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'Estados Unidos abandonaram o Afeganistão no caos', diz professor da PUC-SP

Combatentes do Taleban dentro do palácio presidencial em Cabul, Afeganistão - Reprodução/Al Jazeera
Combatentes do Taleban dentro do palácio presidencial em Cabul, Afeganistão Imagem: Reprodução/Al Jazeera

16/08/2021 12h57Atualizada em 16/08/2021 13h36

A retomada total do Afeganistão pelos talibãs, concretizada com o domínio da capital Cabul desde o último domingo (15), surpreendeu muitos analistas políticos pela rapidez e pela falta de resistência. Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, vê na situação do país um reflexo da estratégia fracassada dos americanos que abre espaço para tornar o Afeganistão palco de novas disputas geopolíticas.

Para o professor a PUC-SP, a tomada em tão pouco tempo foi uma surpresa, diante da avaliação de Conselheiros de Segurança Nacional dos Estados Unidos e dos serviços de inteligência, no último dia 13, de que a capital Cabul poderia resistir por vários meses, ou na pior das hipóteses, semanas. A queda em menos de três dias foi reveladora de um problema muito maior do que a questão militar.

Além do exército, policiais afegão foram treinados totalizando cerca de 300 mil combatentes contra o talibã, quase o "triplo" dos insurgentes, além de equipamentos militares superiores, segundo Nasser. "Isso denota uma questão política que vem acontecendo há muito tempo. Não se estruturou um governo de unidade nacional no Afeganistão. Quando os Estados Unidos anunciaram que iriam sair, a debandada começou a acontecer", explica, em referência ao mês de junho de 2020 quando o então presidente Donald Trump sinalizou um acordo com os talibãs e confirmou o processo de retirada gradual das tropas americanas no país.

"O que detonou tudo foi quando o Biden disse, em abril, que os Estados Unidos iriam sair sem nenhuma condição. Isso colocou os afegãos que combatem os talibãs diante de um risco muito grande, e eles começaram a abandonar a guerra", afirma.

Segundo Nasser, relatos dizem que os talibãs, com dinheiro, passaram a comprar lideranças comunitárias e oficiais do exército. "O Talibã veio corroendo essa estrutura."

Para a população afegã, de acordo com Nasser, há possibilidade de que os talibãs imponham o mesmo regime do que vigorou nos anos 1990. "Pode não ser da mesma forma nem na mesma intensidade, mas não vai mudar. O regime repressivo, extremamente autoritário em relação aos afegãos de maneira geral e às mulheres em particular. Não vai haver diferença", garante.

A dúvida é saber se eles vão conseguir reunir apoio interno, já que politicamente o país é muito fragmentado.

Disputa por influência geopolítica

O especialista, que lançará em setembro o livro "A luta contra o terrorismo: os Estados Unidos e os amigos talibãs" (Ed. Contracorrente) não concorda com a percepção de que os Estados Unidos saem como os grandes perdedores dessa reconquista do Afeganistão pelos talibãs.

"Está claro que a estratégia dos americanos não deu certo. Mas isso não quer dizer que vá trazer grandes problemas para os Estados Unidos. De modo cínico, os Estados Unidos abandonaram o Afeganistão e o deixou no caos. O que isso trará de consequência para os Estados Unidos em princípio? Nada", afirma.

Segundo Nasser, o Afeganistão será agora um território de uma disputa geopolítica envolvendo potências regionais e internacionais como Irã, Paquistão, Rússia e China.

O regime de Teerã, lembra, se aproximou dos talibãs de maneira inesperada. Nos últimos anos, o Irã apoiou os talibãs. O Paquistão sempre apoiou os talibãs e foi articulado. A Rússia voltou a aparecer no cenário, e a China idem. Será que esses quatro vão compartilhar equitativamente os espólios de guerra? Duvido!", exclama.

A mudança no tabuleiro político vem desde o segundo governo de Barack Obama, com a sinalização de que os Estados Unidos iriam gradativamente sair do país militarmente. Desde então, interesses desses diferentes países emergiram.

"Na fronteira com o Irã, boa parte das províncias onde o Talibã chegou ao poder, tem alianças com a Guarda Revolucionária do Irã, do outro lado é o Paquistão, e os russos e os chineses tiveram uma importante participação econômica e diplomática se encontrando com representantes dos talibãs sinalizando 'ajuda'. Então haverá disputa aí", assinala.