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Lula: "Sou o candidato com maior perspectiva de ganhar eleições"; leia a íntegra da entrevista

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - Marivaldo Oliveira - 21.set.2017/Código 19/Estadão Conteúdo
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva Imagem: Marivaldo Oliveira - 21.set.2017/Código 19/Estadão Conteúdo

Alba Santandreu

De São Paulo

24/11/2017 11h34

Veja alguns destaques e leia a íntegra da entrevista do ex-presidente Lula à EFE:

- "Construíram uma maioria fascista no Congresso Nacional e acham que podem se desfazer do Brasil".

- "Pretendo fazer uma carta diferente da de 2002. Em 2002 eu fiz uma carta ao povo brasileiro direcionada ao mercado, assumindo compromissos da seriedade do meu governo. (...) Agora quero é fazer uma carta ao povo brasileiro, para o povo brasileiro".

- "O Brasil precisa crescer do ponto de vista do desenvolvimento industrial. A indústria, para crescer, precisa de consumo. O consumidor precisa de crédito e financiamento. E quem pode fazer isso? É o Estado".

- "Nós temos uma briga agora no Poder Judiciário com denúncias contra o PT, com denúncias contra mim. Eu já provei a minha inocência, estou na expectativa de que eles provem alguma culpa".

- "Vamos discutir a regulamentação dos meios de comunicação neste país, não podem continuar do jeito que estão".

- "Nós queremos acabar com a especulação. Quem quiser ganhar dinheiro vai investir no setor produtivo. Queremos recuperar a Petrobras, queremos recuperar a indústria naval".



EFE - Na sua opinião, que país encontrará em 2018 o ganhador das eleições, tanto no plano econômico como no social?

Luiz Inácio Lula da Silva - Quem ganhar as eleições de 2018 vai receber um Brasil muito diferente daquele que as pessoas estavam acostumadas a ver alguns anos atrás. A economia não está bem, a queda do PIB chegou a mais de 8% nesse período. A inflação está reduzida, mas o desemprego está muito alto, o consumo está muito baixo, e nós temos um problema de déficit fiscal, que é preciso tentar fazer uma concertação para que o Estado brasileiro possa adquirir poder de investimento, condições de investimento. Se o Estado não tiver dinheiro para fazer investimento, nós não vamos atender as demandas de infraestrutura, porque a iniciativa privada não vai colocar dinheiro no bolso para fazer infraestrutura. Ou o Estado faz financiamento ou não tem as obras de infraestrutura que nós tanto precisamos no Brasil.

A fome voltou ao Brasil, a gente tinha tirado o Brasil do mapa da fome, segundo a ONU. A miséria está crescendo, o desemprego está crescendo, os salários estão caindo. Houve mudanças substanciais na retirada dos direitos dos trabalhadores, ou seja, direitos que nós tínhamos conquistado desde 1943 foram tirados agora pelo Congresso Nacional, tudo em função do impeachment feito na presidente Dilma Rousseff.

Se ganha um candidato de direita, ele vai continuar fazendo o desmonte das conquistas do povo trabalhador e vai continuar privatizando e vendendo o patrimônio público. Se ganha algum candidato de esquerda, obviamente ele vai ter que ter um compromisso de revogar muitas das coisas que foram feitas pelo governo golpista.

O quadro eleitoral não começou ainda, a disputa não começou, eu estou me colocando como candidato para o PT. O PT obviamente vai definir isso para o próximo ano. As possibilidades de ganharmos as eleições são muito grandes. Há uma lembrança muito forte do povo brasileiro do Brasil que o povo viveu no período em que eu fui presidente da República.

Nós temos uma briga agora no Poder Judiciário com denúncias contra o PT, com denúncias contra mim. Eu já provei a minha inocência, estou na expectativa de que eles provem alguma culpa, porque até agora só eu que tenho que provar as coisas, eles não tem que provar nada.

Mas nós estamos tranquilos, estamos preparando o PT, estamos trabalhando a apresentação de um programa que possa significar não apenas aperfeiçoar aquilo que nós tínhamos feito, mas você colocar novas propostas para gerar novas esperanças e novas expectativas na sociedade brasileira.

