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Muçulmanos e cristãos de Bangui rompem muro de ódio por um dia

30/11/2015 13h05

Bangui, 30 nov (EFE).- Em uma cena pouco habitual, os moradores do bairro muçulmano PK5 de Bangui saíram nesta segunda-feira à rua para receber o papa Francisco durante sua visita à mesquita central, misturando-se sem incidentes com a população cristã, rompendo o muro de ódio que os separa diariamente.

Os cristãos atravessaram a fronteira invisível destas ruas quase proibidas para, pela primeira vez em muito tempo, visitar seus familiares que vivem nelas, isolados pelo conflito entre as milícias de ambas confissões há dois anos, que deixaram milhares de mortos e que fizeram o país sangrar.

A avenida Barthélémy Boganda, artéria da cidade que passa pelo PK5, foi aberta ao tráfego para que as pessoas pudessem comparecer à mesquita e ao estádio que leva o nome do político nacionalista que lutou pela independência da República Centro-Africana nos anos 50, onde o papa celebrou uma missa.

A presença dos boinas azuis, que têm seu quartel-general na mesma avenida, embora fora do bairro muçulmano, ofereceu uma incomum sensação de segurança à multidão que se reuniu para ver o papa passar.

Um grupo de mulheres, vestidas com roupas tradicionais muçulmanas, esperava a chegada do pontífice com um cartaz de três metros: "Os muçulmanos deslocados de Bangui dão as boas-vindas ao papa no PK5". Outro grupos de mulheres, estas cristãs, também davam boas-vinda com um cartaz parecido.

Na mesquita, a mensagem do pontífice foi clara: cristãos e muçulmanos são "irmãos" e devem dizer "não" ao ódio, à vingança e à violência em nome de Deus. E os centro-africanos, entregues à esperança, deram ouvidos ao papa.

Centenas de muçulmanos se aproximaram dos arredores do estádio Barthélemy Boganda seguindo o cortejo papal e, em uma imagem insólita, alguns inclusive cumprimentaram e abraçaram os cristãos que esperavam para entrar no recinto onde o pontífice celebrou sua última missa antes de partir para Roma.

Entre gritos de "A paz voltou!, A guerra terminou!", o público apareceu uma imagem de harmonia e irmandade que há muito tempo não se via.

"É um dia gracioso para os muçulmanos. Não achávamos que podia chegar, mas foi assim hoje, pude abraçar meus irmãos cristãos. É um milagre!", explicou a Efe Amza Mahamat, um muçulmano que vive no PK5.

Apesar do bom ambiente, nem todo mundo estava interessado em deixar as velhas brigas de lado. Em um tom meio zombador, um grupo de mulheres vestidas com roupas coloridas e personalizadas com o rosto do pontífice cantava: "Veem, muçulmanos? O papa chegou em casa".

No interior do estádio, que não é utilizado para eventos esportivos há muito tempo, milhares de pessoas aguardaram com impaciência a chegada de Francisco e não pararam de agitar bandeirinhas, palmas e cruzes de madeira.

Desta vez não houve telefones celulares para retratar a histórica chegada do pontífice. Os centro-africanos são dos mais pobres do continente e a maioria não pode se dar ao luxo de comprar um telefone com câmera.

Foi um dia de celebração e de esquecimento: a visita do papa a um país que quase nenhum presidente se atreve a viajar é um grande acontecimento e a maioria preferiu aproveitar o dia antes de voltar à triste realidade de seu lar.