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Nordeste corre contra o tempo para salvar cidades assoladas pela seca

Natan Cabral, 5, está no chão rachado do reservatório Boqueirão, na Região Metropolitana de Campina Grande, Paraíba - Ueslei Marcelino/Reuters
Natan Cabral, 5, está no chão rachado do reservatório Boqueirão, na Região Metropolitana de Campina Grande, Paraíba Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Por Anthony Boadle

da Reuters, em Campina Grande

17/02/2017 18h07

Carcaças de vacas jazem em campos chamuscados nos arredores da cidade de Campina Grande, na Paraíba, e cabras famintas procuram comida no chão de terra rachada do reservatório de Boqueirão, que serve a cidade desesperada por água.

Depois de cinco anos de seca, o agricultor Edivaldo Brito diz que não consegue se lembrar quando o reservatório do Boqueirão esteve cheio. Mas ele nunca o viu tão vazio.

18.fev.2017 - As carcaças de vacas ficam ao longo de uma estrada em Piancó, Paraíba - Ueslei Marcelino/Reuters - Ueslei Marcelino/Reuters
As carcaças de vacas ficam ao longo de uma estrada em Piancó, Paraíba
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

"Perdemos tudo: bananas, feijões, batatas", afirmou Brito. "Temos que caminhar 3 quilômetros apenas para lavar a roupa."

O Nordeste árido do país está enfrentando sua pior seca que se tem registro, e Campina Grande, que tem 400 mil habitantes que dependem do reservatório, está ficando sem água.

Após dois anos de racionamento, os moradores reclamam que a água do reservatório está suja, malcheirosa e imbebível. Aqueles com mais condições podem comprar água engarrafada para cozinhar, escovar os dentes e até mesmo dar aos seus animais de estimação.

18.fev.2017 - O reservatório de Boqueirão é visto na Região Metropolitana de Campina Grande, Paraíba - Ueslei Marcelino/Reuters - Ueslei Marcelino/Reuters
O reservatório de Boqueirão é visto na Região Metropolitana de Campina Grande, Paraíba
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

O reservatório está com 4 por cento da capacidade e as chuvas devem ser escassas este ano.

"Se não houver recarga natural de chuva ou artificial com a transposição, a cidade vai entrar em colapso hídrico no máximo no meio deste ano", afirma Janiro Costa Rêgo, especialista em recursos hídricos e professor da universidade federal de Campina Grande. "Seria um holocausto total, você teria que evacuar a cidade sem água."

O governo federal diz que ajuda está a caminho.

Transposição do São Francisco

18.fev.2017 - As obras de construção para desviar o rio São Francisco para aliviar Campina Grande e outras cidades é visto na entrada da cidade de Monteiro, Paraíba - Ueslei Marcelino/Reuters - Ueslei Marcelino/Reuters
As obras de construção para desviar o rio São Francisco para aliviar Campina Grande e outras cidades é visto na entrada da cidade de Monteiro, Paraíba
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Depois de décadas de promessas e anos de atrasos, o governo afirma que a transposição do maior rio brasileiro, o São Francisco, logo aliviará Campina Grande e fazendeiros desesperados em quatro Estados do Nordeste.

A água será bombeada sobre colinas e através de 400 quilômetros de canais e vazado em bacias hidrográficas secas do Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba.

Iniciado em 2005 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o projeto foi adiado por disputas políticas, corrupção e custos excedentes de bilhões de reais.

A recessão no Brasil, que os economistas calculam ter reduzido a economia do Nordeste em mais de 4 por cento durante cada um dos últimos dois anos, deixou a situação pior.

Agora, o presidente Michel Temer está acelerando a conclusão do projeto, talvez sua melhor oportunidade para aumentar o apoio ao seu impopular governo em uma região há muito tempo dominada por Lula e pelo PT.

18.fev.2017 - Um fazendeiro trabalha em plantação de cactos em Pocinhos, Paraíba - Ueslei Marcelino/Reuters - Ueslei Marcelino/Reuters
Um fazendeiro trabalha em plantação de cactos em Pocinhos, Paraíba
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Em 6 de março, Temer planeja abrir um canal que alimente o reservatório de Campina Grande na cidade paraibana de Monteiro. A água ainda levará entre um mês e dois para descer o leito seco do rio Paraíba até o Boqueirão.

Com a qualidade da água em Campina Grande piorando a cada dia, é uma corrida contra o tempo.

O professor Costa Rêgo diz que a água do reservatório se tornará intratável em março e poderia prejudicar os moradores que não têm recursos para comprar água engarrafada.

O ministro da Integração Nacional, Helder Barbalho, responsável pelo projeto, afirma que o governo está confiante que a água chegará dentro do cronograma.

"Sob âmbito do volume, nós chegaríamos a um colapso absoluto em Campina Grande por volta de setembro. Nós temos que entregar a água em abril de qualquer forma. Nossos calendários são extremamente ajustados", declarou ele.