Quando peguei o Brasil em 2002, o Brasil estava em uma situação muito difícil. O Brasil estava com inflação a 12%, o Brasil estava com 12 milhões de desempregados, o Brasil tinha uma dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) de US$ 30 bilhões, o Brasil não tinha dinheiro para pagar as suas importações e nós conseguimos consertar o país e conseguimos entregar o país para a Dilma (Rousseff) com um crescimento do PIB de 7,5%, com um crescimento no comércio no varejo de 12%, com uma economia a todo vapor.

A Dilma deu continuidade a isso, entre 2011 e 2012 a economia ainda cresceu bem, depois a economia entrou em refluxo, ou seja, em 2013 a gente cresceu só 1% e em 2014 a crise chegou forte e a Dilma tentou consertar, mas a direita no Congresso Nacional não permitiu que ela consertasse porque não aprovou as mudanças que ela mandou ao Congresso.

Então quem ganhar não vai pegar nada fácil pra resolver no Brasil.

O que o faria desistir da candidatura?

Eu não insisto na candidatura, você sabe que candidato a gente não inventa. Não é possível você inventar um candidato. Eu sou o candidato com maior perspectiva de ganhar as eleições no Brasil. Em todas as pesquisas de opinião pública feitas, todos os meses, eu apareço com o dobro dos votos de todos os candidatos juntos. O PT não vai abrir mão de um candidato que tem perspectivas de ganhar para tentar criar um candidato novo. Eu gostaria que a gente tivesse dezenas e dezenas de pessoas preparadas no PT para ser candidatas, mas o partido entende que nesse momento a minha candidatura é a melhor coisa que pode ajudar o Brasil, pode ajudar o PT e sobretudo pode ajudar o povo trabalhador brasileiro.

Portanto eu estou na expectativa, há um processo, há quem diga que a Justiça vai impedir que eu seja candidato. Eu não estou preocupado com isso, porque eu, antes de ser candidato, quero provar a minha inocência e quero que eles provem alguma acusação que estão fazendo contra mim. Não é a primeira vez na história da humanidade que os setores mais reacionários, os setores de direita, perseguem alguém. Depois não encontram nada e não pedem nem desculpas. Foi assim com Felipe González na Espanha quando ele deixou depois de 14 anos o governo da Espanha. Foi assim com outras pessoas e está sendo assim comigo e com Cristina Kirchner e vai ser com outros companheiros que ousaram governar em benefício, em favor do povo trabalhador, do povo mais pobre, do povo oprimido.

Então eu estou muito tranquilo com as eleições de 2018, acho que elas vão ser muito disputadas, vão ter muitos candidatos, vão ter muitos partidos políticos. Tem muita gente que acha que pode ser candidato, eu acho importante, quanto mais gente disputando, melhor. Quem sabe quanto mais gente tiver, mais o povo possa ter sorte de escolher o mais qualificado ou a mais qualificada para governar o Brasil.

As pesquisas preveem um segundo turno entre o senhor e o deputado Jair Bolsonaro. O senhor afirmou que Bolsonaro tem direito de ser candidato, mas alguns setores da esquerda pedem um enfrentamento ideológico mais forte com ele. O senhor está disposto a entrar nessa batalha com Bolsonaro?

Eu não escolho o candidato. Não está certo que o candidato será Bolsonaro ou serei eu no segundo turno. O que as pesquisas mostram é que se eu disputar com o Bolsonaro, eu ganho. Se eu disputar com o (governador de São Paulo, Geraldo) Alckmin, eu ganho, e se disputar com outro candidato, eu ganho. Isso é o que mostram as pesquisas de opinião pública. Mas ainda nem começou a campanha, é muito cedo para a gente ficar acreditando e trabalhando em cima só das pesquisas. Somente a partir de março do ano que vem é que vão se definir corretamente os candidatos, a convenção dos partidos será somente em junho do ano que vem, então é muito cedo. Não está certo quantas candidaturas vão ter ainda, portanto a gente não sabe quem vai para o segundo turno e nem quem vai ganhar as eleições. Vamos esperar para ver as pesquisas. Eu estou muito consciente de que nós do PT vamos apresentar a maior proposta, a melhor proposta. Com base no legado que nós deixamos neste país, a gente pode provar que não só é possível fazer o que nós já fizemos, mas é possível melhorar as condições do Brasil. As pessoas se esquecem que quando eu governava o Brasil, o Brasil sonhava em ser a quinta economia do mundo, nós chegamos a ser a sexta economia do mundo. Agora já somos a nona outra vez.

