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Jornalismo volta a ser fatal na fronteira do Paraguai com o Brasil

César Muñoz Acebes

Em Assunção

18/10/2014 06h54

Jornalistas que trabalham na fronteira do Paraguai com o Brasil são obrigados a viver trancados em suas casas ou a sair com escolta policial devido ao avanço no narcotráfico, acusado pelas autoridades de assassinar nesta semana um repórter e seu assistente.

As mortes se somam aos homicídios de outros dois, também em estados da fronteira neste ano, e mais dois em 2013.

Desde 1991, quando a sociedade paraguaia se comoveu com o homicídio de Santiago Leguizamón, que segue impune, 16 comunicadores perderam a vida por causa de seu trabalho, segundo o Sindicato de Jornalistas do Paraguai.

Sair para correr em um parque ou visitar lojas, por exemplo, algo comum na vida de qualquer pessoa, são atividades proibidas para muitos dos repórteres que vivem nas zonas de cultivo de maconha no leste do país, droga que atende principalmente o mercado brasileiro.

O Paraguai é o maior produtor da erva na América do Sul, com uma colheita estimada entre 30 mil e 45 mil toneladas ao ano. Os narcotraficantes usam essa receita gerada pela venda para subornar e corromper autoridades, inclusive policiais, dizem os jornalistas que residem nessa região.

Cándido Figueredo contou com segurança policial permanente em quase 19 dos 20 anos que é correspondente do jornal "ABC Color" na cidade fronteiriça de Pedro Juan Caballero.

"Metralharam minha casa duas vezes e meu carro outras duas", disse à Agência Efe.

Figueredo, de 58 anos, vive na escritório do jornal com sua mulher.

"Chamo a redação regional de minha prisão. Sair para comer em um restaurante ou ir a um casamento é impensável", revelou.


A constante ameaça restringe a atuação dos jornalistas, que trabalham como podem, a maioria das vezes por telefone. Só viajam se é imprescindível ou há proteção policial.

"Não há confiança na Justiça ou nos órgãos de segurança. Nos sentimos impotentes", lamentou Elías Cabral, correspondente do jornal "Última Hora" e da "Telefuturo" em Curuguaty, a cerca de 250 quilômetros ao leste de Assunção.

Cabral, de 32 anos, solicitou proteção policial à Justiça após receber uma ameaça em fevereiro, mas o processo está parado, disse ele à Efe.

Uma de suas matérias denunciou um esquema de desvio de recursos destinados à obras públicas. Após a publicação, o ex-deputado federal e atual vereador de Curuguaty, Julio Colmán, do Partido Colorado, o mesmo do presidente Horacio Cartes, o chamou de "trombadinha" em uma emissora de rádio.

"Você está brincando com fogo. Há outras pessoas que também estão vendo com maus olhos essas publicações. Eu tenho esse meio e lhe aviso", disse Colmán.

Em Pedro Juan Caballero, o senador liberal Robert Acevedo, presidente da Comissão de Narcotráfico, disse que Figueredo é um "narcojornalista" na rádio no ano passado, depois de uma série de matérias sobre supostos vínculos de sua família com atividades ilícitas.

Dias mais tarde, Figueredo recebeu a seguinte mensagem: "Imbecil. Narcojornalista. Vou te enviar ao inferno se seguir publicando".

O correspondente atribui a Carlos Cabral Arias, o 'Líder Cabral', um narcotraficante preso no Brasil, um dos ataques contra ele.

O criminoso também poderia estar envolvido nos dois últimos assassinatos, segundo apontou o jornal "ABC Color".

Os mortos são Pablo Medina, de 53 anos e correspondente do jornal em Curuguaty, e Antonio Almada, de 19 anos, seu assistente.

O veículo em que viajavam foi fuzilado na última quinta-feira por dois assassinos de aluguel mascarados, em represália por suas reportagens sobre o narcotráfico, conforme o Ministério do Interior do Paraguai.

O "ABC Color" apontou como suspeito um suposto braço direito de Cabral Arias, Avilio Manuel Espíndola Isasi, conhecido como 'Baby', foragido desde setembro quando a polícia encontrou quase três toneladas de maconha em um túnel sob sua casa.

Elías Cabral espera que as duas últimas mortes sirvam para chamar a atenção.

"Elas estão tendo muito impacto porque a sociedade está repudiando e pressionado as forças de segurança para que deem resultados".

Figueredo, com mais tempo de profissão, é mais cético.

"Se a pessoa é importante, fala-se do homicídio por um tempo, um mês ou dois. Depois, quando vira algo esporádico, fica na memória. Há muita impunidade", criticou. EFE.