Opinião: Por que falharam as "revoluções do Twitter"?

Ivan Krastev

Em Sófia (Bulgária)

  • Bulent Kilic/AFP

    1º.nov.2015 - Confronto entre policiais e manifestantes curdos em Diyarbakir (Turquia)

    1º.nov.2015 - Confronto entre policiais e manifestantes curdos em Diyarbakir (Turquia)

Redes sociais podem virar uma sociedade do avesso, mas não podem construir uma nova

Pouco depois do golpe de Luís Napoleão em 1851, em Paris, cinco das melhores mentes políticas da Europa correram para suas escrivaninhas para captar o significado dos acontecimentos. Os cinco eram pessoas muito diferentes. Karl Marx era um comunista. Pierre Joseph Proudhon, um anarquista. Victor Hugo, o mais popular poeta francês da época, um romântico. E Alexis de Tocqueville e Walter Bagehot eram liberais. Suas interpretações do golpe foram tão diferentes quanto suas filosofias. Mas, do mesmo modo que o homem que confundiu sua mulher com um chapéu, todos eles confundiram o fim da onda revolucionária de três anos na Europa com seu fim.

A mídia ocidental teria cometido o mesmo erro nos últimos anos? Suas interpretações da onda global de protestos populares --espontâneos, sem líderes, não violentos, que Thomas Friedman descreveu memoravelmente como a ascensão das "pessoas da praça"-- estão igualmente enganadas?

Parece que sim. Veja apenas a surpreendente e inesperada vitória do governante Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP na sigla em turco) nas eleições parlamentares da semana passada. Dois anos e meio atrás, protestos populares no parque Gezi em Istambul e outros lugares capturaram a imaginação do Ocidente. Indivíduos com diferentes visões e agendas políticas conseguiram moldar uma linguagem comum com uma mensagem comum. Até os céticos concordaram que os protestos tinham mudado fundamentalmente a política do país.

O resultado das eleições parlamentares em junho parecia comprovar esta tese. O sucesso do Partido Democrático do Povo (HDP), uma coalizão de curdos e esquerdistas seculares, cruzando a barreira de 10% necessária para entrar no Parlamento, teria sido impensável se não fossem os protestos. Mas, os resultados das eleições parlamentares da semana passada mostram a fragilidade do sucesso dos protestos. A estratégia de confronto do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, funcionou. Ele apostou em novas eleições e ganhou, eliminando os resultados do verão e colocando em repouso, por ora, a ideia de que o movimento de protesto teve algum impacto real.

E também não é só a Turquia. Os enormes protestos no inverno de 2012 em Moscou não resultaram na derrubada do presidente Vladimir Putin, mas na consolidação de seu poder.

Para onde quer que se olhe, poucos movimentos na linha do que o cientista político Francis Fukuyama chamou de "revolução da classe média global" parecem ter perdurado. E nos casos mais trágicos, a Primavera Árabe resultou no pior de todos os mundos: a ressurgência autoritária no Egito e guerra civil e falência do Estado na Síria, na Líbia e no Iêmen.

É tentador acreditar que essas viradas à direita e reacionárias são um mero produto da coerção e manipulação do Estado. Certamente, a manipulação e a coerção explicam muita coisa. Mas insistir que a atual reação conservadora é simplesmente uma função da virada política é ignorar a realidade.

O que está aparente hoje é que a onda de protesto global pode ter polarizado as sociedades, mas foi o "partido da estabilidade", e não as "redes de esperança", que se beneficiou da polarização. Em toda parte, a convulsão social e política gerada pelos manifestantes não resultou em mais democracia e pluralismo, mas em uma consolidação em torno do Estado e do líder nacional. Estamos testemunhando um novo momento anticosmopolita.

Essa reação também transformou a geopolítica. A campanha militar de Erdogan contra os curdos, que complicou enormemente a situação na Síria, foi realmente apenas uma parte de sua campanha política no outono. A anexação da Crimeia pela Rússia foi sobretudo uma parte da estratégia de resistir ao contágio revolucionário, mais que um simples ato de imperialismo russo tradicional.

É lugar-comum perguntar por que as "revoluções do Twitter" estão recuando. Mas a pergunta mais intrigante é por que estamos tão convencidos de que elas teriam sucesso, em primeiro lugar.

Três fatores podem explicar por que a maioria dos comentaristas políticos acabou, como Marx e Hugo em 1851, falhando totalmente em reconhecer uma realidade óbvia. Por um lado, há o narcisismo político ocidental, alimentado no período pós-Guerra Fria, quando realmente parecia que a democracia pluralista estava a caminho. Tal narcisismo nos privou da capacidade de ver criticamente qualquer fator que pareça inspirado por nosso modelo político (pontos extra se ele ou ela escrever slogans políticos em inglês). Acreditamos que a imitação das práticas e princípios ocidentais é um caminho a toda prova para o sucesso democrático.

Também houve uma perigosa virada chamada normativa na ciência política americana. Ela reduziu nossa compreensão de problemas sociais e globais complexos a uma série de correlações que nos afirmam, entre outras coisas, que as democracias não lutam entre si, que a democracia torna os países mais ricos e menos corruptos e que todo país está a caminho de se tornar, bem, uma democracia. A teleologia liberal veio substituir a marxista.

Finalmente, fomos seduzidos pelo "efeito Vale do Silício", o fato de que nossas ideias e estratégias para mudança social foram moldadas menos pela experiência histórica e mais pelas possibilidades utópicas do mundo da tecnologia. Apanhados nessa crença, deixamos de reconhecer as fragilidades dos novos movimentos de protesto e avaliamos mal seu impacto na sociedade. Você pode tuitar uma revolução, mas não pode tuitar um governo, e muitos dos novos movimentos de protesto estão pagando um alto preço por seu espírito anti-institucional.

Esses protestos foram vítimas de modismos semelhantes: que as organizações são coisa do passado (e as redes representam o futuro), que os Estados não importam mais e que a espontaneidade é a verdadeira fonte de legitimidade.

A desordem, bem sabemos, é altamente valorizada na comunidade tecnológica e tem um papel crítico na derrubada de empresas. Mas as sociedades não são feitas só de inovadores, e com frequência a demanda por mudança constante e os louvores à destruição criativa eventualmente trazem a exigência de estabilidade. Putin, Erdogan e semelhantes compreenderam esse ponto, ao contrário dos manifestantes e analistas, e esperaram pacientemente o momento certo para reafirmar seu poder.

(Ivan Krastev é presidente do Centro para Estratégias Liberais em Sófia, Bulgária, membro permanente do Instituto de Ciências Humanas em Viena e autor de artigos de opinião.)

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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