O Brasil tem um mercado interno muito forte, tem um mercado consumidor poderoso. Nós precisamos é ativar o nosso mercado interno, nós precisamos pensar como financiar pra essa gente poder consumir, poder comprar as coisas, como é que a gente pode incentivar o crescimento industrial neste país.

E aí nós temos uma coisa muito ligada. O Brasil precisa crescer do ponto de vista do desenvolvimento industrial. A indústria, para crescer, precisa de consumo. O consumidor precisa de crédito e financiamento. E quem pode fazer isso? É o Estado. Quando as pessoas falavam da dívida brasileira, eu queria dar um dado importante. Quando começou a crise em 2008 com a quebra do (banco) Lehman Brothers, a dívida pública americana era de 65% e hoje ela é de 110%. A do Brasil era menor, 34%, e ela está a 60 e poucos por cento. Ela é muito pequena diante da Alemanha, diante da França, diante do Japão, diante dos Estados Unidos, acho que até diante da Espanha a nossa dívida pública é pequena.

O problema nosso não é a dívida, o nosso problema é a capacidade de planejar investimentos para fazer a economia voltar a crescer. Na hora que a gente fizer a economia voltar a crescer, a dívida pública com relação ao PIB vai cair. Pra isso é preciso o PIB subir, e o PIB só vai crescer se houver investimento.

O senhor estaria disposto a fazer novamente a "Carta ao Povo Brasileiro", como a que o senhor fez em 2002 para acalmar o mercado financeiro?

Não. Eu agora pretendo fazer uma carta diferente da de 2002. Em 2002 eu fiz uma carta ao povo brasileiro direcionada ao mercado, assumindo compromissos da seriedade do meu governo. Eu já provei que responsabilidade fiscal eu tenho. Eu já provei que o Estado brasileiro só podia gastar aquilo que ele tinha, nós já fizemos. Eu já provei que ninguém precisa me dar palpite pra fazer superávit pagar minha dívida. Mas eu agora quero é fazer uma carta ao povo brasileiro, para o povo brasileiro. Eu agora quero falar com o povo brasileiro, eu quero falar com a classe média brasileira, eu quero falar com os trabalhadores, com os aposentados, com o pequeno produtor rural, com o microempreendedor individual, com os microempresários.

Eu quero falar com essa gente, porque nós precisamos discutir com a maior seriedade que o Brasil não pode ter uma economia baseada no rentismo, o Brasil não pode continuar com uma economia na qual quem paga imposto de renda são as pessoas que trabalham e têm a renda descontada no seu contracheque, no seu holerite. E que os ricos pagam muito pouco imposto se comparados aos pobres.

Então nós vamos fazer uma discussão diferente nesta campanha. Nós vamos discutir a regulamentação dos meios de comunicação neste país, não podem continuar do jeito que estão. É preciso democratizar os meios de comunicação no país. Facilitar que universidades, que sindicatos possam ter acesso aos meios de comunicação. Facilitar o direito de resposta, que aqui no Brasil é muito difícil, é muito complicado, e tentar evitar que nove famílias continuem mandando em toda a comunicação brasileira. A internet ajudou muito, ela democratizou um pouco, mas nós precisamos fazer muito mais.

Para mim, a educação é a coisa principal, porque eu não conheço na história da humanidade nenhum país que se desenvolveu sem investir em educação. Eu acho que nós precisamos fazer um investimento muito forte em educação. Para isso, nós precisamos discutir com a sociedade brasileira a revogação de algumas medidas que os golpistas tomaram. Por exemplo, a PEC, a emenda constitucional que limita os gastos por 20 anos.

Mas neste sentido precisaria do apoio do Congresso. E se o Congresso continuar conservador?

Nós vamos ter que trabalhar com o povo durante o processo eleitoral para convencer o povo que ele precisa melhorar a qualidade do Congresso para melhorar as conquistas que precisa.

PO senhor faria de novo uma aliança com a centro-direita?

A aliança você faz de acordo com o resultado eleitoral. Você pode até ganhar uma eleição sem fazer nenhuma aliança com partidos políticos. Agora, para governar, você precisa construir a maioria.

Nós temos um exemplo na Espanha, onde o governo teve dificuldade de construir a maioria. Nós tivemos um exemplo em Portugal, onde quem ganhou não conseguiu construir a maioria e os socialistas assumiram. Nós estamos vendo agora na Alemanha a Angela Merkel com um problema sério, porque ela ganhou as eleições, mas ela precisa construir a maioria e ela vai ter que fazer aliança com o SPD que ela não queria fazer, e o SPD não queria. Você vai fazer aliança em função do resultado eleitoral, não aliança para ganhar as eleições, mas aliança para governar e aí você pode fazer um acordo programático com algum partido político.

