Topo

EUA também danificam o patrimônio histórico iraquiano em conflito

Vídeo divulgado pelo Estado Islâmico no final de fevereiro mostrava militantes jihadistas destruindo esculturas seculares no museu de Mossul (Iraque) - AP
Vídeo divulgado pelo Estado Islâmico no final de fevereiro mostrava militantes jihadistas destruindo esculturas seculares no museu de Mossul (Iraque) Imagem: AP

Peter Van Buren

12/03/2015 06h15

As autoridades iraquianas estão investigando os relatos de que militantes do Estado Islâmico destruíram Hatra, um sítio arqueológico que data do século 1º a.C., apenas dois dias depois do grupo ter demolido outro sítio próximo, a antiga cidade assíria de Nimrud. Há informação de que um sítio arqueológico próximo de Khorsabad é o mais recente a ser destruído. Sem dúvida haverá mais.

A destruição de sítios históricos é indefensável. Como espécies extintas, assim que desaparecem, desaparecem para sempre. A destruição casual do patrimônio compartilhado da humanidade é com frequência um subproduto da guerra, assim como símbolo de sua insensatez. Infelizmente, a destruição aleatória pelo Estado Islâmico me recorda de outro exemplo que testemunhei no Iraque, enquanto acompanhava o exército americano em 2009.

À beira da Base Hammer de Operações Avançadas, onde eu morava, havia várias pequenas colinas, protuberâncias elevadas no deserto fora isso plano como uma frigideira. Elas eram "tells" –vilarejos antigos. Por milhares de anos, as pessoas no Iraque, como por todo o Oriente Médio, usavam tijolos secos ao sol para construção de lares e muros. Os tijolos duravam cerca de 20 anos antes de se desfazerem, momento em que as pessoas reconstruíam sobre a velha fundação. Após algumas rodadas, as casas ficavam situadas sobre uma pequena colina.

Em nosso sítio arqueológico, ocorreu tanta erosão ao longo dos anos, juntamente com as escavações feitas pelo exército, que uma área do tamanho de dois campos de futebol estava coberta de cacos de cerâmica antiga. Eles estavam apenas espalhados pelo chão; você não podia evitar de encontrá-los. Onde buracos foram escavados, era possível ver pedaços maiores –até mesmo um grande pote ou dois semi-intactos. Havia muros e fundações de casas expostos.

O problema era que a área plana e vazia atraía soldados, que às vezes dirigiam utilitários esportivos para circular pela base, onde gostavam de dar cavalos de pau e levantar poeira. Ninguém parecia ligar muito oficialmente – garotos apenas descarregando a tensão – até que um tenente-coronel reservista, um professor escolar em casa, assumiu por conta própria a responsabilidade de tentar preservar o que restou do sítio. Ele fincou postes com bandeirolas vermelhas, tanto como alerta quanto como forma de impossibilitar o trânsito de veículos, e os cavalos de pau pararam. Um homem decente com uma causa nobre adotada, apesar da maioria dos soldados o considerar um chato.

As pessoas diziam que quando o exército americano montou a primeira base de operações avançadas e removeu muitos caminhões de terra, os soldados encontraram crânios antigos e ossos longos. Às vezes ainda era possível avistar antigos ossos nas barreiras de terra protegendo a base. O exército usou um antigo tell próximo para prática de artilharia, destruindo grande parte de seu topo. Como disse um soldado, "se é velho e já está quebrado, por que importa se atirarmos naquilo?" Aquela mesma área foi entregue aos iraquianos, que a utilizam hoje como zona de exercícios com munição real. A Base Hammer de Operações Avançadas ainda está funcionando, agora como depósito de tanques M1A1 que os Estados Unidos estão vendendo aos iraquianos. Não sei ao certo sobre o status do que restou daquele sítio arqueológico na base.

Infelizmente, outros sítios arqueológicos foram danificados durante a ocupação americana. No início da invasão ao Iraque em 2003, os marines americanos construíram um heliporto sobre as ruínas da Babilônia. Eles encheram sacos de areia com fragmentos arqueológicos, pulverizaram cerâmica antiga e tijolos gravados com caracteres cuneiformes e batizaram o local de Campo Alfa.

A escala e intenção eram obviamente diferentes daquilo que o Estado Islâmico está fazendo, mas perda é perda, seja de forma grande ou pequena.

Milhares de tells estão espalhados por todo o Iraque. É possível vê-los do ar no deserto, especialmente no fim de tarde, quando o sol está baixo, já que são as únicas coisas que projetam sombras significativas. Parte da cerâmica e tijolos em nosso sítio era possivelmente sumério? Assírio? Babilônio? Nenhum de nós tinha conhecimento suficiente para saber. Mas nos perguntávamos, será que a poeira que tirávamos de nossos ouvidos fazia parte de algum muro de cidade antiga?

À noite, a área da tell ficava escura, e era possível imaginar como os primeiros habitantes do que hoje é a Base Hammer de Operações Avançadas viam o céu noturno. Era lindo – deslumbrantemente inspirador – com estrelas piscando quase até o horizonte. Era um lembrete de que não éramos os primeiros a entrar no Iraque vindo de longe, e uma promessa através do tempo de que alguém, algum dia, poderá vir a se sentar sobre nossas próprias ruínas e se maravilhar sobre o que aconteceu aos americanos.