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O temor de um novo surto de coronavírus em Berlim

27.jun.2020 - Alemães se divertem em Müggelsee, em Berlim. Apesar das recomendações sanitárias, o local ficou superlotado e teve de ser fechado - dpa/picture alliance via Getty
27.jun.2020 - Alemães se divertem em Müggelsee, em Berlim. Apesar das recomendações sanitárias, o local ficou superlotado e teve de ser fechado Imagem: dpa/picture alliance via Getty

Sabine Kinkartz

27/06/2020 09h36

Blocos residenciais inteiros da capital estão sob quarentena. Enquanto berlinenses encaram regras contra a covid-19 de forma cada vez mais despreocupada, governo local relaxa restrições: uma receita para o desastre?

Coronavirus-Update é o nome do podcast em que há meses o virologista berlinense Christian Drosten informa sobre o estado da pandemia do novo coronavírus no país e no mundo. No episódio número 50, as notícias não eram boas: "Temos, em Berlim e outras partes da Alemanha, sinais inconfundíveis de que o vírus vai voltar."

De fato, desde o começo de junho, o número de novos casos duplicou na capital alemã. Embora há dias o número de reprodução R estivesse bem acima da marca mágica de 1, o Senado decidiu suspender 13 das 25 diretrizes vigentes. A partir de hoje, caem as restrições de contato e dobra o número máximo de clientes que podem ocupar um estabelecimento ao mesmo tempo.

O governo estadual de Berlim, formado pelo Partido Social-Democrata (SPD), A Esquerda e o Partido Verde, defende a decisão. A secretária da Saúde, Dilek Kalayci, assegura que os focos de covid-19 são isoláveis localmente e aponta os bairros de Neukölln e Friedrichshain-Kreuzberg. Lá se acumulam as novas infecções em blocos residenciais habitados principalmente por assim chamados "ciganos" das etnias sinti e roma, em condições de superlotação e precariedade.

Todo um bloco e algumas residências estão em quarentena.

"Temos a impressão de que está funcionando bem", diz o Conselho de Saúde de Berlim. As autoridades descobriram que muitos dos que testaram positivo são adeptos de uma comunidade pentecostal e que o vírus possivelmente se disseminou nos cultos religiosos.

Um dos pastores, que também contraiu o coronavírus, viajava muito, por motivos profissionais, atuando também em outras cidades. Em Magdeburg, capital do estado vizinho de Saxônia-Anhalt, as autoridades já investigam se também lá ocorreram contágios.

A própria Kalayci não está tão segura de que o vírus há muito não tenha se alastrado nas cercanias dos blocos residenciais, disseminando-se daí para toda a capital. "O verdadeiro perigo é que novas infecções se espalhem", reconhece a secretária de Saúde.

O contágio não se daria apenas através de escolas e creches — duas das quais voltaram a fechar, devido a casos de covid-19 entre as crianças após a reabertura —, mas também porque os berlinenses estão decididamente mais levianos. Kalayci teme que alguns cidadãos entendam mal as flexibilizações, achando "que agora podem se encontrar super à vontade, em grandes reuniões familiares, e circular sem proteção".

Sem máscara e despreocupados

Para conferir quão despreocupados os berlinenses estão, basta andar pela cidade. É verão, o sol brilha, as temperaturas sobem. Na Kurfürstendamm, a grande avenida de comércio na zona oeste da metrópole, muita gente transita. Dependendo da hora do dia e da aglomeração, é difícil se esquivar. Muitos parecem ter esquecido ou recalcado que também nas ruas é preciso manter distância.

Diante de quase todas as lojas há, de fato, um funcionário encarregado de controlar quantos clientes entram e garantir que todos portem máscara protetora. Uma vez dentro do estabelecimento, porém, é cada um por si: quase ninguém obedece as placas indicativas e linhas de distanciamento; as máscaras escorregam para debaixo do nariz ou são usadas no queixo. Indagados por que não intervêm, os funcionários dão de ombros: no início até tentaram, mas desistiram.

Pela Kurfürstendamm chega-se à estação de metrô Wittenbergplatz, perto da famosa loja de departamentos KaDeWe. A voz que sai dos alto-falantes na plataforma avisa em alto e bom som: os passageiros devem, por favor, usar proteção sobre a boca e o nariz.

A senhora de cabelos grisalhos sentada num banco aparentemente nem liga, de rosto descoberto. Os três adolescentes que brincam na plataforma tampouco se dão por achados: dois não usam máscara, o terceiro leva a sua debaixo do queixo.

É fato que, paralelamente ao alívio das restrições, o Senado de Berlim decidiu impor multas a quem infrinja a obrigatoriedade de máscaras: na primeira ocorrência são 50 euros, em caso de reincidência, 500 euros. A polícia já declarou que o órgão intervirá em caso de violação, mas um controle abrangente não é possível.

Até porque os agentes da lei já têm bastante trabalho, desbaratando as festas ao ar livre de jovens que celebram o bom tempo em grupos de dimensões ilícitas, nos muitos parques, lagos e outros locais da capital.

Também nos bancos e mesas diante dos restaurantes e bares, cada vez menos fregueses obedecem às regras de distanciamento. Quanto mais avança a noite e a bebida corre, mais eles se aproximam uns dos outros, sob seus pés os restos da fita adesiva aplicada para marcar a distância entre os grupos de frequentadores.

"A questão é sempre quem vai dizer, em algum momento: agora passou do ponto", comenta o virologista Drosten, referindo-se ao excesso de fregueses nos terraços lotados. E conclui: "É claro que ninguém diz." Sua voz soa pouco confiante, no episódio transmitido em 23 de junho,.

"Não estou seguro de que dentro de um mês vamos ter uma situação tão pacífica como agora, em relação à atividade da epidemia. Dentro de dois meses, acho, vamos ter um problema, se todos não voltarem a ligar os sensores de alarme agora."

Mas em Berlim, no momento não há sinais de que isso vá acontecer.