Dilma tenta melhorar laços com os EUA, mas visita de Estado é incerta

Anthony Boadle

Em Brasília

  • Por Anthony Boadle

A presidente Dilma Rousseff, que cancelou uma visita à Casa Branca no ano passado irritada com as revelações sobre a espionagem dos Estados Unidos, deseja agora melhorar os laços e remarcar uma visita de Estado, mas algumas autoridades norte-americanas alertaram que pode não ser tão simples assim.

Um debate em Washington sobre a possibilidade de se fazer um novo convite a Dilma reflete as persistentes diferenças diplomáticas entre as duas maiores economias das Américas, que há muito tempo têm diferenças filosóficas no comércio e sobre como lidar com temas regionais como Venezuela e Cuba.

Pouco após ser reeleita para um segundo mandato no mês passado, Dilma disse por telefone ao vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que gostaria de reiniciar as discussões para uma visita de Estado oficial, de acordo com o Palácio do Planalto.

Tal evento inclui até um banquete na Casa Branca, e há apenas um ou dois do tipo por ano.

Algumas autoridades do governo norte-americano disseram à Reuters que buscam ir adiante com a viagem de Dilma, que originalmente estava prevista para ser uma forma de celebrar a democracia no Brasil e ajudar a abrir as portas para a economia brasileira, uma das mais fechadas do mundo para o comércio internacional.

No entanto, outras argumentam que Dilma deve primeiro mostrar disposição para avançar em negociações comerciais e em tratados de investimento, uma vez que as visitas de Estado são quase sempre acompanhadas por uma série de acordos bilaterais.

"Há muito pouca substância", disse uma autoridade dos EUA, sob condição de anonimato. "Até avançarmos nisso, acho que não veremos uma data ser marcada."

Dilma tornou-se um dos poucos líderes na história a cancelar uma visita de Estado a Washington, em outubro de 2013, após revelações de que a Agência de Segurança Nacional dos EUA havia espionado as comunicações dela e de milhões de brasileiros.

O escândalo também levou Dilma a descartar a compra de caças F-18, da Boeing, que faziam parte de uma concorrência da Força Aérea Brasileira. O Brasil acabou comprando caças da Suécia por 5,4 bilhões de dólares.

Desde então, diplomatas de ambos os lados têm trabalhado para reduzir as tensões. A economia estagnada do Brasil, que tem sofrido com a falta de confiança dos investidores e com um aumento do déficit comercial, também levou Dilma a incentivar uma melhora nos laços com o segundo principal parceiro comercial do país, atrás apenas da China.

Biden deve interromper suas férias para comparecer à cerimônia de posse de Dilma em 1º de janeiro.

"As relações passaram de frias para mornas, e agora estão esquentando", disse uma autoridade do governo brasileiro.

Conflitos

A política externa não é uma prioridade para Dilma. Desde que assumiu a Presidência em 2011, ela gastou menos energia que o antecessor Luiz Inácio Lula da Silva em construir laços com a África e com outros países da América Latina.

Na verdade, antes da crise do ano passado, seus esforços para melhorar os laços com Washington foram possivelmente sua principal conquista externa. Ela chegou a dizer a autoridades norte-americanas que os EUA têm o tipo de sociedade de classe média que ela queria repetir no Brasil, e que a tecnologia e os investimentos norte-americanos poderiam ajudar.

Apesar disso, Dilma tomou decisões que contrariam os Estados Unidos. Ela determinou que diplomatas brasileiros se abstivessem, em março, na votação de uma resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) que criticava a anexação da região da Crimeia pela Rússia. Em setembro, ela criticou os ataques aéreos dos EUA contra o Estado Islâmico por não terem sido autorizados pela ONU.

Essas posições alimentaram o pensamento de que o Brasil está mais alinhado com países latino-americanos com governos de esquerda, anti-EUA, como Venezuela e Argentina. Muitos em Brasília, enquanto isso, dizem que os Estados Unidos nunca vão tratar o Brasil como um parceiro igual ou negociar de forma igualitária.

O principal ponto de conflito, assim como a área possivelmente mais promissora, é o comércio.

Brasil e Estados Unidos negociaram 71 bilhões de dólares em produtos no ano passado, uma quantia pequena tendo em vista que o Brasil tem 200 milhões de habitantes e uma classe consumidora voraz.

A presença do Brasil no Mercosul impede o país de buscar acordos comerciais individuais com outras nações.

Muitos executivos brasileiros querem que Dilma impulsione o comércio com os EUA, e acreditam que uma visita a Washington é a melhor forma de fazê-lo.

"Esperamos que a visita de Estado aconteça mais cedo ou mais tarde, porque será um catalisador para a melhoria das relações", disse Frederico Curado, presidente-executivo da Embraer. O mercado norte-americano representa um terço das vendas da empresa.

Em sinais recentes de aquecimento dos laços, os países assinaram um aguardado acordo de troca de informações tributárias em setembro. Os EUA também concordaram em pagar 300 milhões de dólares aos produtores brasileiros de algodão para encerrar uma disputa sobre subsídios.

Michael Shifter, do centro de estudos InterAmerican Dialogue, em Washington, disse ser improvável que os dois países se tornem parceiros estratégicos no curto prazo.

"Mas Dilma entende que o relacionamento saiu do rumo e se tornou muito amargo", disse ele, "e que isso não ajuda o que ela precisa fazer para impulsionar a economia brasileira."

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