Opinião: Deixem os refugiados voarem para a Europa

Alexander Betts*

Oxford (Inglaterra)

  • Iakovos Hatzistavrou/AFP

    Voluntária consola refugiado sírio em praia na Grécia

    Voluntária consola refugiado sírio em praia na Grécia

Para impedir mortes desnecessárias, os refugiados deveriam ser triados fora da Europa e apenas os que buscam asilo de forma legítima deveriam ter permissão para viajar legalmente.

Não há soluções fáceis para crise de refugiados da Europa. Num mundo de Estados frágeis e mobilidade cada vez maior, as pessoas continuarão chegando, quer se encaixem perfeitamente na definição legal de "refugiado" ou não.

A Europa precisa de uma estratégia clara sobre quem são as pessoas que ela quer proteger, e onde e como vai avaliar os pedidos de asilo.

O acordo da União Europeia alcançado no início desta semana se centrou num sistema de quotas para realocar 120 mil refugiados sírios, iraquianos e eritreus pelos estados-membros – vindos na maior parte, provavelmente, de centros transitórios na Grécia e na Itália.

O plano tem várias falhas: foi aprovado sem consenso político, não tem nenhum mecanismo para garantir que as pessoas permaneçam nos países designados a acolhê-las, e não diz como serão tratados aqueles que têm o asilo negado.

O maior problema, contudo, é que o plano não faz nada para impedir as pessoas de embarcarem em viagens perigosas para a Europa. Para pedir asilo de acordo com este plano, os refugiados ainda teriam de chegar à Europa através de meios clandestinos.

Esta tem sido a causa direta da tragédia e do caos, com pessoas morrendo nas estradas da Europa e se afogando no mar. A maior pressão tem sido sobre áreas críticas de fronteira, da Hungria às ilhas gregas.

A forma de evitar isso seria fornecer uma alternativa, meios legais para os requerentes de asilo viajarem à Europa com "vistos humanitários". Pequenos postos consulares poderiam ser criados fora da União Europeia, em locais como Bodrum, na Turquia, ou Zuwara, na Líbia. À medida que as rotas migratórias mudarem ao longo do tempo, esses postos poderiam ser realocados.

Nesses pontos transitórios, as pessoas poderiam ser triadas rapidamente e aquelas com um pedido de asilo plausível teriam o acesso à Europa autorizado. Elas poderiam, então, simplesmente viajar de avião para a Europa ou pegar uma balsa regular, custeando suas próprias despesas.

No momento, os sírios estão pagando mais de mil euros por uma travessia curta e perigosa da costa turca até as ilhas gregas de Lesbos ou Kos, alguns sendo resgatados pela guarda costeira grega. O custo em vidas e recursos para o Estado grego, já exaurido, é alto. Em comparação, um voo sem escalas de Bodrum para Frankfurt custa 200 euros.

Os vistos humanitários também enfraqueceriam o tráfico humano. Desde o início da crise, a Europa declarou uma "guerra contra os traficantes", propondo até mesmo usar a força militar contra eles.

No entanto, assim como a "guerra às drogas", essas políticas estão condenadas ao fracasso, uma vez que só oferecem soluções do lado da oferta, mas não fazem nada para reduzir a demanda subjacente das pessoas em situação vulnerável. Possibilitar que os refugiados tenham acesso a rotas legais de viagem reduziria imediatamente o problema do tráfico.

Existem várias maneiras de implementar essa política. Ela pode ser adotada em toda a União Europeia, e conectada ao sistema de quotas a nível europeu. A união poderia estabelecer postos para identificar os requerentes de asilo plausíveis, em alguns casos puramente com base na nacionalidade.

Eles poderiam então receber rapidamente um documento de viagem, talvez ligado a um "status de proteção temporária" num Estado-membro designado. O direito de permanecer poderia durar até que eles pudessem voltar para casa ou que regularizassem sua situação migratória no país de acolhimento.

Mesmo que não houvesse um acordo da UE quanto a isso, há outras opções. Os vistos poderiam ser oferecidos de forma unilateral pelos países que concordaram em aceitar refugiados.

Na verdade, o Brasil já tem feito isso ao anunciar a sua disposição de fornecer vistos humanitários, acolhendo até agora mais de 2 mil refugiados sírios através desse esquema, todos eles reconhecidos como refugiados na chegada.

A Alemanha e a Suécia, que se comprometeram a acolher um número ainda maior, poderiam fazer o mesmo, e oferecer triagem e vistos em postos consulares localizados estrategicamente.

A ideia de documentos de viagem para refugiados tem um precedente histórico: os passaportes Nansen utilizados pela Liga das Nações. Após a Primeira Guerra Mundial, o colapso do Império Otomano e as consequências da Revolução Russa deixaram centenas de milhares de pessoas sem pátria e levaram refugiados às fronteiras da Europa.

Em 1922, o primeiro Alto Comissário para Refugiados da Liga das Nações, Fridjtof Nansen, convocou uma conferência em Genebra na qual um grupo de países concordou em reconhecer os passaportes Nansen como documentos de viagem legítimos para refugiados.

Entre 1922 e 1942, o esquema foi reconhecido por mais de 50 países e garantiu a 450 mil pessoas, entre elas refugiados assírios, armênios e turcos, uma entrada segura na Europa. Em reconhecimento ao seu trabalho, o Escritório Internacional de Refugiados de Nansen recebeu o Prêmio Nobel da Paz.

Existem desafios para emitir documentos de viagem para refugiados hoje, mas eles são superáveis. Os governos, compreensivelmente, temem que permitir a entrada legal possa criar um "fator de atração" e aumente a demanda para morar na Europa. Este risco pode ser abordado de várias maneiras.

Em primeiro lugar, o estabelecimento de postos consulares perto das fronteiras externas da Europa atenderia principalmente às pessoas que já estão quase na União Europeia e prestes a se arriscar em uma viagem de barco perigosa.

Em segundo lugar, os vistos só seriam concedidos aos prováveis refugiados, para com quem já temos uma obrigação legal reconhecida internacionalmente.

Em terceiro lugar, embora seja possível que mais refugiados sírios busquem admissão na Europa em vez de permanecer nos países vizinhos, um pequeno aumento nos números é um preço que vale a pena pagar para salvar vidas, reduzir os custos, aliviar a pressão nas fronteiras da Europa e reduzir drasticamente o mercado do tráfico humano.

Os vistos humanitários não seriam uma panaceia e que não acabariam totalmente com a imigração irregular para a Europa. No entanto, mesmo que eles fossem concedidos só aos sírios, seriam uma resposta imediata para o problema de mais de 70% das pessoas que chegam nas ilhas gregas.

Imagens fortes de pessoas caminhando longas distâncias ao lado de linhas de trem e rodovias criaram uma sensação generalizada de crise na Europa. Mas é possível evitar grande parte dessa tragédia e caos.

Decisões políticas simples por parte dos países que concordaram em aceitar um grande número de refugiados poderiam suspender o êxodo em massa. Na era das passagens aéreas baratas e modernos recursos de triagem, essas jornadas perigosas não são necessárias.

*Alexander Betts, diretor do Centro de Estudos de Refugiados na Universidade de Oxford, é autor de "Survival Migration: Failed Governance and the Crisis of Displacement" (Migração para Sobrevivência: O fracasso das políticas e a crise do deslocamento)

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