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Voluntários usam eletrochoque e palavras contra o assédio sexual no Egito

01/08/2014 06h12

Imane Rachidi.

Cairo, 1 ago (EFE).- Jovens voluntários egípcios estão se mobilizando contra o assédio sexual, problema que se agrava durante os três dias após o fim do Ramadã, com pistolas de eletrochoque nos bolsos e conscientizando os cidadãos a denunciarem os agressores.

"Cerca de 15 jovens cercaram o táxi em que uma senhora viajava e tentaram tirá-la do carro. Eles queriam estuprá-la em grupo, mas nossos meninos protegeram o veículo escoltando-a até a polícia chegar", contou à Efe Hala Mustafa, uma das voluntárias que trabalha contra o assédio no Egito nesses dias mais críticos.

As autoridades egípcias endureceram recentemente as penas de prisão nesses casos e, em 16 de julho, um tribunal do Cairo condenou nove homens a penas de entre 20 anos de prisão até prisão perpétua por agredir sexualmente várias mulheres na praça Tahrir.

No entanto, não parece que os agressores tenham entendido as ameaças, pelo menos segundo a pesquisa realizada pela iniciativa "Vi assédio", que foi testemunha de mais de 60 casos nos últimos dias só no Cairo e na cidade de Kafr el Sheikh.

Ao todo, 67% das mulheres reconhecem sofrer o mesmo assédio que antes do endurecimento da lei e 91% dizem que a sentença não gerou efeito nos homens egípcios.

Durante o Ramadã, além de jejuar do nascer até o pôr do sol, os muçulmanos devem se abster de manter relações sexuais e evitar atos considerados pecaminosos, como ter pensamentos indecentes, enquanto as mulheres islâmicas são ensinadas que devem vestir roupas mais conservadoras para não chamar a atenção.

Após o mês de recolhimento, os três dias posteriores ao final do Ramadã, que correspondem à festividade de "Eid ul-Fitr", costumam ser quando o problema se alastra e por isso os voluntários resolveram agir para conscientizar e evitar o máximo de casos possíveis.

"Vamos intervir sempre que for necessário e utilizamos as pistolas de eletrochoque para nos proteger e proteger as vítimas. Tentamos trabalhar em coordenação com a polícia, mas isso não é suficiente", explicou à Efe Fathi Farid, que dirige a sala de operações.

Foram contados 14 casos durante o primeiro dia do Eid, 16 no segundo e pelo menos 35 no último dia dessa festividade, o que os levou a concluir em um relatório que a polícia precisa de formação, treinamento e material para enfrentar essa praga.

O grupo de voluntários, meninos e meninas de entre 17 e 25 anos, se prepara em um apartamento de uma rua central do Cairo, com os folhetos de denúncia em um bolso e uma pistola de eletrochoque no outro para circular por vários pontos do centro entre 12h e 22h.

"As pistolas são para intervir caso seja necessário. A polícia não as autorizou, mas não nos resta opção", disse Hala, uma das integrantes do grupo "Vi assédio".

A voluntária denuncia a passividade dos cidadãos na rua diante dos casos de assédio ou de violência sexual porque, lamentou, "se transformaram em algo tão habitual que muitos aprenderam a conviver com isso".

O porta-voz do Ministério do Interior, Ayman Helmi, afirmou à Efe que sabe de apenas seis casos de assédio sexual no centro do Cairo, três dos quais "alcançaram o nível físico".

Helmi acrescentou que uma nova equipe de polícia especializada na luta contra o assédio se desdobrou durante a festividade nos pontos mais "suspeitos", como as ruas contíguas a Tahrir ou as portas dos cinemas.

Os voluntários distribuem nas ruas folhetos nas quais explicam a necessidade de denunciar o assédio, sob o olhar surpreso de muitos transeuntes e inclusive os insultos de adolescentes que zombam de seu trabalho e gritam que as mulheres são as que desejam ser acossadas.

Os organizadores da campanha denunciam que o assédio sexual às mulheres chega a afetar 90% delas em todo o país e advertem que 30% delas sofrem diariamente.

Em 2013, na mesma época, a organização contabilizou 65 casos de assédio sexual em grupo, um dado similar ao deste ano.

Uma das voluntárias assegura, sob anonimato, que é preciso conscientizar muitas pessoas e os policiais porque a maioria não atende ao chamado de socorro das vítimas e ainda não é consciente das dimensões do problema.

"Veem como algo normal, que eles mesmos fazem", criticou, acrescentando que a maioria das mulheres opta por não denunciar porque "ninguém se importará".