Incluindo o PMDB?

Primeiro nós temos que esperar o resultado eleitoral para não ficar carimbando nenhum partido ou negando qualquer partido político. Quando as eleições terminarem, você vai ver qual partido elegeu deputados, quantos elegeram e qual é a força de cada um no Congresso e com quem você precisa fazer aliança. As pessoas que dizem que não vão fazer aliança nenhuma, simplesmente não vão governar. Como eu já fui governo, como eu sei o que é isso e sei como é que o mundo funciona, a gente vai ter que trabalhar. Eu, por exemplo, não preciso de aliança para ganhar as eleições. Normalmente as pessoas fazem aliança porque precisam de tempo de televisão, porque o candidato tem que ficar conhecido. Eu não preciso disso, agora eu tenho consciência que, para governar sozinho, eu precisava eleger mais de 340 deputados e mais de 53 senadores da República. Se isso for possível... Eu conto sempre a seguinte história: o ideal seria que um partido político ganhasse as eleições, elegesse o presidente, os deputados e o Senado, todo mundo dele. Isso é impossível. O segundo melhor seria você eleger como seus aliados pelos setores de esquerda, progressistas, a maioria para governar. Isso também é difícil. Então, na verdade, você vai fazer aliança com quem disputou as eleições e com quem ganhou. Quando tiver o resultado final, você vai ver com quem você vai conversar.

O senhor acha que o Brasil está mais conservador?

Eu não acho que o Brasil está mais conservador, o mundo está mais conservador. Há um conservadorismo no mundo inteiro. Você olha nos Estados Unidos, a eleição do (presidente Donald) Trump é uma demonstração de conservadorismo total. Em outros países do mundo, os setores mais progressistas de esquerda foram negados. As pessoas negaram os valores que a esquerda construiu durante 50 anos. Veja um conservadorismo contra a imigração. O pessoal da África está tendo dificuldades para ir à Europa porque ninguém quer pobre. Há conservadorismo, há muita falta de liderança no mundo.

Eu, por exemplo, na Espanha sou muito simpático ao PSOE, mas eu fico feliz quando aparece uma novidade como o Podemos, com um novo discurso. Eu sou muito simpático ao SPD na Alemanha, mas eu fico feliz quando surgem outras forças de esquerda disputando as eleições. Os meus amigos socialistas perderam as eleições na França, surgiu o Macron, que ainda é uma tese, porque ainda não tem uma praticidade de governo, mas consegue ganhar as eleições de forma diferente. De forma que o mundo está exigindo novas propostas, exigindo novos candidatos, novos partidos, um novo jeito de governar, e é nesse aspecto que eu acho que o PT pode ganhar as eleições no Brasil. Porque o PT é o melhor partido que existe no Brasil, é o maior partido e é o que tem a melhor prática de governança.

Se o senhor não se candidatar, o PT tem uma alternativa?

Eu não discuto isso. Sabe por que? Se eu discutir isso, quem pegar a nossa entrevista vai fazer a manchete 'Lula admite não ser candidato'.

Eu quero ser candidato, vou brigar para ser candidato por uma única razão: é porque eu acho que eu tenho condições de juntar o que existe de melhor neste país para fazer o Brasil voltar a crescer, para fazer o Brasil voltar a gerar emprego, para começar a discutir a distribuição de riqueza neste país.

Para voltar a fazer investimento em educação, para fazer com que o Brasil volte a ser respeitado no mundo. Eu já fiz isso uma vez e tenho condições de montar um time com a sociedade brasileira para a gente reconstruir a autoestima do povo brasileiro. É por isso que não discuto alternativas ou um plano B, ou seja, eu quero ser candidato. Quem quiser impedir que eu seja candidato que impeça, mas eu vou continuar sendo candidato, porque acho que eu tenho condições de juntar os brasileiros que querem reconstruir o país.


O senhor, voltando atrás, qual acha que foi o maior erro político no seu governo?

