Apesar de derrota no Supremo, movimento LGBT ganha apoio político na Índia

Raghu Karnad

Em Bangalore (Índia)

  • Bikas Das/AP

    Parada Gay na cidade de Kolkata, na Índia, em dezembro do ano passado

    Parada Gay na cidade de Kolkata, na Índia, em dezembro do ano passado

A maioria dos bancos verdes da Câmara Baixa do Parlamento da Índia estava vazia na tarde de 18 de dezembro. Era uma sessão no fim do inverno. Um debate sério e sem pressa ocorria entre Nishikant Dubey, membro do partido governista Bharatiya Janata, e Shashi Tharoor, escritor, ex-diplomata e membro do MP, de oposição, que apresentava um projeto de lei.

Só depois que a votação foi convocada, e um clamor repentino tomou conta da Câmara, que o significado da lei se tornou aparente: ela propunha descriminalizar o sexo gay. Os membros do MP que cochilavam levantaram-se num salto e latiram alto. Uma voz se ergueu em zombaria: "Tharoor só precisa dessa lei para si mesmo!"

O número final foi de 24 votos a favor e 71 votos contra, e o projeto de lei foi enviado de volta para a mesa de Tharoor. Mas o debate em si teve um bom resultado: dois anos depois que as minorias sexuais da Índia sofreram um terrível revés no Supremo Tribunal, cada vez mais políticos eleitos estão defendendo os direitos LGBT.

Ao contrário dos tribunais, os políticos falam pelos eleitores. Suas declarações vêm e voltam das centenas de milhares de eleitores que eles representam --um diálogo nacional que pode influenciar mais do que qualquer decisão de tribunal para impedir o preconceito contra a população LGBT na Índia.

Tharoor pretende mudar a Seção 377 do código penal da Índia, uma disposição da era vitoriana que pune com prisão perpétua "qualquer um que tenha relações carnais voluntárias contra a ordem da natureza com qualquer homem, mulher ou animal". As condenações são raras, mas a lei às vezes é utilizada para perseguir e chantagear homens gays e transgêneros.

Em um país onde todo o tipo de preferência sexual está presente no patrimônio cultural e na realidade vivida, a Seção 377 é tanto antiquada quanto incongruente. O projeto de Tharoor propôs reescrever a lei, penalizando apenas o sexo com menores e o sexo sem consentimento.

Por muitos anos, a campanha contra a Seção 377 se concentrou em desafiar a lei nos tribunais. E a estratégia parecia estar dando certo: em 2009, uma decisão esclarecida do Supremo Tribunal de Déli considerou que a cláusula violava a promessa de igualdade da Constituição.

Mas em 11 de dezembro de 2013, um painel do Supremo Tribunal reverteu a decisão, adotando uma posição incomum de restrição judicial. Foi uma abdicação desconcertante do papel do tribunal como guardião dos direitos civis, e uma notícia devastadora para os ativistas LGBT.

Poucos dias depois, juntei-me a um grupo revoltado nos degraus da prefeitura de Bangalore, a cidade no centro da indústria tecnológica indiana. Apenas um dia antes, a Parada Gay local tinha terminado naquela escadaria --uma parada especialmente colorida e alegre, com participantes veteranos e transgêneros corajosos acompanhados de geeks risonhos segurando bandeiras com as marcas do Google e Goldman Sachs. Depois da decisão do Supremo Tribunal, entretanto, os manifestantes vestiram preto e cantaram: "se você é um criminoso e sabe disso, bata palmas!" A ocasião foi chamada de Dia de Fúria.

Logo, porém, a raiva insurgente se misturou com a surpresa advinda da onda de solidariedade. No Twitter, até um autodenominado "hindu de extrema-direita consumidor-conspícuo-patriota-capitalista" pediu que a Seção 377 fosse revisada por ordem do executivo. Na noite do protesto, os programas de notícias trovejaram contra a decisão do Supremo Tribunal, e convidaram políticos para declarar suas posições sobre ela.

Naquele momento sombrio, havia uma vitória: a ação tinha apenas saído dos tribunais e passado para a política popular.

A primeira declaração formal contra a decisão veio do Partido Aam Aadmi, que tinha recentemente cativado a classe média urbana com sua campanha contra a corrupção e a política de sempre. Logo depois veio o Partido do Congresso. Rahul Gandhi, vice-presidente do Congresso, disse que as preferências sexuais "devem ser deixadas aos indivíduos" --uma declaração leve porém inédita de um líder do partido então no poder.

Essa declaração pressionou o principal rival do Partido do Congresso, o Partido Bharatiya Janata, de direita, a endossar o veredicto do Supremo Tribunal. O BJP venceu a eleição geral de 2014 e hoje, depois de um ano e meio no poder, seus líderes suavizaram sua posição quanto aos direitos LGBT. Em um festival literário em novembro, o ministro das Finanças Arun Jaitley admitiu: "quando milhões de pessoas em todo o mundo têm preferências sexuais alternativas, é um pouco tarde para defender a ideia de que elas devem ser presas."

A Seção 377 ainda existe, no entanto, e como Tharoor descobriu, o Parlamento indiano ainda está longe de mudá-la. Mas o apoio crescente à reforma por parte de políticos de linhas diferentes está criando aquilo que uma decisão judicial sábia poderia ter antecipado: uma conversa nacional sobre aceitar e respeitar diferentes estilos de vida sexual.

Uma decisão progressista do Supremo Tribunal teria revisto a lei de uma só vez, mas teria feito pouca coisa para mudar o estigma social e a hostilidade institucional que as minorias sexuais enfrentam. Quando os principais partidos políticos afirmam seu apoio aos indianos LGBT, eles enviam um tipo diferente de mensagem para seus eleitores e para os funcionários sob seu comando.

Tharoor vai relançar seu projeto de lei. Ele espera que uma ampla discussão no Parlamento seja uma oportunidade para divulgar que os direitos LGBT "não dizem respeito ao sexo, mas sim à liberdade". As chances de aprovação do projeto de lei ainda são escassas, pelo menos até que as vozes mais liberais do BJP vençam as mais fanáticas. É provável que os políticos indianos passem a responsabilidade adiante ou se curvem aos conservadores religiosos de suas bases.

Mas alguns políticos eleitos já começaram a assumir a responsabilidade para com as minorias sexuais, e graças aos esforços paralelos de ativistas, uma agenda legislativa pequena porém crescente pelos direitos LGBT tem se tornado clara. Um novo projeto protegendo os direitos de transgêneros foi aprovado no Senado e será apresentado à Câmara este ano. Em janeiro passado, Madhu Bai Kinnar foi eleita prefeita de Raigarh --a primeira transexual eleita para governar uma cidade na Índia.

Ao contrário dos Estados Unidos, onde os direitos LGBT são um problema polêmico demais para muitos políticos tratarem, na Índia a homofobia é difusa e dificilmente faz parte de guerras culturais como as nossas. E assim cresce a esperança de que a Seção 377 acabe sendo alterada através do legislativo --por um processo que apela não só à Constituição da Índia, mas também à sociedade indiana.

*Raghu Karnad é autor de "Farthest Field: An Indian Story of the Second World War" e editor colaborador da TheWire.in

Tradutor: Eloise De Vylder

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