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Em San Sebastián, "Era o Hotel Cambridge" denuncia "desigualdade escandalosa"

19/09/2016 17h42

Alicia García de Francisco.

San Sebastián (Espanha), 19 set (EFE).- A cineasta paulistana Eliane Caffé escolheu para seu filme "Era o Hotel Cambridge" misturar realidade e ficção para denunciar a "desigualdade escandalosa" do Brasil em matéria de habitação, como exemplo da "situação insuportável gerada pelo capitalismo".

O filme faz parte da seção Horizontes Latinos do Festival de San Sebastián e conquistou em 2015 o Prêmio Cinema em Construção, no mesmo festiva, concedido a projetos em pós-produção.

"Estamos vivendo no Brasil agora uma situação terrível, após o golpe, e o filme reflete um problema muito real, o retrocesso nas políticas sociais. Fazer este filme é como dizer que estas coisas existem e que afetam boa parte das pessoas", explicou ela em entrevista à Agência Efe.

Segundo Eliane, isso não acontece apenas no Brasil e atinge o mundo inteiro, já que é uma questão criada pelo capitalismo e pelos governos. "Era o Hotel Cambridge" conta a história de refugiados que chegaram ao Brasil e de brasileiros em situação crítica, que ocupam um edifício abandonado no centro de São Paulo.

Uma situação real impulsionada no Brasil por vários movimentos que tentam ajudar pessoas sem teto e, ao mesmo tempo, denunciar a falta de eficiência das autoridades. Uma das líderes desses movimentos é Carmem da Silva, que coordena o Movimento Sem Teto do Centro de São Paulo (MSTC) e também é uma das protagonistas do filme, onde interpreta ela mesma.

Localizar edifícios vazios, ter certeza que estão abandonados e até fretar ônibus para que os sem teto ocupem em massa o local e assim impeçam o despejo são algumas das tarefas de Carmem, que está satisfeita de poder denunciar esta situação no Festival de San Sebastián. O MSTC nasceu há 21 anos e o edifício cenário do filme, localizado na Avenida Nove de Julho, foi ocupado há quatro.

Todo é organizado por mulheres como ela, já que, como ressaltou, as moradias sociais no Brasil são entregues às mulheres. Amparadas nesses benefícios, as mulheres se articulam na linha tênue que separa legalidade e ilegalidade e conseguem dar alojamento a dezenas de famílias sem recursos, tanto brasileiras quanto estrangeiras - imigrantes ilegais ou refugiados políticos. Muitos deles aparecem no filme, que mistura atores profissionais com cidadãos comuns que vivem diariamente o medo da expulsão destes precários imóveis.

Para rodar o filme, Eliane contou com a ajuda de muita gente, incluindo estudantes de arquitetura que recuperaram móveis recolhidos na rua para organizar um pouco melhor as áreas comuns do prédio, um trabalho que acabou ficando para os moradores do Hotel Cambridge.

"Era o Hotel Cambridge", um projeto "totalmente coletivo", segundo a diretora, pretende buscar na sociedade uma sensibilidade que as autoridades não têm perante um problema cada vez maior e que afeta principalmente às grandes cidades, mas não somente elas.

"Daí a importância dos festivais internacionais de cinema, onde filmes como este encontram espaço para ser vistos, além das grandes produções de Hollywood", defendeu a diretora.