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"Bolsonaro sempre incitou a violência contra nós", diz o cacique Raoni ao jornal Le Monde

23/01/2021 12h29

Em entrevista exclusiva ao jornal francês Le Monde, o cacique Raoni, emblemático defensor da Amazônia, afirmou que pediu ao Tribunal Penal Internacional (TPI) que investigue Jair Bolsonaro, por crimes contra a humanidade. O chefe indígena acusa o presidente brasileiro de perseguir os povos indígenas, destruir seu habitat e de ignorar seus direitos.

Em entrevista exclusiva ao jornal francês Le Monde, o cacique Raoni, emblemático defensor da Amazônia, afirmou que pediu ao Tribunal Penal Internacional (TPI) que investigue Jair Bolsonaro, por crimes contra a humanidade. O chefe indígena acusa o presidente brasileiro de perseguir os povos indígenas, destruir seu habitat e de ignorar seus direitos.

Raoni recebeu uma equipe do diário francês na aldeia Metuktire no início de janeiro. Segundo o Le Monde, "o chefe indígena se lança em uma aventura judiciária inédita, audaciosa e arricada: denunciar Jair Bolsonaro ao Tribunal Penal Internacional (TPI)". O pedido de investigação foi feito a instituição sediada em Haia na sexta-feira (22).

A matéria afirma que Raoni está consciente de que a denúncia pode provocar a fúria de quem apoia o presidente brasileiro, latifundiários e garimpeiros, "todos próximos de territórios kayapós". Entretanto, o chefe indígena de mais de 90 anos explica ao Le Monde que não tem outra escolha: "Bolsonaro sempre incitou a violência contra nós. Eu não posso aceitar a maneira como ele nos trata".

O documento de 65 páginas enviado ao TPI foi redigido pelo advogado francês William Bourdon. Ele reúne as acusaçoes feitas por Raoni, mas também por dezenas de ONGs locais e internacionais, além de cientistas especialistas de questões climáticas.

Entre as acusações apresentadas ao TPI estão a suspensão da demarcação de territórios indígenas, o projeto de lei que permite a mineração e a exploração agrícola em áreas protegidas, os orçamentos limitados das agências ambientais, agora controlados porelos militares, os assassinatos impunes de sete chefes indígenas em 2019, entre outros.

"A destruição da floresta amazônica", indispensável para regular o clima e que foi atingida por um número recorde de incêndios em 2020, constituiria um perigo direto não apenas para os brasileiros, mas também para toda humanidade", destaca o texto enviado a Haia. Os autores da denúncia acreditam que esta política de Estado conduz a "assassinatos", "transferências forçadas de populações" e "perseguições", que constituem "crimes contra a humanidade", conforme é estalebelecido pelo Estatuto de Roma do TPI.

Com sede em Haia, na Holanda, e criado em 2002 para julgar as piores atrocidades do mundo, o tribunal não tem obrigação de dar continuidade às denúncias apresentadas. Seu procurador decide de forma independente os assuntos que chegam aos juízes.

Em julho de 2020, profissionais brasileiros da área da saúde já haviam pedido que a mesma instituição investigasse Bolsonaro por "crimes contra a humanidade" devido à sua gestão da epidemia de Covid-19 no Brasil.

Interesses do agrobusiness

Raoni lembrou ao Le Monde as reuniões com todos os chefes de Estado do Brasil desde o fim da ditadura militar (1964-1985). Segundo ele, alguns encontros foram tensos, como os com os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, devido à construção da usina de Belo Monde, às margens do rio Xingu. "Mas o diálogo sempre foi mantido", destaca.

Apenas Michel Temer e Jair Bolsonaro nunca se encontraram com o cacique. "Os dois presidentes, apoiados pelo grupo parlamentar chamado de 'ruralista', que defende os interesses do agrobusiness, estão na origem de ataques históricos contra os direitos dos indígenas, apesar de serem proibidos pela Constituição", publica o jornal.

Le Monde também relembra algumas declarações polêmicas de Bolsonaro, que classifica como "demonstração de racismo e de desprezo" contra os povos nativos. "Cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós", afirmou o presidente brasileiro, em janeiro de 2020. Poucos meses depois, em novembro do ano passado, Bolsonaro chocou a opinião pública ao declarar: "Existe até locais onde o índio troca uma 'tora' por uma Coca-Cola ou cerveja".

"Bolsonaro ataca demais os indigenas"

Muito além dos escândalos provocados pelo líder da extrema direita do Brasil, Raoni salienta sua preocupação com a política ambiental adotada pelo governo, que permite, segundo ele, eliminar todos os obstáculos para saquear as riquezas da Amazônia. "Não gosto de brigas e não quero ter conflito com chefes brancos. Mas o problema é que Bolsonaro ataca demais os indigenas", afirma o cacique ao diário francês.

O jornal publica que em 2019, 256 invasões de terras indígenas foram registradas no Brasil, um aumento de 135% em relação ao ano anterior. Nestas áreas, nove pessoas foram assassinadas, entre elas, sete caciques.

"Apesar da pandemia de Covid-19, o desmatamento da Amazônia continua acelerando", diz a matéria. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a área destruída na Amazônia foi de 11.088 km² entre agosto de 2019 e julho de 2020 - um aumento de 9,5% em relação ao período anterior.