Tudo o que não consegui fazer pode ter sido um erro político. Eu na verdade poderia ter feito uma reforma tributária, eu não consegui fazer apesar de ter mandado duas propostas ao Congresso Nacional. A última proposta de reforma tributária que eu mandei em 2007 tinha um acordo de todos os governadores, dos empresários e do movimento sindical. Quando ela chegou ao Congresso Nacional, ela não andou. Eu poderia ter começado a fazer a regulação dos meios de comunicação. Fiz a proposta e não dei entrada, portanto depois que eu saí ela também não andou. Eu acho que a gente poderia ter evoluído mais nas questões sociais, nós poderíamos ter feito um pouco mais, e é por isso que eu pretendo voltar, para fazer aquilo que não fiz.

 Qual seria a primeira coisa que o senhor faria se voltasse ao Planalto?

A primeira coisa é tomar posse. Aí depois que tomar posse, você vai montar um governo e depois começar a governar. Não tem primeira coisa. Quando fui eleito, em 2002, e eu tomei posse, eu em janeiro fui a Davos (na Suíça), e quando voltei, peguei todo o meu governo, coloquei no avião e levei todos os ministros para conhecer as áreas mais pobres do Brasil, para eles saberem que a gente não tinha que governar para Brasília, a gente tinha que governar para o Brasil. E governar para gente que jamais foi a Brasília, que não conhecia Brasília, que não conhecia os ministros.

E eu pretendo, ganhando as eleições e tomando posse, eu pretendo começar a reunir a sociedade. Fazer as conferências para definir claramente quais são as prioridades que a gente vai adotar no mandato. Obviamente que a primeira coisa é tentar aprovar um referendo revogatório para que a gente possa governar o Brasil.

Na caravana por Minas Gerais o senhor disse que está perdoando os golpistas. É um perdão político? O senhor está perdoando Temer, Cunha e os outros líderes do PMDB ou os cidadãos?

Não. O que eu estou perdoando é que os golpistas não fizeram o golpe apenas porque eles quiseram, eles tiveram o apoio de uma parcela da sociedade.

Essa gente que foi para a rua, essa gente que bateu panelas. Essa gente são eleitores brasileiros que nós precisamos respeitar.

Essas pessoas não são inimigas porque num determinado momento foram contra a gente. É importante lembrar que quando eu deixei a presidência da República, em 2010, eu tinha 80% de "bom e ótimo" em São Paulo. É possível lembrar que a gente pode conquistar de volta essa gente para um projeto para o Brasil.

Depois de um ano em que a esquerda repetiu o discurso do golpe e de Temer golpista, o senhor acredita que a militância está preparada para perdoar?

As pessoas não vão perdoar o golpe nunca, nem ninguém deve perdoar o golpe. O golpe foi praticamente rasgar a nossa Constituição, foi desrespeitar 54 milhões de eleitores que votaram na Dilma. Agora, você teve um país dividido, em que metade da população ficou nervosa e achava que os golpistas iriam resolver o problema do Brasil. Você não pode ficar brigando com o povo a vida inteira. É preciso que você tenha um discurso para a sociedade brasileira que possa não apenas atender aos interesses daquelas pessoas que gostam do PT, que votaram na Dilma, que votaram no Lula, mas também que atendam os interesses e as expectativas daqueles que não votaram na gente.

Quem for candidato vai ter que trabalhar assim para tentar ganhar o maior número de votos possíveis, porque somente assim se pode ganhar as eleições.

As eleições de 2014 já mostraram que o Brasil estava bastante polarizado em alguns momentos. Agora também parece que vai por esse caminho. Como o senhor vê essa polarização no Brasil e em torno da sua figura?

Toda vez que nós disputamos eleições aqui no Brasil, elas foram divididas. Em 2002, quando eu ganhei as eleições (para a presidência), no primeiro turno eu tive 49%, e o segunda teve 46% ou 47%. Em 2006, no primeiro turno, foi a mesma coisa, em 2010 foi a mesma coisa. Por isso que é importante eleições em dois turnos. No primeiro turno você faz a disputa, e no segundo turno você faz as alianças políticas com os partidos. Em 2006 eu fui pra 62%, em 2002 eu fui para 61%, quase 62%. Então você constroi a maioria no processo eleitoral.

