Opinião: Os EUA precisam conversar com a Coreia do Norte

Siegfried S. Hecker*

Em Stanford (Califórnia)

  • Ahn Young-joon/ AP

    10.nov.2016 - TV em estação de trem em Seul, Coreia do Sul, mostra Donald Trump (dir.) e o ditador norte-coreano Kim Jong-un

    10.nov.2016 - TV em estação de trem em Seul, Coreia do Sul, mostra Donald Trump (dir.) e o ditador norte-coreano Kim Jong-un

Diplomacia bilateral é a melhor forma de o governo Trump limitar a crescente ameaça nuclear

Desde minha primeira visita ao complexo nuclear de Yongbyon da Coreia do Norte, em 2004, eu testemunhei o programa de armas nucleares do país crescer de um punhado de bombas primitivas a um arsenal nuclear formidável, que representa uma das maiores ameaças à segurança dos Estados Unidos.

Após décadas de políticas fracassadas em relação a Pyongyang, dialogar com a Coreia do Norte é a melhor opção para o governo Trump, a esta altura tardia, para limitar a crescente ameaça.

A Coreia do Norte decidiu construir a bomba porque o presidente George W. Bush estava determinado a matar o "Acordo de Bases" de 1994 do presidente Bill Clinton, um acordo bilateral com a Coreia do Norte para congelamento e posterior desmanche do programa nuclear norte-coreano.

Os linhas-duras no governo Bush o viam como um apaziguamento. Bush rotulou a Coreia do Norte, juntamente com o Irã e o Iraque, como parte de um "eixo do mal" em janeiro de 2002.

Na primeira reunião bilateral com o regime de Kim Jong-il em Pyongyang, em outubro de 2002, funcionários do governo Bush acusaram a Coreia do Norte de violar o pacto de Clinton, buscando clandestinamente um caminho de urânio para a bomba. Washington já tinha detectado esse esforço no final dos anos 90, mas ele foi considerado como sendo uma ameaça insuficiente, que não valia a pena colocar em risco os ganhos obtidos com o congelamento do plutônio.

Para o governo Bush, o esforço clandestino de urânio era tudo o que precisava para o abandono do Acordo de Bases. Mas a equipe de Bush provou estar despreparada para as consequências e ficou apenas olhando enquanto a Coreia do Norte retomava seu programa de plutônio e construía a bomba.

Durante seis visitas entre 2004 e 2009, eu assisti enquanto a Coreia do Norte continuava tentando dialogar com Washington e o governo Bush dava preferência às negociações envolvendo seis partes, lideradas pela China, acreditando que os norte-coreanos teriam maior dificuldade de trapacear no contexto de uma diplomacia multilateral.

Em uma visita em 2004, até mesmo fui autorizado a segurar um pedaço de plutônio (em um pote de vidro selado) para convencer a mim e Washington de que a Coreia do Norte tinha a bomba.

Em setembro de 2005, a China orquestrou uma declaração conjunta das seis partes pedindo por uma Península Coreana livre de armas nucleares. Quando o governo Bush impôs simultaneamente sanções financeiras contra Pyongyang, os norte-coreanos abandonaram as negociações e responderam com seu primeiro teste nuclear, em outubro de 2006.

Eu estava em Pyongyang três semanas depois e descobri que apesar do teste ter sido apenas parcialmente bem-sucedido, ele marcou um ponto de virada no programa nuclear norte-coreano.

A Coreia do Norte se transformou em um Estado com armas nucleares e passou a insistir que todas as futuras negociações reconhecessem essa realidade. Bush deixou a presidência com a Coreia do Norte provavelmente de posse de cinco armas nucleares a base de plutônio e um programa de urânio em expansão.

A Coreia do Norte deu as boas-vindas ao governo Obama com um lançamento de foguete de longo alcance, seguido por um segundo teste nuclear em maio de 2009, dessa vez bem-sucedido. Diferente do governo Bush, que enfrentava a perspectiva da Coreia do Norte violar o Tratado de Não Proliferação Nuclear, o governo Obama enfrentava a marcha constante da Coreia do Norte para expansão de seu arsenal.

