Topo

Muçulmanos sitiados enfrentam assassinato e fome na República Centro-Africana

Emmanuel Braun

Em Boda (República Centro-Africana)

18/04/2014 20h23

Em épocas normais, as frágeis pontes de madeira de cada lado da principal rua de terra vermelha de Boda seriam o caminho para lojas e um movimentado mercado na cidade mineradora de diamantes da República Centro-Africana.

Hoje em dia, elas marcam a tênue linha entre vida e morte para centenas de muçulmanos que vivem sitiados, cercados por combatentes cristãos milicianos "anti-balaka" empenhados em expulsar a população islâmica do país.

"Vivemos em uma prisão", disse Adou Kone, um alfaiate. "Está tudo bloqueado, nada entra. Está muito caro comprar comida... Nossa vida está em um ponto crítico."

Boda ilustra o caos que tomou conta da República Centro-Africana desde o fim de 2012, quando uma batalha pelo poder político se transformou em confrontos entre muçulmanos e cristãos, forçando cerca de um milhão de pessoas a sair de suas casas.

Se atravessarem qualquer ponte, os muçulmanos de Boda dizem que serão mortos, como milhares de outras vítimas da violência, olho por olho, que continua, apesar da chegada das forças de paz francesas e africanas.

Bandeiras francesas estão penduradas em alguns barracos, e veículos blindados franceses patrulham esporadicamente a cidade, 115 quilômetros a oeste da capital, Bangui. No bairro muçulmano, uma faixa elogia as tropas francesas - um reconhecimento de que a situação estaria muito pior sem a sua presença.

A crise terminou subitamente uma orgulhosa história de muçulmanos vivendo em harmonia ao lado de uma população majoritariamente cristã e gerou alertas de genocídio na antiga colônia francesa.

"Podemos esperar dez anos para que eles saiam --e se eles não saírem, mesmo assim estaremos lá, mantendo nossas posições", disse o capitão Dopani Firmin, líder "anti-balaka" em Boda, vestindo uma camisa vermelha do time de futebol Paris Saint Germain.

"Não podemos aceitar viver junto com os muçulmanos em longo prazo", disse Firmin. "É nosso direito matar muçulmanos."

Em um sinal da crescente violência sectária, combatentes do grupo rebelde muçulmano Seleka mataram a tiros o padre da cidade de Paoua, disse uma autoridade da Igreja em Bangui nesta sexta-feira. O ataque aconteceu dois dias depois que homens armados do Seleka sequestraram o bispo da cidade de Bossangoa.

Virtualmente todos os muçulmanos fugiram de Bangui desde que os Seleka, que tomaram o poder em março de 2013, foram forçados a se retirar em janeiro. Desde então, a ONU (Organização das Nações Unidas) denunciou uma "limpeza" de muçulmanos no oeste do país.

Neste mês, o Conselho de Segurança da ONU autorizou o envio de uma missão de paz com mais de 12.000 pessoas, que chegará em setembro, reconhecendo que os 6.000 soldados das forças de paz da África e os mais de 2.000 militares da França não conseguiram fazer valer sua autoridade no país.