Como é a eleição na Espanha? Como é a eleição na Alemanha? Como é a eleição nos Estados Unidos? Toda eleição com mais de um candidato é polarizada, somente na China que o presidente ganha com 100% dos votos. Mas na democracia, onde tem dois candidatos ou três candidatos, ela sempre será polarizada. Eu, sinceramente, acho que há uma tentativa de mostrar o resultado de um embate democrático como se fosse uma polarização, como se fosse um confronto da sociedade, e não. Você vai para a disputa, o que é importante é que quem perder, respeite. Eu respeitei 89, eu respeitei 94, eu respeitei 98. Perdi as eleições e não fui para a rua contestar, não fui para a rua protestar. Eu fui esperar quatro anos para concorrer outra vez. Então você vai para uma disputa. Se o PT ganhar, quem perder vai ter que esperar quatro anos. Se o PT perder e outro ganhar, o PT vai ter que aprender a esperar quatro anos. É assim que se exerce a democracia, fora disso é autoritarismo.

Nos últimos meses houve uma onda de crescimento da centro-direita na América Latina. Como o senhor vê o momento da esquerda na região?

A eleição do Chile é a primeira depois do Equador em que há confrontação entre os setores conservadores e os setores mais à esquerda. Vamos ser francos, a esquerda ganhou no Equador. O Piñera achava que ia ganhar no primeiro turno (no Chile), e a esquerda, somada, ganhou as eleições, teve mais votos. Se eles souberem se organizar, se juntarem agora e disputar, eles poderão ganhar as eleições no Chile também. Vamos ter eleições no Brasil e nós vamos ver como vai ficar, vamos ver como é que vai ficar a sucessão de Tabaré (Vásquez) no Uruguai, vamos ver como é que vai ser a eleição para presidente na Argentina. Eu acho que muita coisa vai mudar. O Maduro acaba de ter uma vitória contra todos os prognósticos da direita no mundo. Na Colômbia, o Santos, contra os setores mais reacionários da Colômbia, conseguiu fazer um extraordinário acordo de paz com as Farc, eu acho isso uma coisa muito boa. Eu acho que a esquerda tem muitas condições, a esquerda e os setores progressistas democráticos têm muitas condições de voltar a ganhar as eleições na América Latina. E no Brasil, se ganhar aqui, nós temos condições de influenciar muita gente na América Latina.

No caso de ganhar as próximas eleições e governar, como o senhor conseguiria implantar medidas contra a corrupção com processos que ainda estão para serem resolvidos?

Veja que engraçado. Todas as medidas de combate à corrupção que estão sendo colocadas em prática agora foram colocadas em prática e aprovadas no governo Lula e no governo Dilma. Quem fortaleceu os mecanismos de combate à corrupção foi exatamente o PT. E fazemos isso porque entendemos que a corrupção tem que ser combatida e ladrão tem que ser preso, por isso é que eu não sou contra a Lava Jato por ser contra a Lava Jato. Eu sou contra a subordinação da Lava Jato aos meios de comunicação. Eu sou contra a condenação pelas manchetes dos jornais de alguém que ainda não foi nem julgado. Eu sou contra que as pessoas sejam presas e forçadas a fazer delações. E já tem gente presa há três ou quatro anos para fazer delações. Estou desafiando todo santo dia a Polícia Federal, estou desafiando o Ministério Público e estou desafiando o juiz (Sérgio) Moro a mostrar uma única prova contra mim. No processo do triplex, pelo qual fui condenado, quando nós fizemos o recurso, o Moro reconhece que não é meu o apartamento e reconhece que não tem dinheiro de propina. Mesmo assim, ele não teve coragem de me absolver, porque ele está prisioneiro dos meios de comunicação.

Eu acho que um juiz que julga uma pessoa em função das manchetes dos jornais, não é muito esperto, porque um juiz deve julgar baseado nos autos do processo. É por isso que tem testemunhas, é por isso que a Polícia Federal investiga. Na hora em que você encontra uma prova, você mostra.

Vou te dar um exemplo. A Polícia Federal foi na casa de muita gente, encontrou dólar, encontrou ouro, encontrou euro, encontrou um monte de coisas. Foi na minha casa, foi na casa de quatro filhos meus, foi na casa de diretores do Instituto (Lula), foi na casa de funcionários do instituto. Cada policial com uma máquina fotográfica pendurada no pescoço e não encontraram nada. Por que não tiveram coragem de dizer para a opinião pública que não encontraram nada? Por que ficaram em silêncio? Quando eles encontram, eles mostram, fazem um carnaval, quando eles não encontram, deveriam pedir desculpas diante da imprensa, pedir desculpas a mim, pedir desculpas aos meus filhos, pedir desculpas à opinião brasileira. Porque se essa gente está acostumada a lidar com políticos que roubaram, eles vão lidar com um político que não roubou. Eu só quero que eles me peçam desculpas, ou que mostrem uma prova. Eu já estou há três anos sendo perseguido, não são três dias. São três anos, já quebraram o meu sigilo telefônico, o meu sigilo bancário, já colocaram na televisão fala com a minha mulher, fala com a Dilma.