A seca que assola lavouras do Nordeste tem impacto menor na produção brasileira de grãos e cana-de-açúcar, uma vez que a maior parte da safra nacional está localizada no centro-sul do país.

Alterações climáticas

18.fev.2017 - As pessoas observam a chegada das águas do Piancó Rio em Piancó, Paraíba, Brasil - Ueslei Marcelino/Reuters - Ueslei Marcelino/Reuters
As pessoas observam a chegada das águas do Piancó Rio em Piancó, Paraíba, Brasil
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

A mudança climática intensificou as secas no Nordeste brasileiro nos últimos 30 anos, segundo Eduardo Martins, presidente do Funceme, agência meteorológica do Estado do Ceará.

A precipitação diminuiu e as temperaturas subiram, aumentando a demanda por irrigação agrícola. O abastecimento de água caiu e a evaporação acelerou.

Costa Rêgo culpa a falta de gestão dos governos brasileiros pelas crises de água persistentes e repetidas, chocante para um país que possui as maiores reservas de água doce do planeta.

O principal reservatório que abastece São Paulo, com uma região metropolitana de 20 milhões de habitantes, praticamente secou em 2015. Já a cidade de Brasília recorreu ao racionamento este ano.

Em Fortaleza, segunda maior cidade do Nordeste, o reservatório vital de Castanhão está com 5 por cento de sua capacidade.

A capital do Ceará também receberá água do projeto São Francisco, mas ela não chegará pelo menos até o fim do ano, porque a empreiteira Mendes Júnior abandonou o trabalho ao ser envolvida em um grande escândalo de corrupção.

"A água do rio São Francisco é fundamental para permitir a recarga de Castanhão", disse o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), à Reuters. Segundo ele, o reservatório pode abastecer o Ceará somente até agosto.

Depois disso, o Estado precisará perfurar poços de emergência, aproveitar mananciais e impor uma redução obrigatória de 20 por cento no consumo para manter as torneiras de Fortaleza funcionando até que a água chegue.

Sete empresas fizeram propostas para a licitação do trecho que era da Mendes Júnior. A obra deverá recomeçar em março e a água poderá chegar a Castanhão em outubro ou novembro, diz Santana.

Racionamento

O Ceará teve que reduzir a irrigação, prejudicando os exportadores de flores e melões, os pecuaristas e os produtores de leite. Eles esperam a recuperação da atividade após a transposição, mas matar a sede das cidades será prioridade.

18.fev.2017 - Chirlene Brito, está na frente dos baldes onde ela recolhe a água em sua casa em Campina Grande, Paraíba - Ueslei Marcelino/Reuters - Ueslei Marcelino/Reuters
Chirlene Brito, está na frente dos baldes onde ela recolhe a água em sua casa em Campina Grande, Paraíba
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Em Campina Grande, em um centro têxtil, incluindo empresas como Coteminas e Alpargatas, o racionamento reduziu os planos de expansão das companhias, que tiveram que diminuir drasticamente o consumo e reciclar a água que utilizam.

Lá, também, a água nova primeiramente irá para resolver a crise em Campina Grande e cidades vizinhas. Apenas depois as autoridades vão pensar na agricultura.

"Primeiro temos que matar a sede dos consumidores urbanos. Só então vamos pensar em produzir riqueza", afirmou João Fernandes da Silva, o principal responsável pela gestão da água na Paraíba.

O racionamento tem afetado particularmente as famílias urbanas mais pobres. Muitos não têm água corrente ou tanques de água e, em vez disso, guardam água em garrafas de plástico.

18.fev.2017 - Heleno Campos Ferreira, 65 anos, fuma um cigarro perto de sua casa no município de Poções, em Monteiro, Paraíba, Brasil - Ueslei Marcelino/Reuters - Ueslei Marcelino/Reuters
Heleno Campos Ferreira, 65 anos, fuma um cigarro perto de sua casa no município de Poções, em Monteiro, Paraíba, Brasil
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Para aqueles que esperaram décadas pela transposição do São Francisco, eles só vão acreditar quando virem o fluxo de água.

18.fev.2017 - Um menino salta em Piancó Rio em Piancó, Paraíba - Ueslei Marcelino/Reuters - Ueslei Marcelino/Reuters
Um menino salta em Piancó Rio em Piancó, Paraíba
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Brito disse que ele e seus vizinhos sobrevivem graças a programas sociais que foram a marca registrada do PT.

"Sem o programa Bolsa Família, estaríamos morrendo de fome", afirmou Brito, que acredita que a escassez pode persistir mesmo após a transposição do rio. "É temporada política novamente, então eles nos prometem água apenas para ganhar os nossos votos."

18.fev.2017 - Crânios do gado são vistos em Coremas, Paraíba - Ueslei Marcelino/Reuters - Ueslei Marcelino/Reuters
Crânios do gado são vistos em Coremas, Paraíba
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

(Reportagem adicional de Ueslei Marcelino e Sergio Queiroz)

Seca no Nordeste já dura 5 anos e causa grandes prejuízos na região

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