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Análise: EUA saem mais divididos das urnas. E Trump gosta disso

Tom Brenner/The New York Times
Imagem: Tom Brenner/The New York Times

Peter Baker

Em Washington (EUA)

07/11/2018 14h41

O presidente dos EUA, Donald Trump, acordou nesta quarta-feira (7) em um ambiente político radicalmente diferente, enfrentando a perspectiva de uma guerra partidária de dois anos com uma Câmara comandada pelos democratas, com poder de intimação e com poder para bloquear sua agenda legislativa.

Combativo por natureza, feliz ao brigar, o presidente agora pode ter de escolher entre ampliar o conflito que dilacerou Washington nos últimos anos e tentar o tipo de conciliação que raramente marcou seu governo até agora.

Depois de uma campanha agressiva e com forte tom racial, Trump indicou nos dias que antecederam a votação que poderá abrandar seu tom de agora em diante, embora os gestos anteriores no sentido do bipartidarismo não tenham durado muito. Com seu partido não mais detendo todas as alavancas do poder em Washington, ele não pode ignorar a oposição se quiser transformar suas prioridades em leis.

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Talvez igualmente importante, ele não terá mais maiorias republicanas para proteger seu flanco contra investigações de todo tipo de problemas que os democratas estão ansiosos para examinar. A nova Câmara pode pressionar muito mais profundamente seus assuntos pessoais e políticos, exigindo as declarações de imposto de renda que ele manteve em segredo, examinando melhor as ligações com a Rússia e explorando qualquer conflito de interesses.

Em última instância, uma Câmara democrata poderá até representar uma ameaça de impeachment contra o presidente, dependendo dos resultados da investigação do procurador-especial Robert Mueller, que manteve silêncio durante a campanha, embora líderes do partido temam tal medida.

"O governo estará sob forte escrutínio e responsabilização por uma Câmara democrata", disse o ex-deputado republicano Tom Davis, da Virgínia. "Esperem mais investigações e intimações. A lua-de-mel terminou. Os eleitores votaram por restrições ao presidente, em vez de lhe dar um cheque em branco."

Trump se tornou o terceiro presidente seguido a sofrer uma grande derrota no meio de mandato. Os democratas de Bill Clinton perderam as duas casas do Congresso em 1994, os republicanos de George W. Bush idem em 2006 e os democratas de Barack Obama perderam a Câmara em 2010 e o Senado em 2014.

Mas Clinton e Obama se recuperaram dessas derrotas para ganhar a eleição dois anos depois, achando útil politicamente ter uma oposição para combater. Em seu tempo na política, Trump esteve mais à vontade e confiante quando tinha um inimigo com quem lutar.

"O processo de intimação e investigações será difícil", disse Marc Short, ex-diretor legislativo da Casa Branca para Trump. "Mas provavelmente não há nada que possa ajudar mais as perspectivas de reeleição do presidente do que ter Nancy Pelosi como presidente da Câmara."

O ex-deputado democrata Steve Israel, de Nova York, disse que os resultados da eleição foram um "saco misto" para o presidente. "Com uma maioria democrata na Câmara, ele tem o inimigo de que precisa para sua campanha à reeleição em 2020", disse Israel. "Mas nenhum presidente quer que o outro partido tenha poder de intimação --certamente não este presidente."

Trump foi poupado do pior resultado porque os republicanos conservaram o Senado, garantindo sua possibilidade de continuar confirmando juízes e outros nomeados. O Senado quase certamente bloqueará qualquer lei inamistosa que os deputados democratas possam propor, evitando a necessidade de o presidente usar o poder de veto.

Mas as derrotas republicanas na eleição para governador em Estados chaves poderão complicar a campanha à reeleição de Trump dentro de dois anos. Os democratas capturaram os governos de Estados como Kansas e Michigan, onde Trump venceu dois anos atrás, e seu controle do governo nesses lugares poderá dificultar para o presidente repetir sua façanha em 2020.

O prefeito Rahm Emanuel, de Chicago, um ex-congressista democrata e chefe de gabinete da Casa Branca, disse que o sucesso dos democratas nas disputas para a Câmara e para governador representa um repúdio de um presidente em um momento em que o desemprego está em 3,7%, o mais baixo em quase meio século.

"Os democratas não vão conseguir recuperar a Câmara e os governos estaduais, de jeito nenhum", disse Emanuel. "A verdade é que essa foi uma onda azul [democrata] com um repuxo vermelho [republicano]." Os democratas, acrescentou ele, estiveram formando uma "maioria metropolitana", uma coalizão de eleitores urbanos e suburbanos que segundo ele tornaria mais difícil para o presidente ganhar um segundo mandato.

Trump, porém, é uma figura política mais flexível que muitos, capaz de mudar de posição rapidamente sem se preocupar em parecer coerente, e como resultado ele poderia teoricamente decidir trabalhar com os democratas até sob o risco de irritar colegas republicanos. O mesmo presidente que passou de ameaçar com a guerra nuclear contra o líder da Coreia do Norte a declarar que os dois se apaixonaram poderia certamente se reposicionar como um negociador com os democratas.

"Os democratas ganhando a Câmara fornecem uma esperança para o presidente de que ele poderia armar soluções bipartidárias para preços de remédios e infraestrutura", disse Sara Fagen, ex-diretora política da Casa Branca no governo Bush. "Mas também significa que membros de seu governo passarão muitas horas lidando com investigações, inclusive respondendo a perguntas sob intimação."

Trump também mantém o poder de definir a política externa, como fizeram outros presidentes durante tempos de choques com o Congresso e de fato parte na sexta-feira (9) para um fim de semana em Paris, onde se reunirá com outros líderes mundiais para marcar o centésimo aniversário do fim da Primeira Guerra Mundial.

Israel disse que o confronto não é necessariamente uma conclusão prevista, dependendo de como o presidente decida reagir.

"Eu acho que há uma oportunidade oculta aqui", disse ele. "Os democratas da Câmara e do Senado podem apresentar a Trump leis sobre investimentos em infraestrutura e redução do preço dos medicamentos, duas questões sobre as quais ele fez campanha."

"Se ele aceitar os acordos", acrescentou ele, "marginalizará os senadores republicanos quando defenderem 20 assentos na próxima eleição. Se ele não aceitar os acordos, não terá nada para sua campanha. De qualquer maneira, os democratas estão no banco do motorista."