Obama também não se mostrou disposto a dialogar diretamente com Pyongyang, insistindo primeiro em uma desnuclearização do país antes de uma retomada das negociações.

Parece que o governo Obama também via os regimes de Kim Jong-il e de seu filho e sucessor, Kim Jong-un, como repulsivos, torcendo para seu colapso, mantendo-se ao mesmo tempo em sintonia com os dois governos conservadores da Coreia do Sul.

O caminho escolhido por Obama foi endurecer as sanções da ONU e dos Estados Unidos e pressionar Pequim a conter Pyongyang. Nenhuma estratégia impediu o regime de Kim de expandir seu programa nuclear.

Pyongyang aumentou a aposta em seu programa nuclear com uma revelação surpreendente durante minha sétima e última visita ao país, em novembro de 2010: a existência de uma instalação moderna de centrífugas de urânio em Yongbyon.

Aquela instalação deixava claro que a Coreia do Norte agora era capaz de buscar um segundo caminho para a bomba. Pelo que se sabe, nenhum forasteiro esteve em Yongbyon desde minha visita em 2010.

Imagens por satélite do complexo de Yongbyon, combinadas com as fotos oficiais de propaganda norte-coreanas e aos três testes nucleares adicionais bem-sucedidos, apontam para um arsenal nuclear robusto e em rápida expansão.

Minha melhor estimativa, mas reconhecidamente incerta, é que a Coreia do Norte tenha plutônio e urânio altamente enriquecido suficientes para produção de 20 a 25 armas nucleares.

A Coreia do Norte também lançou cerca de duas dúzias de mísseis em 2016, incluindo parcialmente bem-sucedidos mísseis lançados por bases móveis e submarinos, com potencial de levarem ogivas nucleares.

O presidente eleito Donald J. Trump enfrenta uma ameaça muito mais grave da Coreia do Norte do que seus dois antecessores. Pyongyang provavelmente já pode atingir toda a Coreia do Sul, Japão e até mesmo alguns alvos americanos no Pacífico.

A crise está aqui. O ponteiro do relógio nuclear continua avançando. A cada seis ou sete semanas, a Coreia do Norte talvez possa adicionar outra arma nuclear ao seu arsenal. Todas nas mãos de Kim Jong-un, um líder jovem sobre o qual sabemos pouco, e de militares sobre os quais sabemos ainda menos. Ambos são potencialmente propensos a excesso de confiança e erros de cálculo.

Essas questões nucleares sensíveis exigem discussões focadas em um ambiente pequeno e fechado. Isso só pode ser conseguido em uma mesa de negociação multilateral, como as negociações envolvendo seis partes.

Trump deveria enviar um emissário presidencial à Coreia do Norte. Conversar não é uma recompensa ou uma concessão à Pyongyang e não deve ser entendido como uma sinalização de aceitação de uma Coreia do Norte com armas nucleares. Conversar é um passo necessário para restabelecimento dos elos fundamentais de comunicação, visando evitar uma catástrofe nuclear.

O presidente eleito tem pouco a perder em conversar. Ele pode correr o risco de uma reação negativa política doméstica, ao parecer apaziguar a Coreia do Norte. Ele provavelmente contaria com apoio da China, o que é crucial, porque Pequim prefere dialogar em vez da adoção de mais sanções. Provavelmente ele também receberia apoio de Seul, Tóquio e Moscou a negociações bilaterais.

Ao conversar, e especialmente escutar, o governo Trump poderia aprender mais sobre as preocupações de segurança dos norte-coreanos. Isso permitiria a Washington sinalizar a força de sua determinação em proteger seus aliados e expressar suas preocupações com abusos de direitos humanos, assim como para demonstrar sua abertura a um progresso equilibrado e pragmático.

O diálogo ajudaria a informar uma melhor estratégia de negociação que poderia, eventualmente, convencer o jovem líder de que seu país e seu regime estariam mais bem servidos sem armas nucleares.

*Siegfried S. Hecker, diretor emérito do Laboratório Nacional de Los Alamos, é um membro sênior do Centro para a Cooperação e Segurança Internacional da Universidade de Stanford

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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