Crise agora abala relações culturais entre Rússia e Ucrânia

Celestine Bohlen

De Paris (França), para o International NYT

Um protesto em frente ao local onde ocorreria um show pop destacou como a guerra está criando uma cisão entre dois países com uma cultura compartilhada.

Na noite de 3 de agosto, uma multidão de nacionalistas ucranianos tentou bloquear a entrada de uma boate à beira-mar na cidade de Odessa, no sul, agitando paus e gritando palavras de ordem que acusavam a estrela da noite de traição.

Crise na Ucrânia
Crise na Ucrânia

A cantora Ani Lorak, uma estrela pop que foi a enviada da Ucrânia para o concurso musical Eurovision de 2008, conseguiu terminar sua apresentação, mas a noite acabou em confrontos entre os manifestantes e a polícia, com vários presos e feridos.

O motivo do protesto não ficou totalmente claro, conforme relatos da mídia local e russa e dos monitores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa que estavam no local. Alguns disseram que os nacionalistas se opuseram à participação de Lorak em um programa de prêmios da música russa em maio, quando foi homenageada; outros criticavam o seu uso de imagens da praça Maidan, em Kiev, que foi o coração das manifestações contra a Rússia no início deste ano, como pano de fundo para uma balada anti-guerra; um site russo sugeriu que o protesto foi organizado por um mafioso local.

Nada disso justifica uma tentativa de impedir um show de música. Mas o incidente serviu como mais um exemplo de como a guerra no leste da Ucrânia, que já dividiu o Oriente e o Ocidente, está lançando uma divisão venenosa entre dois países vizinhos que durante séculos compartilharam o mesmo espaço cultural.

Como apontam os ucranianos, vários dos escritores mais conhecidos da Rússia --Mikhail Bulgakov, Nikolai Gogol e Isaac Babel-- eram da Ucrânia. Como os russos gostam de apontar, eles escreveram suas obras em russo.

Recentemente, o Ministério da Cultura em Kiev anunciou que estava elaborando uma lista de cerca de 500 artistas russos que seriam proibidos na Ucrânia. De acordo com o ministério, a lista inclui, em primeiro lugar, as figuras culturais russas que em março passado assinaram uma carta aberta de apoio à anexação da Crimeia pelo presidente Vladimir V. Putin.

Arte/UOL
As cidades afetadas pelo movimento separatista na Ucrânia

Naquela época, muitos russos se sentiram mal com a forma como seus artistas se uniram ao movimento de Putin sem qualquer debate ou questionamento. Aqueles que se opuseram foram atacados como "traidores nacionais", em um eco perturbador das táticas da era soviética.

Agora, os ucranianos estão seguindo o mesmo caminho, dizendo que os russos que apoiaram abertamente a agressão de Putin devem ficar longe da Ucrânia ou irem para a Crimeia, onde eles podem "se apresentar para as gaivotas nas praias vazias".

Em uma nova escalada, a agência de filmes da Ucrânia iniciou uma revisão de filmes russos que "demonstram desprezo pela língua ucraniana, seu povo e seu Estado". Dois filmes já caíram sob a tesoura da censura: "Poddubny", um filme biográfico sobre o lutador ucraniano nascido na União Soviética (que, aliás, foi mal recebido pelos críticos russos) e "The White Guard", baseado no clássico romance de Bulgakov sobre uma família em Kiev durante a guerra civil em 1918 --uma escolha curiosa, dado o retrato igualmente contundente que faz dos bolcheviques, dos comandantes do Exército Branco russo e dos nacionalistas ucranianos.

Membros do setor cultural russo reagiram à censura em Kiev com desdém: um congressista russo propôs uma retaliação contra 500 artistas ucranianos, embora esse apelo tenha ficado sem resposta, por enquanto.

Também ficaram sem resposta os pedidos de membros proeminentes da Academia de Cinema Europeu para a liberação de Oleg Sentsov, um cineasta ucraniano e ativista de Maidan que está preso em Moscou desde a sua detenção, em maio, na sua casa na Crimeia, sob acusações de terrorismo. Sentsov, que negou as acusações, mesmo depois de ter sido espancado pelos interrogadores russos, deve ir a julgamento em outubro.

No mês passado, outra frente se abriu na guerra cultural crescente, quando a Polônia cancelou um programa de intercâmbio cultural com a Rússia para todo o ano de 2015. O projeto, apoiado por ambos os governos durante um breve período de boas relações, foi vítima de uma forte oposição de agentes culturais poloneses.

"Às vezes, as pessoas têm de escolher de que lado estão, e agora é o momento", disse Tomasz Siwinski, um jovem cineasta polonês.

Vladimir Medinsky, ministro da Cultura russo (que nasceu na Ucrânia), disse que vai incentivar os artistas poloneses a virem para a Rússia de qualquer maneira.

"Este será um ano unilateral da cultura", disse ele à mídia russa. "Nada pode ser pior do que essa mistura de política com cultura."

Tradução: Deborah Weinberg

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