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Putin não é tão frio como parece; conheça um outro lado do líder russo

Jochen Luebke/EFE
Imagem: Jochen Luebke/EFE

José Antonio Vera

De São Petersburgo (Rússia)

20/06/2015 10h06

Muitos dizem, provavelmente com razão, que Putin é um homem de gelo, mas a verdade é que o presidente da Rússia é, na intimidade, bem menos frio do que parece, ao sorrir praticamente o tempo todo e, inclusive, dar gargalhadas de vez em quando.

O presidente russo também gesticula sem parar e levanta o dedo indicador da mão direita, sobretudo, quando surge o tema da Ucrânia e das sanções do Ocidente contra seu país. Tudo isso sem titubear e respondendo a qualquer pergunta sobre qualquer assunto. Com um discurso bem articulado e trabalhado.

Putin ainda guarda muitas características que o fizeram um espião da ex-URSS. Em seu período na KGB, aprendeu uma série de regras que aplica de forma milimétrica. Fala línguas estrangeiras sem sotaque, olha fixamente nos olhos e acompanha e copia muito bem seus gestos e os de qualquer outro interlocutor, uma técnica mimética implantada pela antiga inteligência soviética, cuja finalidade é criar empatia com o personagem ao qual se dirige, de modo que, no fim, o presidente russo, com sua frieza robótica impenetrável, pareça até mais próximo do que é, apesar de seu sigilo duro e natural, mesmo com seu modo de andar enquanto cerra os punhos e apesar de seu poder evidente de autocontrole e indiferença.

Assim, quando você lhe faz alguma pergunta, ele olha nos seus olhos permanentemente e, sempre que pode, esboça um meio sorriso, com a intenção de agradar e parecer amável, o que, na realidade, consegue fazer. Além disso, foge de extremismos e expressões duras, sem dúvida para parecer mais moderado do que dizem que ele é.

Putin recebeu os presidentes das 12 agências de notícias mais importantes do mundo, entre elas a Agência Efe, pelo segundo ano consecutivo, desta vez na espetacular biblioteca presidencial da cidade imperial de São Petersburgo, nestes dias de luz e cores transbordantes. Na realidade, Vladimir Vladimirovich Putin lembra um autêntico imperador. Palácios, séquito, encenação em grande estilo. Um imperador de idade imprevisível, pele lisa e sem rugas, cabelo loiro com leves tons de grisalho e a aparência atlética de um especialista em artes marciais.

Putin nos cumprimentou um por um já passada a meia-noite, com quatro horas e meia de atraso do horário previsto, mas, na realidade, estivemos concentrados e à espera da reunião desde as 17h, sem saber bem aonde nos levavam, presumivelmente por razões de segurança.

Falamos com o presidente russo durante uma hora, embora apenas uma pergunta tenha sido aberta. O restante da reunião, a portas fechadas, sem possibilidade de contá-la ao vivo como estava previsto, inclusive com transmissão ao vivo pela televisão russa. Também não nos convidou para jantar, apenas para um aperitivo. Se no ano passado o prato principal do almoço foi o "linguado da Crimeia", nesta ocasião, o convite foi apenas para um chá frio com caviar do Mar Cáspio.

Já em ação, Putin exibe respostas bem gordas para as perguntas que nós formulamos, muitas delas atribuindo a ele a responsabilidade pela atual tensão com o Ocidente. De modo que, como era previsível, diz não ser culpado, mas vítima, porque foram outros os que, primeiro, provocaram o conflito do gás; depois, a crise da Crimeia; mais tarde, a guerra no leste da Ucrânia, e, agora, os voos dos caças russos sobre o espaço aéreo europeu, e, certamente, a escalada nuclear.

Putin é claro: ele não ataca, só responde, ou seja, se defende. Responde ao anúncio do posicionamento de armamento pesado americano nos países bálticos e na Polônia. Responde à "atitude golpista" do governo da Ucrânia. Responde ao apoio do Ocidente aos grupos pró-direitos humanos que atuam na Rússia. E responde às "injustas" sanções que estão dificultando a vida cotidiana de seu povo.

Responde e reitera que responderá a qualquer atitude que considere "uma agressão" contra a Rússia. E, se considerar necessário, instalando novas cabeças de mísseis intercontinentais. Ou aumentando a produção de armamento militar em seu país. Mas nunca atacando por sua conta a Otan, algo "ridículo e impossível".

E depois, as mencionadas negações: na Ucrânia não há tropas russas. Não tem ambição imperial alguma. A Rússia não tem bases em outros países, como os Estados Unidos. E a Rússia não se expande para lugar nenhum, "como faz a Otan".

Putin diz que seu país só quer viver dignamente e prosperar economicamente. Algo que, garante, vai conseguir mesmo com as sanções: a economia se recuperará em dois anos impedindo o aumento da inflação, fortalecendo o valor do rublo, aumentando a taxa de natalidade, diminuindo a mortalidade e com uma produção de petróleo que vai de vento em popa. É sua versão, muito longe daquelas que falam de "uma economia próxima do colapso", de uma "inflação de dois dígitos", da permanente "desvalorização do rublo", de uma incessante "fuga de capitais".

Putin, no entanto, tem uma convicção: não há muita diferença entre russos e ucranianos. Não declara ambição alguma sobre a Ucrânia, mas considera um dever proteger toda a comunidade russófona, as comunidades "que não aceitaram o golpe de Estado de Poroshenko".

Com esse "mandato" quase messiânico na cabeça, despediu-se de nós à 1h30 da madrugada após um dia desgastante de 12 horas de atividades, no qual se reuniu com o primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, presidiu o Fórum Econômico de São Petersburgo e esteve o tempo todo presente em sua televisão. Como costuma ser habitual. Por outro lado.