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Coreia do Sul entrega cachorros à adoção para deixar de comê-los

Cachorro que viraria comida na Coreia do Sul é trazido aos EUA para ser adotado - Manchul Kim/Humane Society International/AP
Cachorro que viraria comida na Coreia do Sul é trazido aos EUA para ser adotado Imagem: Manchul Kim/Humane Society International/AP

Atahualpa Amerise

Em Seul

21/09/2015 06h07

Comer carne de cachorro é um hábito na Coreia do Sul, mas isso está mudando. Alguns produtores arrependidos fecharam suas explorações caninas e decidiram entregar para adoção quase 200 animais a famílias dos Estados Unidos.

"Quando vendia um cachorro a um distribuidor ou a algum restaurante, às vezes meus olhos se enchiam de lágrimas", confessou à Agência Efe Kim Jin-young, de 53 anos, que até o mês passado administrava com o seu marido uma fazenda com mais de 100 cães para consumo humano.

Kim foi a terceira fazendeira a aderir à campanha da HSI (Humane Society International), que começou em janeiro e que oferece apoio econômico e logístico aos que decidem trocar a criação de cachorros por outra atividade, no caso de Kim, a agricultura.

A ONG, que também atua no Brasil em três frentes, libertou 186 cachorros sul-coreanos para enviá-los a San Francisco (EUA), onde novas famílias os esperam.

"Estamos conseguindo, mas ainda resta muito trabalho a fazer", reconheceu Kelly O'Meara, diretora de animais de companhia e engajamento da HSI.

Na Coreia do Sul existem ainda mais de 17 mil fazendas ativas e anualmente 2 milhões de cachorros são usados como comida, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente. Há anos, a carne de cachorro ou "kaegogi" faz parte da dieta coreana, pois a ela são atribuídas diversas propriedades, como aumentar o vigor sexual masculino ou acelerar o processo pós-cirúrgico.

Devido a seu intenso aroma e a sua textura, ela é geralmente consumida na sopa, mas também pode ser servida apenas fervida ou em tiras.

Embora nas áreas rurais qualquer cão possa acabar na panela, em geral os destinados ao consumo carecem de 'pedigree'. São os chamados "ddongke", de tamanho médio ou grande, destinados a ser sacrificados, depilados e fervidos na panela.

"Na Coreia do Sul existe a percepção de que certos cachorros são animais de estimação e outros são para comer", disse a diretora da ONG, que garante que "esta ideia equivocada está acabando aos poucos".

De fato, nos restaurantes especializados em "kaegogi" é cada vez mais difícil ver clientes jovens e principalmente mulheres, pois consideram repugnantes o cheiro e o sabor da sopa de cachorro ou "boshintang".

Além disso, na medida em que Coreia do Sul se transforma em um país desenvolvido, onde milhões de pessoas têm cachorros como animais de estimação, se abre um debate ético sobre o costume de comer cachorro e sobre como estes animais são tratados nas fazendas.

Associações de defesa dos animais denunciaram que grande parte dos "ddonke" vivem amontoados em jaulas sem higiene e, para sacrificá-los, às vezes são usadas técnicas cruéis.

No Moran Market, em Seul, é possível ver gaiolas com cachorros de diversas cores e raças que dividem um espaço mínimo à espera de ser sacrificados e cozinhados nos restaurantes da região.

Esta situação é atribuída em grande parte à brecha legal que existe no país sobre a criação de cães para o consumo humano. De acordo com legislação sul-coreana seu consumo não está regulado, embora também não seja penalizado.

Assim, as condições de criação e cativeiro, o sacrifício e a qualidade da carne estão exclusivamente nas mãos dos fazendeiros, distribuidores e vendedores.

A Coreia do Sul não é o único país na Ásia a fazer isso. Aos dois milhões de cachorros que os cidadãos deste país devoram anualmente se somam outros cinco milhões no Vietnã e cerca de 10 milhões na China, segundo dados da HSI.

Cães que virariam comida desembarcam nos EUA - Sammy Dallal/The Humane Society of the United States/AP - Sammy Dallal/The Humane Society of the United States/AP
103 cães que virariam comida na Coreia do Sul desembarcam em San Francisco (EUA)
Imagem: Sammy Dallal/The Humane Society of the United States/AP