Está na hora de eles mostrarem um dólar. Está na hora de eles mostrarem uma barra de ouro. Está na hora de eles mostrarem uma conta na Suíça, ou nas ilhas Cayman, ou seja lá onde. Eu fico na expectativa que essa gente seja séria, se eles não estão acostumados a lidar com gente séria, eu quero que eles saibam que retidão de comportamento, dignidade e direito à honra, não precisa ter dinheiro. Dignidade eu tenho muita e aprendi isso com uma mãe analfabeta, de quem eu tenho muito orgulho.

O senhor tomará novas medidas contra a corrupção?

Nós já tomamos todas as medidas. Tudo o que está acontecendo é por nossa causa. Nós é que criamos as leis, nós é que fizemos o mecanismo de apuração O que eu acho é que todas as pessoas são inocentes até que provem o contrário. Você só pode prender uma pessoa se você tiver prova de que aquela pessoa roubou, aí você prende, mas se você não tiver prova, essa pessoa é inocente.

Veja que engraçado. O juiz Moro, ele foi acusado pelo empresário que está em Madri. O que ele disse? Não é possível que alguém esteja sendo acusado de criminoso possa servir como prova de acusação. Olha, por que ele pega as pessoas que estão sendo acusadas, prende e quer que a delação dessas pessoas tenha validade?

Ou seja, então na verdade eu quero construir um Estado de Direito democrático neste país. O senhor Moro tem todo o direito de julgar quem ele quiser com base nos autos dos processos, com base nas provas. Eu vou te dar um exemplo: no meu depoimento no processo do triplex, nós levamos 87 testemunhas, 87. Parece que não levamos nenhuma, porque não deram a menor bola. O (Deltan) Dallagnol, que é o procurador que fez a acusação, que é o procurador que inventou a história do (arquivo de) PowerPoint que você deve conhecer, não compareceu em nenhuma audiência. Ele prefere dar entrevista na 'Globo', dar entrevista no 'Estadão', escrever livro, do que ir prestar depoimento para reparar as bobagens e as besteiras que ele escreveu naquele PowerPoint. Então se eles acharam que eu ia ficar com medo, eles sabem que eu não estou com medo e vou continuar combatendo a corrupção com respeito à Constituição.

Além do Lula político, como está se sentindo o Lula pai, o Lula avô, o marido que há um ano perdeu um pilar fundamental da sua vida como é dona Marisa?

Eu acho que essa pergunta não poderia ser feita para mim. Essa pergunta deveria ser feita para os meus filhos, porque eu não vou falar bem de mim, que sou um bom pai. Eu fui casado com a Marisa 43 anos. Eu conheço casais que não conseguiram conviver um ano, outros uma semana. Eu fiquei 43 anos casado com dona Marisa, sabe, e eu tive um casamento muito sólido. Eu tenho cinco filhos e não sei se eles têm algumas queixas de mim, devem ter, mas aí paciência. Eu acho que todo filho pode em algum momento reclamar do pai.

Mas eu acho que a minha relação com os meus filhos é amplamente saudável. Eu sou uma pessoa que gosta de ficar em casa, quando eu tenho tempo de ficar em casa, não gosto de sair muito. Gosto de construir amizades, sou um homem de muitos amigos, gosto de tratá-los bem, e por isso há uma reciprocidade, eu sou bem tratado pelas pessoas. Me sinto prazerosamente feliz com o que eu consegui ser até agora. Não sei se vou melhorar ou se vou piorar, mas acho que ninguém consegue sobreviver na política se não for um construtor de amizades, um construtor de boas relações, é isso o que eu faço: eu trato as pessoas bem, e as pessoas me tratam bem.

