegando o possível número de mortes envolvidas. As 150 vítimas estimadas pelo Pentágono seriam "desproporcionais" como retaliação ao abate de um drone não tripulado, escreveu o republicano no Twitter.

A reação de Trump, assim como o abate da aeronave anunciado por Teerã ou o até agora não esclarecido ato de sabotagem contra dois navios comerciais no Golfo de Omã, em meados de junho, demonstram: o Irã é para os EUA um adversário a ser levado a sério.

Levando unicamente em consideração as cifras, uma guerra contra os iranianos não parece um grande desafio para Washington. O Produto Interno Bruto dos americanos é 44 vezes superior ao do Irã; seus arsenais armamentistas, quase 70 vezes maiores; eles possuem 15 vezes mais aviões de combate do que seu potencial antagonista.

Além disso, a Aeronáutica iraniana é basicamente antiquada, compondo-se, em grande parte, de modelos obsoletos de produção americana, chinesa e soviética. Seus aviões F-14 foram fornecidos pelos EUA ainda antes da revolução islâmica de 1979. No tocante à Marinha, a comparação é também desigual: as sanções que já duram 40 anos mostram seus efeitos.

No entanto, o país possui um arsenal de mísseis de precisão e de cruzeiro, e drones armados. Eles são fundamentalmente o que faz de uma guerra contra o Irã um enorme desafio aos EUA, pois, em caso de combate, Teerã possivelmente não os mobilizaria apenas contra alvos civis na região, mas também contra navios no Estreito de Ormuz.

Em vez das forças de combate regulares, as Guardas Revolucionárias Iranianas poderiam desempenhar um papel importante. Segundo o especialista militar Theodore Karasik, num ensaio para o jornal Arab News: "Elas podem ameaçar o tráfego marítimo no Golfo Pérsico, no Golfo de Omã e no Mar Cáspio, com um rico arsenal armamentista, como submarinos, torpedos inteligentes, minas controladas à distância ou previamente instaladas, assim como mísseis antinavios estrategicamente posicionados no continente, nas ilhas e em navios."

Completam o arsenal as embarcações comandadas remotamente e de alta velocidade, torpedos submarinos e aeronaves não tripuladas, podendo ser empregados em ofensivas contra navios-tanques, embarcações de passageiros e instalações offshore. A mobilização de comandos suicidas aumentaria ainda mais a eficiência dos ataques.

Especialmente perigosa seria a utilização dessas armas como um "enxame", o qual, auxiliado por bombas de fragmentação, colocaria fora de combate pelo menos partes das defesas inimigas. O Irã poderia, ainda, danificar centrais de comando e comunicações através das técnicas de combate eletrônico em permanente evolução, afirma Karasik.

Com tais ofensivas, é possível paralisar o transporte petrolífero global pelo menos parcial e temporariamente, já que um terço da produção total passa de navio pelo estreito entre o Irã e a Península Árabe. Caso o Estreito de Ormuz deixasse de ser seguro, não só os EUA mas muitos outros países sentiriam as consequências. Assim, seria proporcionalmente alta a pressão sobre Washington para terminar a guerra rapidamente - ou sequer começá-la.

Cabe também definir o que significa uma vitória americana sobre o Irã. De fato, seria fácil para as Forças Aéreas dos EUA destruírem aeronaves e navios de combate adversários, mas tal não representaria uma grande conquista, pois os iranianos seguiriam dispondo de grande parte de seu arsenal de mísseis, que continuariam dirigindo contra alvos não militares. Os EUA seriam forçados a invadir, e para isso os militares iranianos vêm se preparando há tempo.

Como aponta um estudo da RAND Corporation, o Irã aposta numa "estrutura de defesa em mosaico" e uma guerra de guerrilha. Isso "sujeitaria a numerosas ameaças uma tropa invasora avançando em direção a Teerã, impossibilitando a ocupação do país".

Além disso, Teerã sabe que uma ofensiva de solo não é uma opção popular nos EUA, enfatiza a firma comercial de consultoria 5 Stones Intelligence, que também trabalha para o governo americano. Até por motivos puramente econômicos, os Estados ocidentais não podem mais se permitir grandes missões militares como a do Iraque ou Afeganistão. Por isso, o Irã procura também enfraquecê-los economicamente através de práticas de guerra assimétrica.

Para além de suas fronteiras nacionais, Teerã poderia empregar como seus representantes as milícias que apoia, embora oficialmente elas combatam em interesse próprio. Um exemplo conhecido é a ação do Hezbollah na Síria.

A 5 Stones Intelligence afirma que certas milícias da Al Qaeda igualmente manteriam laços estreitos com o Irã, e que operações jihadistas "aparentemente realizadas pela Al Qaeda são, na realidade, planejadas e financiadas pelo Irã".

O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, também falou em maio de conexões entre o Irã e as milícias da Al Qaeda. No entanto, segundo a revista Time, isso lhe rendeu desmentidos veementes de altos funcionários nos departamentos de Estado e de Defesa. Um oficial americano citado anonimamente admite haver tais ligações, "mas os serviços de inteligência não dispõem de qualquer evidência de que ambos estejam unidos numa grande aliança antiamericana".

Esse tipo de discussão pública igualmente convém ao Irã, já que declarações ambivalentes também fazem parte de sua guerra assimétrica: o inimigo não deve nunca saber o que esperar do outro lado.

Pompeo viaja para discutir Irã

AFP