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Bruno Covas diz que isolamento social poupou vidas e lamenta queda em adesão

Bruno Covas, prefeito de São Paulo - ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Bruno Covas, prefeito de São Paulo Imagem: ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Antonio Torres del Cerro

Da EFE, em São Paulo

17/04/2020 14h08

Enquanto enfrenta uma batalha particular contra um câncer agressivo, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), tenta evitar que a cidade sofra ainda mais os efeitos da pandemia do novo coronavírus e lamenta que a adesão da população às medidas de isolamento social tenha diminuído de 60% para cerca de 50%.

Em entrevista concedida à agência Efe na sede da prefeitura, que além de local de trabalho virou sua moradia, Covas, que recentemente completou 40 anos, afirmou que o confinamento evitou um número de mortes "dez vezes" maior na capital paulista.

"Ficar em casa não é apenas uma questão de higiene, é um ato humanitário", disse.

Covas também criticou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por não estar "do lado da ciência" no combate à covid-19 e de estar "politizando, partidarizando a questão".

"O vírus não é de esquerda ou direita, ele existe e precisa ser combatido. Pra mim seria muito mais fácil não fazer nada, só apoiar a economia, dizer que está tudo bem, mas isso teria uma consequência", declarou.

O prefeito afirmou ainda que não pretende impor multas a quem descumprir o isolamento social, mas não descarta a possibilidade, dependendo do cenário futuro.

"É um sacrifício que a gente tem visto a população fazer, ter que fechar grande parte do comércio de bens e serviços da cidade de São Paulo, mas, se for o caso, outras medidas vão ser tomadas",disse.

São Paulo é o epicentro da pandemia do novo coronavírus no Brasil, com 8.024 casos confirmados de infecção e 563 mortes por covid-19.

Confira a entrevista

A curva de contágios em São Paulo não está tão acentuada como se esperava. Qual prognóstico de infecções pelo coronavírus a prefeitura tem até maio?

Se não tivéssemos tido a contenção da circulação de pessoas que tivemos na cidade de São Paulo, a gente teria dez vezes o número de mortes e dez vezes o número de pessoas infectadas. Tudo o que acontece amanhã, depois de amanhã e semana que vem depende não só do número de leitos, mas também das pessoas colaborarem e ficarem em casa. Há várias curvas, você pode escolher a que quiser, mas vai depender um pouco da colaboração da população em relação a isso.

A colaboração da população está indo bem?

Ainda está abaixo do esperado. A gente achava que (a taxa de isolamento social) chegaria a 60%, mas tem variado em torno de 50%. É por isso que todos os dias estamos mantendo o discurso de convencer as pessoas de que ficar em casa não é apenas uma questão de higiene, é um ato humanitário, um ato de respeito ao próximo. O ideal é que ela volte a 60%, como já chegou a ficar na cidade de São Paulo.

Como foi feito em países como a Espanha, o senhor considera utilizar hotéis de quatro, cinco estrelas para o atendimento a pacientes com sintomas mais leves de covid-19?

Ainda não chegamos nessa situação, pois abrimos 2.100 leitos para fazer esse tipo de acompanhamento. O hotel não é ideal por causa dos carpetes e outras complicações, mas, se houver necessidade, já temos mapeado esses hotéis na cidade de São Paulo para isso.

Multas para quem descumprir o isolamento são uma opção viável, como ocorreu na Espanha e na Itália?

Estamos falando de um país muito mais pobre do que a Itália, não adianta ter medidas punitivas que depois não vão ter consequência nenhuma. Claro, quando chegar um determinado e for necessário, nós vamos implementar. Eu não gostaria de ter sido o prefeito que agora tem no currículo ter fechado o parque do Ibirapuera, mas fui orientado pela equipe médica que deveria fazer. Então é claro que cada vez você tem outras medidas ainda mais restritivas e mais impopulares, mas que precisam ser tomadas caso a equipe médica assim recomende. Já é um sacrifício que a gente tem visto a população fazer, ter que fechar grande parte do comércio de bens e serviços da cidade de São Paulo, mas, se for o caso, outras medidas vão ser tomadas.

Moradores de grandes comunidades, como Paraisópolis (100 mil habitantes) contrataram médicos, pois alegam que os serviços públicos não chegam lá. Como o senhor vê essa situação?

