Opinião: A faísca que dá início a uma guerra mundial

Roger Cohen

  • Boris Grdanoski/AP

"Mamãe, por favor, me conte de novo, como começou a Primeira Guerra Mundial?"

"Querido, eu já lhe disse, foi há muito tempo. Um século é tempo demais."

"Mas mamãe, por favor."

"Bem, é complicado. Você quer mesmo saber?"

"Sim, mãe."

"É uma história triste. O mundo estava organizado de uma forma, e essa forma entrou em colapso, e no processo, milhões de pessoas foram mortas."

"Uau. E como ele estava organizado antes?"

"Existiam coisas chamadas impérios. Eles controlavam vastos territórios cheios de povos diferentes, e alguns desses povos queriam governar a si mesmos, em vez de serem governados por um imperador distante."

"OK."

"O Império Austro-húngaro era um deles. Ele tinha muitos grandes palácios em sua capital, Viena, onde as pessoas dançavam em bailes elegantes. Ele governava partes de um canto pobre da Europa chamado Bálcãs, onde não gostavam de seu governo. Certo dia, em 1914, o herdeiro do trono austro-húngaro e sua mulher foram assassinados em uma cidade dos Bálcãs, chamada Sarajevo, por um homem jovem, um sérvo-bósnio, que queria que os eslavos do sul fossem livres do governo imperial."

"Isso é triste, mamãe. Acho que a música parou. Mas e o que aconteceu?"

"O império ficou realmente furioso. Ele ordenou à Sérvia que fizesse um monte de coisas ou enfrentaria a guerra. O governante em Viena estava confiante, porque tinha um amigo próximo, uma potência em ascensão chamada Alemanha. A Sérvia também tinha um bom amigo, um país chamado Rússia, que é grande. De qualquer forma, a Sérvia meio que demorou, como você faz com sua lição de casa, de modo que o Império Austro-húngaro entrou em guerra com ela.

"E o que aconteceu?"

"Então a Alemanha declarou guerra à Rússia, cuja amiga era a França, que não gostava da Alemanha por vários motivos. Logo, a Alemanha atacou a França pela Bélgica. Isso fez o Reino Unido se envolver. Ele entrou na guerra contra a Alemanha. Outro império, um que estava doente, chamado Império Otomano, acabou se juntando ao lado alemão e austro-húngaro. Posteriormente os Estados Unidos, um poder em ascensão, se juntou ao lado britânico e francês. Depois de alguns poucos anos, mais de 16 milhões de pessoas tinham morrido. E os impérios Austro-húngaro, Otomano, Alemão e Russo ruíram.

"Tudo porque um casal foi morto? Mãe, que coisa maluca."

"Às vezes coisas pequenas ficam maiores, as pessoas perdem a paciência e a perspectiva, aí há uma faísca e ocorre uma grande confusão."

"Não poderia acontecer de novo, não é, mãe?"

"Não."

"Não resta nenhum império hoje?"

"Algumas pessoas chamam os Estados Unidos de império, apesar de não terem um imperador. Ele é o país mais poderoso da Terra, com soldados por todo o mundo e diferentes povos que dependem dele para direção ou proteção. Mas os Estados Unidos estão ficando mais fracos."

"Então, mãe, é como quando você disse que o mundo estava organizado de uma forma, e depois ficou organizado de outra, e muita gente morreu no processo?"

"Não exatamente, querido. Morrendo onde?"

"Na Síria. Mãe, o que é a Síria?"

"É um país pequeno com povos e religiões diferentes, que surgiu quando o Império Otomano adoeceu e ruiu."

"Por que as pessoas estão lutando lá?"

"É complicado. Você realmente quer saber?"

"Sim, mãe."

"Bem, havia um tirano brutal que se comportava como um imperador, e algumas pessoas na Síria se ergueram contra ele. O tirano começou a atirar nelas. Os Estados Unidos, o Reino Unido e a França, entre outros países, não gostaram disso, e disseram meio que apoiariam os rebeldes, mas não apoiaram."

"Por quê?"

"Como eu disse, os Estados Unidos estão doentes. Estão ficando mais fracos."

"OK. E aí?"

"O tirano tinha um grande amigo chamado Rússia. Ele também tinha outro amigo razoavelmente grande chamado Irã. Ambos realmente deram apoio a ele."

"Então ele venceu?"

"Não exatamente. Muitas das pessoas que queriam se livrar do tirano eram muçulmanos sunitas. Eles contavam com o apoio da Arábia Saudita, que é a central dos sunitas, odeia o Irã e apoiava os fanáticos sunitas. A Turquia, que foi a sucessora do Império Otomano e odeia o tirano sírio, também ficou ao lado dos rebeldes. Mas a Turquia odeia ainda mais que o tirano outro povo na Síria chamado curdos –tanto que está disposta a ajudar de forma sorrateira um grupo de loucos sunitas que degolam, matam curdos e atiram em pessoas em cidades do Ocidente."

"Mãe, estou confuso."

"A Síria se despedaçou, assim como o Império Otomano. A Rússia está bombardeando alguns inimigos do tirano sírio. Os Estados Unidos estão bombardeando os degoladores. Assim como a França. A Turquia derrubou um avião russo. A Rússia está furiosa. Os curdos querem o Estado que não foi lhes dado 100 anos atrás. A Arábia Saudita está travando uma guerra regional contra o Irã. Essa guerra é mais intensa na Síria, onde centenas de milhares morreram."

"Tudo porque algumas pessoas queriam se livrar de um valentão?"

"Às vezes coisas pequenas ficam maiores, há uma faísca e vira uma grande confusão."

"Mãe, como seria a Terceira Guerra Mundial?"

"Não tema, querido, tudo é diferente agora."

"Totalmente?"

"Totalmente. Nós temos vida, liberdade e a busca da felicidade."

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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