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Violência do Rio nos anos 90 foi cenário de crimes do Vampiro de Niterói

Diego Toledo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

05/08/2020 04h00

A violência costuma ser um problema em grandes centros urbanos, mas, no Rio de Janeiro, a década de 1990 foi um marco. Os números refletiram um aspecto dramático: o aumento dos assassinatos de crianças e adolescentes.

Os anos 90 registraram os maiores picos das taxas de homicídios no estado, de acordo com o Atlas da Violência, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). O recorde histórico é de 1995, quando o índice foi de 61,81 homicídios para cada 100 mil habitantes. Nas últimas décadas, a taxa caiu e passou a ficar abaixo de 40.

Os crimes contra menores de idade, em especial aqueles em situação vulnerável, que viviam em favelas ou nas ruas do Rio, ficaram evidentes ao longo dos anos 90. Entre os casos emblemáticos, a Chacina da Candelária, em 1993, e os assassinatos cometidos pelo Vampiro de Niterói, em 1991, foram episódios de violência contra crianças e adolescentes que causaram comoção em todo o país.

Na Candelária, em julho de 1993, policiais fora de serviço mataram oito crianças e jovens com idades entre 11 e 19 anos nas ruas do centro do Rio. Um mês depois, em agosto de 1993, outra chacina reforçou a sensação de que a cidade vivia o início de uma fase de violência sem precedentes: 21 moradores da favela de Vigário Geral, na zona norte da cidade, foram assassinados por homens encapuzados e armados. Assim como na Candelária, os criminosos eram policiais fora de serviço.

O perfil das vítimas da Candelária, menores em situação de rua ou sujeitos à vulnerabilidade social, era parecido com o dos mortos por Marcelo Costa de Andrade, que confessou, em 1991, ter assassinado mais de dez meninos naquele ano. Ele dizia que bebia o sangue de suas vítimas e, por isso, ficou conhecido como o "Vampiro de Niterói".

A história dos crimes de Marcelo Costa de Andrade é o tema da série em seis episódios "O Vampiro de Niterói", que será lançada na próxima quinta-feira (6) pela MOV, a produtora de vídeos do UOL.

Falta de sistema de inteligência fez com que criminoso continuasse à solta

Apesar de a polícia ter encontrado pelo menos oito corpos ligados aos crimes atribuídos a Marcelo, apenas três casos foram a júri popular. Um laudo apontou que ele tinha problemas mentais e não era inteiramente capaz de entender a gravidade dos crimes que cometeu.

Marcelo foi, então, considerado inimputável pela Justiça, que determinou que ele fosse internado, por tempo indeterminado, em um hospital de custódia para tratamento psiquiátrico.

"O contexto do Rio nos anos 90 nos serviu de base para mergulhar nessa situação específica, pois ainda vivemos um momento de crise na segurança pública e sentimos que havia paralelos que deviam ser apontados", afirmam Renata Spitz e Mariana Ramos, diretoras e roteiristas da série.

Além da vulnerabilidade social das vítimas que Marcelo abordava e seduzia, com ofertas de dinheiro e comida, a falta de um serviço de inteligência integrado na polícia ajudou o criminoso a permanecer em liberdade por tempo suficiente para cometer mais crimes.

"Quando o primeiro corpo foi encontrado, não havia uma centralização de informação. A polícia fazia o registro, mas isso ficava ao Deus dará", afirma Carlos Augusto Ponce Leon, detetive que atuou na investigação policial. "Ninguém sabia que, nas delegacias vizinhas, tinha uma criança desaparecida ou um corpo encontrado, porque não havia integração de dados."

"Isso é uma deficiência grave de investigação", aponta o jornalista Sérgio Torres, que trabalhava no jornal Folha de S.Paulo na época. "Em nenhum momento quem investigou o crime cruzou as características de atuação do criminoso. Se tivessem cruzado, talvez surgisse a suspeita de que havia um cara só praticando aquela série de crimes."

Dos anos 90 para cá, pesquisadora vê 'banalização da violência'

A professora de psicologia social e jurídica da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Hebe Signorini Gonçalves considera que os casos mais marcantes de violência nos anos 90 foram "eventos mais isolados". Mas, na avaliação dela, ao longo das décadas seguintes, a adoção no Rio de uma política mais agressiva de combate à criminalidade, em especial nas comunidades mais pobres, contribuiu para uma banalização da violência.

"O que marcou tanto Vigário Geral como a Chacina da Candelária foram ações milicianas. A gente não chamava assim naquela época, mas hoje a gente chama", avalia a professora da UFRJ. "Foi algo organizado por grupos de extermínio, como se chamava na época, que promoveram essas chacinas localizadas."

"Mas não havia a intensidade, a frequência e, sobretudo, a banalização que a gente encontra hoje", acrescenta Signorini. "Hoje, a gente assiste a um outro nível de escalada, em que as mortes acontecem a conta-gotas. O somatório disso termina sendo muito mais significativo do que aquilo que a gente tinha na época."