A rede pública chega lá, eles estão contratando para incrementar. Temos um trabalho do PSF (Programa de Saúde da Família) que faz visitas de casa em casa nas comunidades mais carentes. Hoje já temos um trabalho que é feito lá e neste momento eles (moradores) estão ajudando aumentar isso. Nós não temos apenas o FSP em Paraisópolis, como também equipamentos da Secretaria Municipal de Saúde, que são 1.000 espalhados por toda a cidade de São Paulo.

Existe um receio de que muitas pessoas que saíram da pobreza e chegaram à classe C na cidade de São Paulo voltem ao patamar anterior? A prefeitura tem uma estimativa do que pode acontecer nos próximos meses?

Hoje a perspectiva é de uma retração de 4% no PIB brasileiro. Isso significa mais desemprego, mais pessoas como moradoras de rua, mais pessoas dependentes do SUS, mais pessoas dependentes do sistema público de educação, claro que isso vai ter uma consequência econômica muito grande. Estamos tentando ao máximo manter as pessoas trabalhando, só que, na prefeitura de São Paulo, são 108 mil terceirizados que, embora os serviços estejam parados, a gente conseguiu uma autorização legislativa para continuar a pagar as empresas terceirizadas para que elas possam continuar a pagar os salários dessas pessoas. Só nesse trabalho são R$ 375 milhões que a gente está gastando por mês para não deixar o tecido social se desgastar ainda mais nessa crise.

As pessoas querem desconto nos impostos nesse momento de crise, mas querem mais serviços públicos. Essa conta não fecha. A gente tem também o trabalho de ter que lidar com um orçamento que no final do ano precisa ficar equilibrado.

Quanto tempo as contas da prefeitura aguentam com a quarentena?

A nossa perspectiva é que a prefeitura consegue aguentar, sem ter que parar obras, sem ter que buscar outras alternativas, até o fim do primeiro semestre. Mas, só para esclarecer, não é que a prefeitura quer que a quarentena vá até junho.

O senhor promove o isolamento da população, mas tem sido criticado por participar de atos com muitas pessoas. Como encara essas críticas?

Se eu não estivesse verificando as obras em hospitais, as pessoas ficariam perguntando onde o prefeito estaria em um momento como esse. A gente tem que pensar não apenas na minha saúde, mas na saúde de 12 milhões de pessoas, que nessa hora precisam de alguém para liderar a cidade que é o epicentro da pandemia no país. Eu a todo momento verifico como está a minha imunidade, verifico se estou com coronavírus ou não. Em nenhum momento eu ofereci risco a outras pessoas.

O senhor está passando por um momento complicado de saúde. Como tem sido o seu dia a dia?

Estou morando na prefeitura, passo praticamente o dia inteiro aqui, a não ser quando tenho uma reunião no Palácio dos Bandeirantes com o governador (João Doria) ou uma agenda da área da saúde, verificar as obras em hospitais. Também vou ao supermercado para poder comprar comida e trazer pra cá. Acho que é uma questão grave, séria, não dá pra deixar de lado, e é bom até para o meu tratamento. Quanto mais a gente deixa a cabeça ocupada, melhor.

Continua o tratamento normalmente?

Continuo o tratamento, na semana passada fiz a terceira sessão de imunoterapia, já fiz oito sessões de quimioterapia. Estas oito sessões fizeram sumir dois dos três tumores, sobrou um, e agora comecei a imunoterapia depois de três semanas desta terceira sessão. Daqui a duas semanas devo fazer uma nova bateria de exames para avaliar os efeitos da imunoterapia.

O mais fácil teria sido o senhor se resguardar e cuidar de sua saúde em primeiro lugar?

Tenho uma responsabilidade, até o momento eu não tive que escolher entre essa responsabilidade e a minha saúde, porque a todo instante eu falo com os meus médicos, que me autorizam a ter a agenda que tenho, em nenhum momento fiz nada escondido dos meus médicos ou algo que pudesse ser contra o meu tratamento (...) faço o que todo mundo tem que fazer, uso máscara, evito aglomerações, lavo as mãos, uso álcool em gel.

Como o senhor vê a atuação do presidente Jair Bolsonaro nesta crise?

Acho que ele não está do lado da ciência, da Organização Mundial da Saúde (OMS), dos especialistas e está politizando, partidarizando a questão. O vírus não é de esquerda ou direita, ele existe e precisa ser combatido. Pra mim seria muito mais fácil não fazer nada, só apoiar a economia, dizer que está tudo bem, mas isso teria uma consequência.