Eu gosto de respeitar as pessoas e gosto que as pessoas me respeitem. É assim que eu levo minha vida. É assim que eu fui respeitado no mundo, foi assim que eu tratei o (ex-presidente do governo espanhol José María) Aznar, foi assim que eu tratei (o ex-presidente do governo espanhol) Felipe González, foi assim que eu tratei o atual primeiro-ministro, foi assim que eu me relacionei com (o ex-presidente dos EUA, George W.) Bush, com (o também ex-presidente americano Barack) Obama. Eu não sei fazer política sem tocar as pessoas, sem abraçar as pessoas, porque eu acho que a relação humana é uma coisa química, não é uma coisa que a gente resolve com e-mail, tem que olhar no olho. Eu às vezes colocava a mão na cabeça do (ex-presidente da China) Hu Jintao, a minha diplomacia não gostava, eu colocava a mão nas pernas, sabe? Mas eu sou assim, e eu espero viver muito tempo para continuar tentando construir um mundo melhor. Eu acredito com a mesma fé com que eu acredito em Deus, eu acho que o Brasil não merece passar por isso pelo que está passando.

O Brasil é muito grande, o Brasil tem um poder econômico extraordinário, o Brasil tem um mercado consumidor extraordinário, é apenas necessário fazer com que o dinheiro circule na mão de muita gente, e não na mão de pouca. Quando o governo consegue fazer com que US$ 50 cheguem na mão de uma pessoa pobre, esse dinheiro volta pro mercado uma hora depois. Esse dinheiro se transforma num alimento, se transforma num sapato, se transforma num litro de leite. Quando você dá 1 bilhão para um rico, aquilo se transforma numa conta bancária, e a pessoa vai ganhar dinheiro especulando financeiramente. Nós queremos acabar com isso. Nós queremos acabar com a especulação. Quem quiser ganhar dinheiro vai investir no setor produtivo. Queremos recuperar a Petrobras, queremos recuperar a indústria naval. Porque essa gente só sabe vender, vender, vender.

É como se um cara casasse, ficasse desempregado e em vez de procurar outro emprego, falasse para a mulher "Vamos vender a geladeira? Vamos vender a televisão? Vamos vender a cama? Vamos vender o sofá?". Vai trabalhar, vagabundo, por que você tem que vender tudo? Aqui, em vez de fazer investimentos e gerar emprego e gerar riqueza, eles vão vendendo as coisas que não são deles, e vão vendendo sem consultar o povo.

Construíram uma maioria fascista no Congresso Nacional e acham que podem se desfazer do Brasil. Então é isso que nós queremos mudar. Eu quero fazer uma campanha muito verdadeira, eu quero olhar na cara do povo e dizer: se você quiser que esse país seja um país soberano, se você quiser que esse país seja um país respeitado, se você quiser que esse país volte a crescer, volte a distribuir riqueza e renda, que esse país volte a investir em educação, na cultura, em ciência e tecnologia, você precisa escolher qual é o deputado em quem você vai votar e qual é o partido no qual você vai votar. Porque depois não adianta reclamar.

Como o senhor está vendo o processo de independência da Catalunha?
 

Vejo com certa tristeza o clima de nervosismo. Eu até compreendo que tem contenciosos históricos na disputa pela separação. Se pudesse opinar, se eu fosse espanhol, eu seria contra a separação. A Espanha já é tão pequena, ou seja, ela vai ficar menor ainda. Eu dei uma entrevista para o jornal 'El Mundo' e eu até falei com o rei Felipe pela entrevista. Ele não deveria tomar posição contrária, como ele tomou, dura, como ele tomou, porque ele teria que ser o mediador. Tem que ter alguém para conversar entre as partes, para não deixar as pessoas ficarem nervosas. Alguém tem que conversar, e quem melhor do que um rei para fazer isso?

Sinceramente, eu acho que os espanhóis têm maturidade histórica para, em torno de uma mesa, encontrar aquilo que é melhor e também saber o que vai acontece na União Europeia.

No mundo que nós estamos vivendo hoje, nós estamos precisando de harmonia, de paz e não de guerra. Eu gosto tanto da Espanha, eu acho a Espanha tão bonita, eu gosto tanto de Barcelona. Por qual (campeonato de futebol) o Barcelona vai jogar se houver separação? Barcelona e Espanyol, só? Não vai ter mais rivalidade?

Concorda com a prisão dos líderes do processo independentista?

Eu acho que não é preciso ter ninguém preso para isso. É preciso se sentar numa mesa e dialogar. A Espanha é um país civilizado, é um país com renda por capita de US$ 30 mil, não precisa ser um país incivilizado. O conselho que eu dou aos espanhóis é sentar em torno de uma mesa e encontrar uma solução negociada para que a Espanha viva em paz.