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Sul-coreano conta horas para rever irmã 65 anos após separação na guerra

Atahualpa Amerise/Efe
Imagem: Atahualpa Amerise/Efe

Atahualpa Amerise

Em Seul

19/10/2015 21h56

Aos 87 anos, o sul-coreano Kim Woo-jung está prestes a passar três dias com sua irmã mais nova graças ao histórico encontro que reunirá nesta semana quase 200 famílias divididas entre o Norte e o Sul. Há mais de seis décadas, Kim não sabe absolutamente nada sobre a irmã.

"Estou tão feliz que não consigo expressar em palavras e, mesmo que pudesse, ninguém poderia compreender o que eu sinto neste momento", diz ele, visivelmente emocionado, em seu pequeno apartamento no humilde bairro de Hwayang, em Seul.

Ele se considera um sortudo. Foi selecionado com outras 89 famílias da Coreia do Sul entre as mais de 60 mil inscritas para se reunir com os parentes norte-coreanos no encontro coletivo que começará amanhã e terminará na próxima segunda-feira.

Enquanto os primeiros participantes começam a atravessar a fronteira para iniciar a primeira rodada de reuniões no complexo turístico do Monte Kumgang - território norte-coreano -, Kim espera impaciente a sua vez, que será no sábado. Como ele, milhares de pessoas sofreram com a separação familiar pela Guerra da Coreia e só algumas delas conseguiram voltar a se ver nos 19 reencontros realizados de 1985 até hoje, coincidindo sempre com períodos de conflito político entre Seul e Pyongyang.

Kim é um dos cinco filhos de um casal natural da província de Gangwon, na fronteira entre os dois países. Quando a guerra explodiu, em 1950, ele fugiu para o sul cruzando a nado o rio Han com um de seus irmãos, sem imaginar que a divisão seria permanente e que eles ficariam separados por muitos anos.

O irmão que o acompanhou na fuga morreu ainda jovem, e ele soube que na Coreia do Norte só resta viva a única irmã, Kim Jung-hee, que hoje tem 81 anos.

"Como ela era a única mulher, era considerada a flor da família e dávamos a ela toda a atenção do mundo. Na escola, a gente a protegia como se fôssemos guarda-costas", recordou.

Essa é a última lembrança dela, e praticamente toda a informação que tem de sua irmã, já que nos últimos 65 anos não recebeu um só dado: se está casada, se tem filhos, onde mora, com o que trabalha.

"Não sabia nem mesmo se estava viva ou não", lamentou.

À medida em que o grande dia se aproxima, a cabeça de Kim Woo-jung fica a mil com os vários assuntos. Nem o seu rosto ele sabe como está.

"A primeira coisa que vou fazer é perguntar sobre a nossa mãe. Era uma mulher muito forte e saudável, portanto acho que pode ter passado dos 100 anos e continuar viva, por que não?", disse, com brilho nos olhos.

Kim se agarra a esta improvável esperança porque a Cruz Vermelha, que organiza os encontros, não confirmou se sua mãe continua viva ou não na breve carta que lhe enviou na semana passada com os dados de seus parentes do outro lado da fronteira.

Ele também está ciente de que não vai poder aproveitar o momento com total liberdade com sua irmã, já que a maior parte das reuniões acontece em salas coletivas, e a Coreia do Norte impõe a proibição de falar de vários temas, como política, atualidade ou condições de vida no país comunista.

Ainda assim, da mesma forma que nas edições anteriores, os sentimentos estarão à flor da pele para o encontro, que promete ter emotivos abraços e lágrimas de pessoas com histórias de vida dignas de filme.

Perguntado se esse é o maior sonho de sua vida, Kim responde com um convicto "sim". Perguntado se não tem mais sonhos a realizar, seu rosto se apaga e entristece, antes de responder: "Meu sonho realmente é viver com minha família de novo, mas acho que isso não vai ser possível nesta vida".